NOTA TÉCNICA CONJUNTA/2020

ASSUNTO: Projeto de Lei Complementar nº 149/2019, que estabelece o Programa de Acompanhamento e Transparência Fiscal, o Plano de Promoção do Equilíbrio Fiscal, altera a Lei Complementar nº 101, de 4 de maio de 2000, a Lei Complementar nº 156, de 28 de dezembro de 2016, a Lei nº 12.348, de 15 de dezembro de 2010, a Lei nº 12.649, de 17 de maio de 2012 e a Medida Provisória nº 2.185- 35, de 24 de agosto de 2001.

A Associação Nacional dos Membros dos Tribunais de Contas do Brasil – ATRICON, a Associação Nacional dos Ministros e Conselheiros-Substitutos dos Tribunais de Contas – AUDICON, a Associação Nacional do Ministério Público de Contas – AMPCON, a Associação Nacional dos Auditores de Controle Externo dos Tribunais de Contas do Brasil – ANTC, a Associação Brasileira dos Tribunais de Contas dos Municípios – ABRACOM, o Conselho Nacional de Presidentes dos Tribunais de Contas – CNPTC e o Conselho Nacional de Procuradores-Gerais de Contas – CNPGC, pessoas jurídicas de direito privado, entidades de classe de âmbito nacional, com vistas a contribuir com o aperfeiçoamento da atividade legislativa, por meio da presente Nota Técnica Conjunta, diante da tramitação, na Câmara dos Deputados, do Projeto de Lei Complementar nº 149/2019, vêm, respeitosamente, tecer as seguintes ponderações:

- I -
INTRODUÇÃO

1. O Projeto de Lei Complementar nº 149/2019, conhecido como “Plano Mansueto”, contido no relatório (substitutivo) apresentado pelo Deputado Pedro Paulo, visa instituir o Programa de Acompanhamento e Transparência Fiscal e o Plano de Promoção do Equilíbrio Fiscal, além de alterar a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) e outras leis, a fim de facultar aos Estados e aos Municípios o acesso a recursos para equilíbrio de suas contas públicas, mediante o cumprimento de determinadas condicionantes.

2. O referido projeto de lei ganha considerável relevância no momento atual, de decretação de calamidade pública em face do Covid-19, em que os governos dos entes federados experimentam redução na arrecadação de recursos e se veem obrigados a elevar gastos, sobretudo com a saúde. É, também, em razão da sua relevância, dado o impacto nas contas públicas nacionais, que deve haver uma ampla e democrática discussão da matéria com atores essenciais dos diversos poderes, o que não compromete o caráter prioritário e urgente da questão.

3. Neste contexto de alterações significativas das normas relacionadas à responsabilidade e equilíbrio fiscal, faz-se imprescindível a manifestação de todos os atores envolvidos, com tempo suficiente para os estudos pertinentes, uma vez que o objetivo é disciplinar novas políticas fiscais com regras claras e precisas. Ademais, em atenção ao princípio federativo, é importante que todos os entes da Federação possam aprofundar e amadurecer os debates em torno dos objetivos e consequências das alterações propostas. Desse modo, evitam-se distorções no processo orçamentário e ineficiência administrativa.

- II -
ASPECTOS IMPORTANTES DO PLP Nº 149/2019 PARA O EQUILÍBRIO FINANCEIRO E FISCAL E PARA O FORTALECIMENTO DOS CONTROLES INTERNO, EXTERNO E SOCIAL

4. Os programas a serem instituídos pelo projeto em epígrafe configuram alternativas aos entes federados para buscarem o necessário equilíbrio fiscal. Merecem especial destaque, os mecanismos previstos para garantir a transparência e a publicidade, como condições para a participação dos entes, a exemplo do art. 2º, que impõe aos entes signatários que disponibilizem o amplo acesso a informações e sistemas contábeis, orçamentários e financeiros a órgãos de controle, além de outros dispositivos, posto que o projeto de lei complementar reforça sobremaneira o princípio da publicidade em seu texto, prevendo, inclusive, programa para esta finalidade, o chamado Programa de Acompanhamento e Transparência Fiscal. Imperioso apontar que o aperfeiçoamento da publicidade e da transparência nas contas públicas impactam diretamente na qualidade e eficiência das atividades dos órgãos de controle e do próprio controle social.

