Entenda o PLP 79/2022, que estabelece normas gerais de fiscalização financeira da administração pública

Nesta terça-feira (8), a Comissão de Trabalho, Administração e Serviço Público da Câmara dos Deputados – CTASP vai debater em Audiência Pública o Projeto de Lei Complementar 79, de 2022. A proposta, apresentada no dia 31/5/2022 pelo Deputado Fábio Trad, estabelece normas gerais de fiscalização financeira da administração pública direta e indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios. A fiscalização financeira objeto da regulamentação  abrange o autocontrole, o controle interno, o controle externo, o sistema nacional de auditoria do SUS e o controle social.

A proposta também dispõe sobre a regulamentação da simetria referente à organização, à composição e à fiscalização dos Tribunais de Contas dos Estados e do Distrito Federal, bem como dos Tribunais Contas dos Municípios, estes últimos onde houver, com amparo nos artigos 75 e 163, inciso V, da Constituição Federal.  

Em 10/06/2022, o Deputado Israel Batista, designado relator na Comissão de Trabalho, Administração e Serviço Público – CTASP, apresentou relatório pela aprovação da proposta com algumas emendas visando ao aperfeiçoamento da proposta, especialmente no sentido de racionalizar e reduzir custos dos entes da Federação com manutenção de portais de transparência e para prever garantias especiais previstas no art. 247 da Constituição Federal aos ocupantes de cargos cujas atribuições consistem em realizar atividades exclusivas de Estado de fiscalização e controle.

Eixo do Autocontrole

No Capítulo do autocontrole, a proposta reúne e padroniza as funcionalidades dos diversos sistemas centralizados desenvolvidos mantidos pela União para o monitoramento e a avaliação da eficiência alocativa das diversas políticas públicas nacionais, exigência reforçada pela Emenda Constitucional nº 109, de 2021, que incluiu o § 16 nos arts. 37 e 165 da Constituição da República.

Cria demonstrativos eletrônicos para o controle público e social dos cargos em comissão, contratação temporária, terceirizações e as despesas indenizatórias, tais como diárias e passagens, ajuda de custo, capacitação. Confere maior transparência sobre a distribuição e lotação dos cargos efetivos, de acordo com a natureza e complexidade, de forma a possibilitar a avaliação qualitativa da eficiência alocativa.

A proposta também avança com a previsão de módulo específico no sistema mantido pela União para controle sistematizado do teto remuneratório na Federação, da acumulação de cargos públicos nas diversas esferas de governo e das parcelas indenizatórias não computadas no teto remuneratório dos servidores públicos. As organizações da sociedade civil que recebem recursos públicos também terão de declarar a aplicação dos recursos em sistema único mantido pela União, ao qual seja dado amplo acesso público. A previsão mostra-se consentânea com a exigência da Emenda Constitucional nº 103, de 2019, notadamente a previsão do art. 12, que prevê a instituição de sistema integrado pela União.

Para racionalizar as operações, o projeto prevê a interoperabilidade entre os sistemas centralizados mantidos pela União com o sistema integrado único de administração financeira dos entes subnacionais (SIAFIC). A medida facilitará a declaração de dados pelos gestores estaduais e municipais, que poderão, automaticamente, exportar os dados dos seus sistemas e atualizar os sistemas nacionais, sem precisar de alocar um enorme contingente para essa função, com maior precisão e rapidez.

Os portais mantidos pela União também passarão a contar com comitês técnicos – integrados por especialistas de diversos setores – e também um comitê de controle social com a finalidade de assegurar o acompanhamento direto, pela sociedade civil, do funcionamento dos sistemas nacionais e propor formas simplificadas de divulgação das informações para acesso público. 

Entidades qualificadas, tais como a Transparência Internacional, o Instituto Não Aceito Corrupção – INAC, a Associação Contas Abertas, o Instituto de Fiscalização e Controle-IFC, o Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral – MCCE, o Observatório Social, e a própria Ordem dos Advogados do Brasil, dentre outras, poderão integrar o comitê de controle social dos portais da União e contribuir para simplificar a divulgação das informações para garantir a melhor compreensão pelo cidadão.

