AUDITORES DE CONTROLE EXTERNO PUBLICAM ARTIGO SOBRE PODER GERAL DE CAUTELA NO PORTAL JOTA

Os auditores de controle externo Nivaldo Dias, vice-presidente da AudTCU, Ismar Viana, vice-presidente da ANTC, e Rafael Martins escreveram um artigo conjunto publicado no portal Jota, um dos principais do país relacionado a assuntos jurídicos, sobre "O poder geral de cautela do TCU e as contracautelas interpretativas".

Os autores analisam a Constituição da República Federativa do Brasil, especialmente os incisos IX e X do artigo 71, que autorizam o exercício do poder cautelar, mesmo sem a oitiva prévia do gestor.

Esse entendimento, esclarecem, é consolidado pelo STF desde o MS 24510 – Plenário, de 2013, que reconheceu que os Tribunais de Contas do Brasil têm legitimidade para a expedição de medidas cautelares para prevenir lesão ao erário e garantir a efetividade de suas decisões.

Confira o artigo na íntegra:

O poder geral de cautela do TCU e as contracautelas interpretativas

Os incisos IX e X do artigo 71 da CRFB/88 autorizam o exercício do poder cautelar, mesmo sem a oitiva prévia do gestor

NIVALDO DIAS
ISMAR VIANA
RAFAEL MARTINS


Tribunal de Contas da União / Crédito: Reprodução Flickr TCU

Um assunto tão recorrente quanto relevante gira em torno do poder geral de cautela conferido pela Constituição Federal aos Tribunais de Contas do Brasil. Tratando dessa matéria, alguns autores manifestam entendimento no sentido de que os Tribunais de Contas, ao “sustarem” (suspenderem) o curso de um certame licitatório fundamentando a suspensão em ofensas a legalidade – ainda que seja em juízo de cognição sumária, não exauriente, antes da abertura do contraditório – vão de encontro ao que fora efetivamente intencionado pelo Legislador Constituinte originário, que não teria outorgado aos Tribunais de Contas a competência para a expedição de medidas cautelares sem a oitiva prévia do gestor.

Tal construção seria decorrente de uma leitura conjugada e delimitada pelos incisos IX e X do artigo 71 da CRFB/88, deixando-se de considerar o texto dos incisos I, II e III, além da Teoria dos Poderes Implícitos, albergada pela doutrina e jurisprudência pátria.

Não obstante a envergadura dos autores que defendem esse entendimento, necessário se faz esclarecer que as decisões dos Tribunais de Contas, em sede de medida cautelar, não tratam da “anulação” do ato, até porque o texto do inciso X não abre margem para tanto, dispondo que aos Tribunais de Contas cabem “sustar a execução do ato impugnado”.

É digno de nota que as competências constitucionais conferidas ao Tribunal de Contas da União pressupõem o poder geral de cautela daquele órgão com base na Teoria dos Poderes Implícitos, o que se extrai dos incisos I, II e III do artigo 71 da Constituição. Esse é o entendimento consolidado pelo STF, inaugurado no MS 24510 – Plenário, em 2013, que reconheceu que os Tribunais de Contas do Brasil têm legitimidade para a expedição de medidas cautelares para prevenir lesão ao erário e garantir a efetividade de suas decisões. [1]

Na mesma linha estão as decisões extraídas do MS 34.446 MC, Rel. Min. Rosa Weber; no MS 34.292 MC, Rel. Min. Edson Fachin; MS 34.291 MC, Rel. Min. Edson Fachin; MS 30.924, Rel. Min. Luiz Fux e MS 26.547 MC, Rel. Min. Celso de Mello.

Em recente artigo publicado pelo Professor Eduardo Jordão, no JOTA [2], o autor trata da “sustação dos efeitos”, embora a leitura do texto constitucional deixe claro que ao TCU cabe a “sustação da execução”, o que alcança os efeitos já produzidos e obsta a produção de novos efeitos, diferentemente do que ocorre com os contratos, cuja providência deve ser adotada diretamente pelo Congresso Nacional.

