A pandemia causada pela disseminação do coronavírus acarretou uma das maiores crises por que todos os povos já enfrentaram. Milhares de pessoas serão infectadas pelo coronavirus e, infelizmente, muitos morrerão.
A Auditoria de Controle Externo federal, seja no âmbito do Tribunal de Contas da União, seja por meio das ações da AUD-TCU, demonstra-se plenamente consciente da gravidade e da excepcionalidade do momento e não fugirá de suas responsabilidades, tampouco deixará de dar sua cota de sacrifício para que a sociedade brasileira possa enfrentar e vencer essa grande crise.
Consciente da gravidade da pandemia e atendendo a pedido feito pela AUD-TCU, a Presidência do TCU editou as Portarias nº 59 e 62, de março de 2020, para estabelecer medidas de caráter temporário para a mitigação dos riscos decorrentes da doença causada pelo novo coronavírus (Covid-19) no âmbito da Corte de Contas, determinando um regime extraordinário de trabalho de modo remoto (teletrabalho). O TCU passou a adotar a forma remota de deliberação nas sessões plenárias, mediante Plenário Virtual. É importante deixar isso muito claro.
Esse esclarecimento é importante, porque alguns começam agora a defender que o serviço público deveria ser penalizado com corte de remuneração, uma vez que não funcionaria nesse período de crise. A afirmação é permeada de falácias e equívocos.
Mais do que nunca, a sociedade brasileira precisará de um serviço público forte e que continue a trabalhar de forma ininterrupta. Será o setor público que garantirá a defesa da sociedade, a manutenção da ordem e que aplicará as medidas excepcionais que se fizerem necessárias para impedir a propagação da doença e salvar vidas. E o controle externo tem papel fundamental, no sentido de sinalizar para os gestores os caminhos que poderão seguir com segurança jurídica e com maior eficiência.
A AUD-TCU tem convidado vários Auditores de Controle Externo para participarem de vários Grupos nacionais e internacionais constituídos para pensar alternativas voltadas para o enfrentamento da crise sanitária. A Diretoria da entidade também tem atuado prontamente no atendimento das demandas dos Congressistas, que solicitam colaboração na formulação de propostas legislativas para flexibilizar ou adaptar a legislação aplicável durante a calamidade pública.
Também dirigentes da AUD-TCU integram um Grupo Virtual com a Procuradoria-Geral da República e convidados do próprio TCU instituído para pensar soluções tecnológicas que visem otimizar o processo de tomada de decisão por parte dos gestores nas aquisições públicas, o que pode ser futuramente aproveitado para outras áreas da gestão pública.
É certo que o estado excepcional que estamos vivendo autoriza a adoção de medidas extraordinárias com base na supremacia do interesse público e a AUD-TCU e a Administração do TCU têm demonstrado essa consciência. Por outro lado, também é certo que toda e qualquer atuação estatal deverá ser feita dentro das fronteiras constitucionais.
A AUD-TCU, por esse motivo, é totalmente contrária a qualquer medida que, a pretexto de enfrentamento da crise sanitária, mais uma vez, jogue nas costas do servidor público a responsabilidade pelos problemas fiscais do país. O sacrifício é necessário, porém, tem de ser feito por todos os cidadãos brasileiros, pois a saúde é direito de todos e deve ser financiada por toda sociedade por previsão constitucional (arts. 194-195).
Em momentos como este, o Estado precisa adotar medidas que preservem a vida dos brasileiros e que permitam a retomada da economia e do crescimento econômico quando a crise sanitária for resolvida. A Diretoria da AUD-TCU tem trabalhado incansavelmente para isso.
Falar em confisco de 26% a 50% da remuneração bruta do servidor público, alíquotas confiscatórias que se somarão aos 16,7% de contribuição previdenciária e aos 27,5% de imposto de renda (sem atualização da tabela de deduções), além de atentar contra o princípio da não-confiscatoriedade, não enfrenta o problema com fidelidade, pois calamidade pública e guerra são situações para as quais o constituinte originários previu empréstimo compulsório, não confisco de salário de servidor público.
A AUD-TCU, por dever estatutário, não pode aceitar que, em um momento de crise como esta, alterações constitucionais sejam feitas sem que o Congresso Nacional esteja reunido de forma regular, com suas portas abertas para a participação popular, sem funcionamento das comissões, sem os pressupostos fundamentais da política.
Diante dos riscos em curso, a AUD-TCU provocou o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, enfatizando o importante papel da entidade como porta-voz da cidadania, além de fomentar o debate sobre o tema no Congresso Nacional, alertando para os riscos de reformar a Constituição da República em momento muito mais perturbador do que as intervenções federais no Rio de Janeiro e Roraima, que suspenderam a necessária reforma da previdência em 2018.
Esta entidade associativa compreende que medidas emergenciais podem e devem ser aprovadas pelo Congresso Nacional e a AUD-TCU não tem se furtado a colaborar nesse sentido. O mecanismo de reunião virtual, entretanto, não pode ser utilizado para alterar a Constituição da República, base do Estado Democrático.
Na manhã de hoje, a Diretoria da AUD-TCU enviou Ofício à Presidente da Comissão de Constituição e Justiça do Senado Federal, por meio do qual louvou sua declaração aos demais Senadores no sentido de afirmar que o mecanismo das votações e reuniões virtuais não seria utilizado para discutir ou aprovar propostas de emendas constitucionais, dentre as quais a PEC 186/2019 (Emergencial), que igualmente prevê confisco de salário em razão do descumprimento da regra de ouro, cujo montante exigiu autorização específica do Congresso Nacional de R$ 248 bilhões em 2019, não sendo plausível juridicamente e possível economicamente enfrentar as causas desse desequilíbrio com confisco remuneratório.
O momento é bastante difícil e será superado. Os Auditores de Controle Externo do TCU permanecem comprometidos com o exercício do controle externo e têm consciência de seu importante papel na defesa da eficiência das políticas públicas que precisam ser disponibilizadas aos cidadãos e na preservação das contas públicas, sem perder de vista a resiliência humana, a solidariedade e a compaixão neste momento de desafio não apenas para a administração pública, mas para toda humanidade.
Acreditamos nos aprendizados que esta crise proporcionará a todos e na capacidade do Estado Brasileiro enfrentar e superar as adversidades desta pandemia.
Brasília, 3 de abril de 2020.
LUCIENI PEREIRA
Presidente da AUD-TCU
Fonte: AUD-TCU.