Para garantir a operação dos sistemas, os órgãos centralizados da União devem definir padrões mínimos para detalhamento das informações. A novidade em relação à situação atual é a padronização dos indicadores de identificação orçamentária da despesa, essencial para a realização dos cálculos automáticos dos mínimos de educação e saúde, a exemplo do que a União já adota (ID-USO 06 para saúde e 08 para educação). Essa padronização nacional também é fundamental para assegurar a rastreabilidade e a comparabilidade a partir de procedimentos de mineração de dados, a cujo resultado seja dado amplo acesso ao cidadão, exigência do art. 163-A da Constituição da República, com redação dada pela Emenda Constitucional nº 108, de 2020.

Ainda no campo do autocontrole, a proposta sinaliza para importância de estruturar o Sistema Nacional de Auditoria do Sistema Único de Saúde (SNA/SUS). As cobranças do TCU para o Poder Executivo organizar o DENASUS remontam ao ano de 1993, ocasião em que o então Ministro, Carlos Átila, declarou que,  “mesmo que o sistema de auditoria custasse o dobro do que custa o TCU, com todas as suas Secretarias Regionais e 2 mil servidores, ainda assim o controle exercido pela Auditoria proporcionaria economia superior a seu custo de operação” (Decisão 576/1993-TCU-Plenário).

Os órgãos do SNA, diferentemente das demais instâncias de controle que se voltam para a persecução do dano, darão ênfase para as atividades de avaliação técnico-científica e de gestão, de forma a colaborar com o gestor visando à eficiência da gestão da política pública de saúde. Outro avanço importante é que o SNA passará a ser orientado pelos princípios e diretrizes que norteiam os órgãos de controle interno, de forma a assegurar a independência técnica dos Auditores do SUS.

Para racionalizar as ações de controle, o plano anual e o resultado final das auditorias realizadas pelos DENASUS e órgãos correspondentes nas demais esferas serão registrados e plataforma digital, à qual será dado acesso aos órgãos de controle interno e externo e ao Ministério Público com competência para atuar no âmbito de cada ente da Federação, observada a origem do recurso objeto da fiscalização, conforme disposto no art. 27 da Lei Complementar nº 141, de 2012.

O DENASUS passa a ser órgão permanente, com correspondente em cada ente da Federação, estruturado em quadro de pessoal efetivo para o exercício da fiscalização, avaliação e controle das ações e serviços públicos de saúde. 

Em 2020, o orçamento federal em saúde superou R$ 161 bilhões, dos quais cerca de R$ 113 bilhões foram repassados aos Estados, Distrito Federal e Municípios, sem que haja controle efetivo sobre esse volume expressivo de recurso, conforme apontado no Voto do relator das contas presidenciais de 2020. 

Com a Emenda nº 108, de 2020, a complementação da União para o FUNDEB superou R$ 23 bilhões em 2021, constituindo transferência obrigatória sem que a União utilize as ferramentas digitais de que dispõe (Plataforma +Brasil e Portal Nacional de Contratações Públicas) para realizar o monitoramento, avaliação e controle, além de viabilizar a rastreabilidade e a comparabilidade das informações, conforme exigido pela Emenda que instituiu o novo FUNDEB. Vide determinações e recomendações contantes do Acórdão nº 3.061/2019-TCU-Plenário.

A utilização de plataforma digital para reunir as informações sobre recursos de natureza federal, sujeitos à fiscalização e julgamento de contas pela União tem o potencial de induzir a maior efetividade dos recursos próprios dos entes subnacionais, na medida em que o acesso à plataforma digital sobre a aplicação dos recursos da União contribuirá para a atuação de monitoramento, avaliação e controle dos Tribunais de Contas e Ministério Público estaduais.

Eixo Controle Interno

A proposta de autoria de Trad também exige a implantação, manutenção, monitoramento e revisão dos controles internos institucionais, tendo por base a identificação, avaliação e gerenciamento de riscos que possam impactar a consecução dos objetivos estabelecidos pelo Poder Público. 