5. Ressalta-se, também, que a busca por equilíbrio das contas públicas e as medidas que proporcionam a melhoria da capacidade de pagamento dos entes, conforme expressamente previsto no art. 3º do PLP, possuem o condão de gerar benefícios incalculáveis, vez que contas públicas equilibradas possibilitam maiores condições dos entes federados adimplirem com suas obrigações, sobretudo no que tange à prestação de serviços à sociedade. Daí a importância dos Programas citados alhures, que possibilitarão aos entes federados, o acesso a créditos, contratação com a União, contratação de operações de crédito e concessão de garantia pela União, especialmente pelos entes com baixa capacidade de pagamento, com condições e prazos diferenciados, a fim de alcançar os objetivos estipulados e os compromissos firmados.

6. Importa destacar, ainda, a proposta de alteração da Lei Complementar nº 156/2016 e da Medida Provisória nº 2.185-35/2001, estabelecendo lapso temporal no qual a União não poderá executar as garantias das dívidas decorrentes dos contratos de refinanciamento de dívidas celebrados com os entes federados, com a condição de que, caso os entes suspendam os pagamentos das dívidas, tais valores sejam aplicados preferencialmente em ações que mitiguem os impactos da pandemia do Covid-19 na saúde, na assistência social, no emprego, na atividade econômica e na arrecadação. Resta nítido o objetivo de auxílio mútuo entre os entes, o que contribuirá para o fortalecimento do pacto federativo e o desempenho de suas competências comuns, ainda mais importante no período atual de crise econômica.

7. Com a aprovação da alteração dos diplomas legais ao norte citados, os entes deverão efetivamente evidenciar, com a devida publicidade, a correlação entre as ações desenvolvidas e os recursos não pagos à União, sem prejuízo da supervisão dos órgãos de controle competentes, o que demonstra, uma vez mais, a preocupação do legislador com o fortalecimento do controle externo, especialmente das competências dos Tribunais de Contas, os quais constituem órgãos essenciais para o controle das finanças públicas.

8. Noutro aspecto, a previsão contida no art. 4º do PLP, que estabelece que o Plano de Promoção do Equilíbrio Fiscal dependerá da adoção de três das medidas elencadas nos incisos do § 1º do artigo 2º da Lei Complementar nº 159/2017, constitui meio de fomento para que os entes se comprometam a efetuar reduções permanentes de despesa, corroborando, assim, para o aprimoramento da eficiência dos gastos públicos.

9. Assim, tendo em vista que a publicidade, a transparência e o apoio às atividades de controle são bases fundamentais de um Estado Democrático de Direito, e que tais postulados foram amplamente assegurados no texto do projeto de lei complementar em análise, com o propósito de assegurar o equilíbrio fiscal das contas públicas, coadunamo-nos com a sua aprovação e apresentamos, oportunamente, determinadas reflexões, no intuito de contribuir para o aprimoramento do projeto em andamento.

- III -
DA INVIABILIDADE DA REDAÇÃO DO § 7º DO ART. 20, DA LC Nº 101/2000, CONSTANTE DO ART. 15 DO PLP Nº 149/2019

10. O art. 15 do PLP nº 149/2019 propõe o acréscimo do § 7º ao art. 20 da Lei Complementar nº 101/2000 (LRF), com os seguintes termos:

 

“Art. 20. (...) § 7º Nos Estados em que tenha havido ou vier a ser extinto o Tribunal de Contas dos Municípios e este tiver sido ou vier a ser incorporado ao Tribunal de Contas do Estado, os percentuais acrescidos e reduzidos em 0,4% (quatro décimos por cento), nos termos do § 4º deste artigo, serão reincorporados aos poderes originais no prazo de até 8 anos, a partir da data da extinção.” (NR)

11. O dispositivo estabelece uma regra provisória e de exceção a ser aplicada no caso de extinção do Tribunal de Contas dos Municípios, passando o Tribunal de Contas do Estado a arcar com as despesas de pessoal do tribunal extinto, em função da incorporação de seu quadro de pessoal e suas competências constitucionais. Para esse caso, o PLP nº 149/2019 estabelece um prazo de 8 (oito) anos para que o Tribunal de Contas do Estado se adeque aos limites previstos no art. 20 da LRF.