O aludido autor defende, ainda, que o poder geral de cautela do TCU decorre de interpretação conjugada dos incisos IX e X do art. 71 da CRFB/88, pelo que entende não poder o TCU determinar a suspensão da execução do ato sem que antes tenha sido assinalado prazo para a correção da ilegalidade. Ou seja, defende que, só após o esgotamento do prazo assinado, poderia o TCU “determinar algo”.

A vingar esse entendimento, restaria inviabilizada a expedição de medida cautelar “Inaudita altera pars”, por exemplo, visto que a sustação do ato estaria condicionada a assinalação de prazo, sempre, imprestabilizando, assim, a missão dos Tribunais de Contas de evitarem a ocorrência do dano ao erário e não apenas de responsabilizarem gestores públicos pela prática de atos irregulares. Na prática, signijcaria privar o Controle Externo de sua ferramenta mais ejcaz para o cumprimento de parte da sua missão constitucional, qual seja, prevenir o dano ao erário ancorando-se no que é disciplinado nos incisos I, II e III do artigo 71 da Carta Magna.

Ocorre que o próprio texto constitucional, no inciso IX do art. 71, não positiva nada acerca dos limites temporais da medida em questão, deixando em aberto “qual seria o prazo”. Tal fato abre espaço para que o TCU, em sede de cautelar, determine a suspensão da execução do ato. Isso, contudo, não atinge os efeitos eventualmente já produzidos, postergando essa providência para a análise de mérito. Mais ainda, não se impede que a Corte de Contas determine a suspensão da execução do ato e os efeitos por ele já produzidos, se verijcar que a manifesta ilegalidade gere dano ao erário. À guisa de exemplo, cite-se a concessão de benefícios funcionais com base em leis lagrantemente inconstitucionais.

Assim, “o assinar prazo para que o órgão ou entidade adote as providências necessárias ao exato cumprimento da lei” pode coincidir com a providência de suspender os efeitos do ato, imediatamente após a ciência (esse seria o prazo). Tal entendimento amolda-se justamente aos casos em que a inexistência de lei impeça que o ato seja praticado ou nos cenários em que tenha sido ele praticado em descompasso com o texto legal, não havendo, assim, margem alguma para correção, para convalidação, ou mesmo para a adoção de providências que possam eventualmente restaurar a legalidade sem a necessidade de sustação, demandando a comunicação à Câmara dos Deputados e ao Senado Federal, por outro lado, apenas nas hipóteses de insurgência.

Não por outra razão, tem sido comum a adoção de providências das unidades gestoras no sentido de “revogar” o ato, em vez de “anular”, quando são cientijcadas das decisões cautelares, com o intuito de induzir a perda de objeto de representações em trâmite no TCU, postura repelida pelo órgão de Controle Externo, que, nesses casos, tem seguindo com a instrução processual, até para examinar o mérito e concluir sobre a eventual necessidade de responsabilização do gestor pelos atos irregulares examinados. (Acórdão TCU 828/2018 Plenário, Acórdão TCU 1744/2018 Plenário).

Nesse sentido, a invocação encapsulada dos incisos IX e X do art. 71 como sendo a via a partir da qual o Constituinte teria conferido o poder cautelar aos Tribunais de Contas, criando um óbice ao exercício desse poder sem a oitiva prévia do gestor, lança luz numa outra rota de interpretação, a qual se mostra em sentido diametralmente oposto, eis que que, na verdade, os ditos incisos autorizam o exercício do poder cautelar, mesmo sem a oitiva prévia do gestor.

De mais a mais, em tempos de um descortinar explícito da corrupção, temse uma oportunidade única de cristalizar os entendimentos atinentes a Teoria dos Poderes Implícitos, dentro de um arranjo que permita às Cortes de Contas uma atuação otimizada, pois que também tempestiva. Ou, como diria o autor de Os Miseráveis: “nada é mais poderoso do que uma ideia que chegou no tempo certo”.

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[1] MS 24510, Relator(a): Min. ELLEN GRACIE, Tribunal Pleno, julgado em 19/11/2003, DJ 19-03-2004 PP-00018 EMENT VOL-02144-02 PP00491 RTJ VOL-00191-03 PP-00956.

[2] https://www.jota.info/paywall?redirect_to=//www.jota.info/opiniao-e-analise/colunas/controle-publico/quanto-e-qual-poder-de-cautela-para-o-tcu-02012020

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Fonte: www.jota.info.

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