Segundo a proposta, para cumprir o que estabelece a Constituição, a auditoria interna dos Poderes deverá priorizar as atividades de avaliação da gestão e de apoio ao controle externo, especialmente no que concerne à auditoria e à certificação de contas, de forma a evitar sobreposição de esforços.

Eixo Fiscalização Financeira pelo Poder Legislativo

Além de fixar o prazo de 90 dias para o Congresso Nacional julgar anualmente as contas prestadas pelo Presidente da República, a proposta estabelece normas gerais referentes à relação Congresso Nacional e TCU para a fiscalização de obras paralisadas. O tema, que é típico de fiscalização financeira sujeita a normas gerais fixadas por lei complementar, vem sendo tratado nas leis de diretrizes orçamentárias de forma precária.

A proposta prevê relatórios periódicos com informações sobre indícios de irregularidades graves identificados nas fiscalizações referentes a obras e serviços públicos, assim como aos relatórios bimestrais de avaliação das receitas e despesas primárias, com destaque para os riscos de descumprimento das metas fiscais. Prevê, ainda, relatórios referentes à qualidade da implementação e ao alcance de metas e objetivos dos programas e das ações governamentais objeto de auditorias operacionais realizadas para subsidiar a discussão do projeto de lei orçamentária.

Dispõe também sobre a participação de representantes do Tribunal de Contas e do Ministério Público de Contas junto ao Tribunal nas audiências públicas quadrimestrais obrigatórias para o Poder Executivo demonstrar à respectiva Casa Legislativa o cumprimento das metas fiscais e o conteúdo do relatório de gestão do SUS, conforme previsto na legislação vigente (LRF e Lei Complementar nº 141, de 2012).

As regras previstas neste eixo serão obrigatórias para União, para os Estados e Capitais. Para os demais Municípios, ficaria a cargo de cada Tribunal de Contas normatizar, de acordo com sua capacidade operacional. Leva-se em consideração que os principais devedores da União são os Estados e Capitais, de forma que restringir a obrigatoriedade da participação dos órgãos de controle nas audiências nas esferas subnacionais pode contribuir para a sustentabilidade fiscal prevista na Emenda nº 109, de 2021.

Eixo Fiscalização Financeira pelos Tribunais de Contas

A proposta estabelece padrão mínimo nacional de organização e normas de processo e garantias processuais asseguradas aos gestores, ações coordenadas e transparentes que assegurem isonomia e segurança jurídica na fiscalização financeira sobre a aplicação das normas gerais e específicas editadas pela União nas hipóteses previstas na Constituição. A proposta reflete as medidas necessárias para que se alcance os resultados almejados pelo Ministro da Economia em algumas declarações públicas:

Estados quebraram por descontrole dos TCEs que precisam subir ao grau do TCU, diz Paulo Guedes

O ministro da Economia argumentou que as cortes que fiscalizam governos e prefeituras precisam "subir ao padrão TCU" [https://www.focus.jor.br/estados-quebraram-por-descontrole-dos-tces-que-precisam-subir-ao-grau-do-tcu-diz-paulo-guedes/]

BRASÍLIA (Reuters) - O ministro da Economia, Paulo Guedes, fez fortes elogios ao trabalho do Tribunal de Contas da União (TCU) nesta quarta-feira, acrescentando que este é um modelo de serviço público que deve ser seguido pelos tribunais de contas dos Estados.

"O TCU tem dado demonstração brilhante de cooperação conosco. O TCU, na pessoa do (presidente) José Mucio e de todo o quadro técnico, tem dado uma demonstração extraordinária de competência", afirmou Guedes em evento em Brasília, acrescentando que o órgão tem controlado e corrigido o Executivo em seus erros. [https://extra.globo.com/economia-e-financas/guedes-elogia-trabalho-do-tcu-como-padrao-ser-seguido-por-tribunais-de-contas-dos-estados-23449314.html]

 