12. Antes de mais nada, esclareça-se que, embora a redação sugerida para o §7º ao art. 20 da Lei Complementar nº 101/2000 se proponha a “reincorporar” percentual de limite de pessoal “ao poder original”, supostamente o Poder Executivo, esta medida não se trata de “reincorporação”, vez que tal percentual de limite legal não pertencia a referido Poder ou a outro, tendo sido, em verdade, destinado pela própria Lei de Responsabilidade Fiscal, há 20 anos, ao amparo da despesa com pessoal do Tribunal de Contas dos Municípios (TCM), por meio do art. 20, §7º, estabelecendo configuração diferenciada de limites de pessoal para os estados que continham 2 (dois) Tribunais de Contas à época. O que se tenta no referido PLP, portanto, é absorver, e não reincorporar o limite, pelo Poder Executivo.

13. Atualmente, a LRF não apresenta norma que trate dos limites de despesa com pessoal na hipótese de o Tribunal de Contas do Estado absorver o pessoal do Tribunal de Contas dos Municípios, como ocorreu com o Estado do Ceará. Não por outra razão, o Estado do Ceará, ao extinguir o TCM-CE, previu expressamente, no exercício de sua competência legislativa suplementar (art. 24, I, II e §2° da CF/88), que o TCE-CE disporia da soma dos limites de ambas as Cortes (art. 8º, parágrafo único da emenda à Constituição Estadual n° 92/2017), norma apreciada e considerada constitucional pelo Supremo Tribunal Federal, no âmbito da Ação Direta de Inconstitucionalidade n° 5763 [1].

14. No enfrentamento de tal questão pelo Tribunal de Contas do Estado, pela Assembleia Legislativa e pelo Poder Executivo cearenses, fora formulada consulta a especialistas, de cujo parecer técnico-jurídico [2] se extraem os seguintes excertos:

 

Os Estados da Bahia, Ceará, Goiás e Pará possuem um padrão de despesa com pessoal completamente diverso, o que exige a configuração de limites e repartições diferenciadas, tal como estabeleceu o Congresso Nacional de forma equilibrada e proporcional ao editar a LRF em 2000.
(...)
Tal limite expressa o parâmetro de índole constitucional (artigo 169) previsto não apenas para limitar o gasto de despesas dessa natureza, mas também com a finalidade de conferir segurança jurídica ao ‘pacto’ intergeracional solenizado entre o Estado e os seus servidores, do qual sobressaem os reflexos sobre a geração de despesas obrigatórias de caráter continuado pelos Poderes e órgãos com poder de autogoverno.

15. Entretanto, na contramão da solução empregada no Estado do Ceará, o PLP nº 149/2019 apresenta proposta na qual o Tribunal de Contas do Estado do Ceará e a Assembleia Legislativa do Ceará terão o prazo de até 8 (oito) anos para se enquadrar nos limites previstos no art. 20 da LRF, limites estes que foram estabelecidos para os Estados que não contemplam – e nem nunca contemplaram – Tribunal de Contas dos Municípios.

16. Nessa toada, o prazo de 8 (oito) anos é desprovido de razoabilidade e proporcionalidade para que o Tribunal de Contas do Estado possa se ajustar a um novo limite imposto, posto tratar-se de hipótese em que há a incorporação do quadro de pessoal do tribunal extinto, o que inclui agentes públicos vitalícios e estáveis, que continuarão sendo computados para fins de limite de pessoal da instituição, mesmo quando passarem para a inatividade, bem como seus dependentes, quando da instituição de pensões. É clarividente, assim, que, no concreto caso da Corte de Contas cearense, que será diretamente afetada pela proposta ora em análise, ainda que esta emane todos os esforços com vistas a reduzir suas despesas com pessoal, não se mostra possível a redução aos limites legais no curto prazo de 8 anos.

17. Assim, o § 7º do artigo 20 que se intenta inserir na LRF, por meio do art. 15 do PLP n°149/2019, é desprovido de lógica fiscal e culmina em uma imposição de ônus desproporcional ao Poder Legislativo e ao Tribunal de Contas incorporador, que precisam dispor de meios fiscais para honrar com as despesas obrigatórias de caráter continuado do quadro de Auditores de Controle Externo, Conselheiros, Conselheiros Substitutos, Procuradores do Ministério Público de Contas e demais servidores, com vistas ao regular exercício das competências constitucionais de controle externo absorvidas, em um cenário fiscal de despesa com pessoal que não sofre alterações substanciais em 8 anos, mas depende de uma avaliação atuarial, sob pena de levar à necessidade de aplicação das gravosas medidas excepcionais dispostas no art. 169, §3º da CF/88 e nos arts. 22 e 23 da LRF.