Após questionar tribunais de contas, Guedes é criticado por conselheiros

A crise com Guedes foi aberta na esteira das discussões da chamada 'PEC Emergencial' depois que o ministro defendeu a vinculação, prevista no texto, entre decisões do Tribunal de Contas da União (TCU) e dos Tribunais de Contas dos Estados (TCEs) relacionadas a contabilidade de gastos

A crise com Guedes foi aberta na esteira das discussões da chamada 'PEC Emergencial' depois que o ministro defendeu a vinculação, prevista no texto, entre decisões do Tribunal de Contas da União (TCU) e dos Tribunais de Contas dos Estados (TCEs) relacionadas a contabilidade de gastos. Na avaliação do ministro, crises financeiras de Estados e municípios tiveram como pano de fundo a 'contabilidade criativa' que maquiou gastos e permitiu a elevação de despesas quando a situação das contas já era delicada.[https://www.correiobraziliense.com.br/economia/2021/03/4912533-apos-questionar-tribunais-de-contas-guedes-e-criticado-por-conselheiros.html]

Sobressai a seção referente à transparência da gestão dos Tribunais de Contas. Pela proposta, a União deverá instituir e manter portal nacional de transparência e visibilidade dos Tribunais de Contas e dos Ministérios Públicos de Contas para registro não apenas das despesas dos referidos órgãos, mas das reclamações disciplinares às respectivas Corregedorias e dos relatórios e decisões e processos de controle externo. 

Para manutenção do Portal dos Tribunais de Contas, é prevista a criação de um Fundo Especial de Modernização dos Tribunais de Contas integrado das multas aplicadas e arrecadadas pelo TCU, dentre outros aportes da União e dos entes subnacionais. Junto ao Fundo, funcionará um Conselho Deliberativo, junto ao qual funcionarão comitês técnicos, integrados por Auditores de Controle Externo e membros do Ministério Público de Contas, cuja composição e competências serão definidas no regulamento, assim como um comitê de controle social.

Eixo Fiscalização Financeira pelo Ministério Público de Contas

O Ministério Público de Contas que atua junto ao Tribunal de Contas constituirá, necessariamente, unidade orçamentária específica e unidade gestora nos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios (onde houver), para fins de controle público e social.

O Ministério Público junto ao Tribunal de Contas do Estado deverá emitir parecer necessário no processo de julgamento de contas enquanto o Tribunal de Contas do Rio de Janeiro e São Paulo não instalarem o respectivo Ministério Público especial.  A proposta visa garantir a participação do fiscal da lei em todo processo de julgamento de contas, de forma a democratizar o processo de controle externo.

Eixo das Disposições Transitórias e Finais

Os Tribunais de Contas estaduais, distrital e municipais deverão se ajustar às normas gerais de fiscalização financeira em 24 meses. O TCU, por sua vez, deverá encaminhar, em 180 dias, projeto de lei para estabelecer normas gerais do processo de controle externo nos Tribunais de Contas, com a finalidade de assegurar a uniformização dos procedimentos de fiscalização financeira dos órgãos e entidades da administração direta e indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, notadamente sobre a fiscalização de políticas públicas financiadas por mais de um ente da Federação. 

A proposta deve contemplar, ainda, padrão de governança para os Tribunais de Contas e normas gerais de fiscalização financeira, gestão de riscos, avaliação da gestão (asseguração) e atuação do controle interno em apoio ao controle externo da administração pública direta e indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, nos termos dos arts. 70 e 74 da Constituição Federal.

Proíbe que Ministros e Conselheiros, titulares e substitutos, Procuradores de Contas e Auditores de Controle Externo dos Tribunais de Contas possam exercer a advocacia no respectivo Tribunal e ocupar cargo em comissão em órgãos e entidades jurisdicionados do Tribunal antes de decorridos 3 (três) anos contados do afastamento do respectivo cargo por motivo de aposentadoria ou exoneração a pedido.

Prevê a criação do Colégio Nacional dos Presidentes dos Tribunais de Contas, presidido pelo Tribunal de Contas da União, do Colégio Nacional dos Auditores de Controle Externo para questões deliberativas, dentre outras medidas.

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