18. A edição da Lei Complementar nº 101/2000 buscou justamente a indução de gastos públicos com responsabilidade e equilíbrio, de modo que é imperiosa a previsão de norma apta a franquear aos entes e poderes segurança jurídica, com planejamento adequado e coerente com o contexto enfrentado. Ademais, todos os atos do Poder Público, inclusive os atos legislativos, devem observar os princípios da razoabilidade, cujo descumprimento viola a própria legalidade do ato. Nesse sentido, explana Alexandre Mazza [3] que:

 

Sob a vigência do Estado de Direito não se pode admitir a utilização de prerrogativas públicas sem moderação e racionalidade. A própria noção de competência implica a existência de limites e restrições sobre o modo como as tarefas públicas devem ser desempenhadas.
O princípio da razoabilidade se evidencia nos limites do que pode, ou não, ser considerado aceitável, e sua inobservância resulta em vício do ato administrativo.
Comportamentos imoderados, abusivos, irracionais, desequilibrados, inadequados, desmedidos, incoerentes, desarrazoados ou inaceitáveis à luz do bom-senso não são compatíveis com o interesse público, pois geram a possibilidade de invalidação judicial ou administrativa do ato deles resultante.

19. Diante disso, a lei deve considerar que a extinção de Tribunal de Contas dos Municípios, ocorrida no Estado do Ceará, é atípica e que, por essa razão, necessita de regras excepcionais, pois não se pode conceber regras demasiadamente rígidas para situações anormais. Outrossim, não se pode olvidar que a ausência de flexibilização eficaz para o Tribunal de Contas, nesse caso, acarretará prejuízos diretos ao controle externo e, consequentemente, à própria sociedade, na medida em que fragiliza a atuação dessa Corte, essencial para a fiscalização das contas governamentais e o combate à corrupção.

20. Isso porque não se trata apenas de assunção de servidores de outra instituição e seu consequente aumento de despesas de pessoal. Para além de questões financeiras e fiscais, trata-se, sobretudo, de assunção das competências constitucionais do tribunal extinto, as quais configuram funções essenciais do Estado. Por tais razões é que a inserção no Projeto de Lei Complementar não se mostra adequada, razoável, justa e proporcional, vez que, além de versar sobre matéria estranha ao Plano Mansueto, acarreta grave insegurança jurídica.

21. Diante disso, pugna-se pela supressão do § 7º do art. 20 da LRF, proposto no art. 15 do PLP nº 149/2019, mantendo-se a solução já empregada pelo Estado do Ceará, no exercício de sua autonomia e competência suplementar.

-IV-
CONCLUSÃO

22. Diante do exposto, ao tempo em que enaltecemos a iniciativa para fortalecer os postulados da publicidade, transparência e do controle, e considerando que a razoabilidade, a proporcionalidade e a segurança jurídica devem ser propulsoras do processo legislativo, em conformidade com o arcabouço jurídico vigente, a ATRICON, a AUDICON, a AMPCON, a ANTC, a ABRACOM, o CNPTC e o CNPGC apresentam as ponderações ao norte citadas, visando contribuir para os importantes e necessários debates em torno do PLP nº 149/2019, com a sugestão de supressão do § 7º, art. 20 da LC nº 101/2000, do art. 15 do referido projeto.


Fábio Túlio Filgueiras Nogueira
Presidente da ATRICON

Ivan Lelis Bonilha
Presidente do Instituto Rui Barbosa - IRB

Marcos Bemquerer Costa
Presidente da AUDICON

Stephenson Oliveira Victer
Presidente da AMPCON

Joaquim Alves de Castro Neto
Presidente do CNPTC

Francisco José Gominho Rosa
Presidente da ANTC

Germana Galvão Cavalcanti Laurean
Presidente do CNPGC

Thiers Vianna Montebello
Presidente da ABRACOM


NOTA TÉCNICA CONJUNTA/2020.


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[1] Na ADI 5763, ajuizada contra a Emenda nº 92/2017 à Constituição do Estado do Ceará, o STF assentou a constitucionalidade da referida Emenda ao declarar improcedente o pedido. Desta feita, a previsão do art. 8º, parágrafo único da Emenda, que atribuiu ao TCE-CE a soma dos limites de despesa com pessoal para ambas as Cortes de Contas, foi julgada constitucional.

[2] PEREIRA, Lucieni; MOURA, Aline. 2018. Parecer técnico-jurídico acerca do Limite de Pessoal em caso de extinção de TCMs.

[3] MAZZA, Alexandre. Manual de direito administrativo. 9. ed. – São Paulo: Saraiva Educação, 2019, p. 151.

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Fonte: Comunicação ANTC.

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