ALERTA AOS AUDITORES DE CONTROLE EXTERNO

O Tribunal de Contas da União decidirá, na sessão plenária desta quarta-feira (25/9), se funcionários públicos federais podem permanecer nos cargos públicos mesmo que tenham omitido certidões criminais e ficha de antecedentes da Polícia Federal exigidas expressamente no edital do concurso público para investigação social e avaliação da vida pregressa dos candidatos.

A discussão ocorrerá no processo de controle externo (TC nº 021.125/2014-7 – Atos de Admissão de Pessoal) que apreciará o registro do ato de posse de Auditor de Controle Externo que não apresentou, conforme concluiu a Corregedoria do TCU em processo administrativo, a certidão criminal da Justiça de Cáceres-MT e da Polícia Federal em Mato Grosso. O candidato ingressou no cargo de Auditor do TCU (em abril de 2014) mesmo figurando na condição de réu, desde abril de 2009, em ação penal por prática de peculato, devido à acusação de fazer compras pessoais para ele e sua companheira, mediante uso de dados de cartão de crédito de clientes do Banco do Brasil.

As aquisições, segundo divulgou o G1, teriam sido feitas pela internet entre dezembro de 2008 e fevereiro de 2009 – época em que era funcionário do banco em Cáceres, interior de Mato Grosso. Em meio aos itens adquiridos estão passagens de avião, ingresso para evento, máquina de lavar, geladeira, televisão e aparelho de ar-condicionado. De acordo com a denúncia, entre as vítimas estavam um Agente da Polícia Federal, uma servidora do Tribunal Regional do Trabalho e uma Advogada. O episódio foi investigado pela própria Polícia Federal, que fez as diligências e indiciou o acusado, posteriormente denunciado formalmente pelo Ministério Público de Mato Grosso, cuja ação tramitou na Vara Criminal de Cáceres-MT até 2017, quando prescreveu apenas por decurso de prazo reduzido, sem apreciação do mérito.

A investigação da Corregedoria do TCU, que se iniciou em 2017 a partir de Representação da ANTC e da AUD-TCU que levou denúncia anônima sobre o fato, relata as circunstâncias em que o servidor - à época réu - ingressou na Caixa Econômica Federal em Goiás, quando deixou o Banco do Brasil em 2009. No documento, ao qual a ANTC e a AUD-TCU tiveram acesso, também não consta que o servidor tenha apresentado à Caixa em 2009 certidões criminais da Justiça Estadual de Mato Grosso e da Polícia Federal no mesmo Estado, onde já tramitava a ação penal e constava a conclusão de investigação com indiciamento do então acusado por crime de peculato, respectivamente.

Se a omissão for confirmada, poderá ser configurada hipótese de reincidência da conduta de sonegar certidão criminal de Mato Grosso e ficha de antecedentes da Polícia Federal, peças essenciais para a administração pública proceder a investigação social e a sindicância sobre a vida pregressa de candidatos a cargos e empregos público de maior relevância, em especial daqueles cujas atividades tocam no patrimônio e em direitos subjetivos dos jurisdicionados.

A inquietação de Auditores de Controle Externo, que nesta semana procuraram e cobraram uma posição da Associação Nacional dos Auditores de Controle Externo (ANTC) e a AUD-TCU, tem fundamento na jurisprudência consolidada pelo Poder Judiciário.

O Superior Tribunal de Justiça (STJ), por exemplo, tem entendimento pacífico no sentido de que a omissão de informações na fase de investigação social ou de sindicância da vida pregressa, em desatenção ao edital do concurso público, é suficiente para eliminar o candidato do concurso (RMS nº 43.172). Para o Supremo Tribunal Federal (STF), a previsão da não-culpabilidade não impede que se tome como prova de maus antecedentes do acusado pendência contra ele de inquéritos policiais e ações penais: “inquéritos e ações penais em curso podem ser considerados maus antecedentes, para todos os efeitos legais” (HC 84.088/MS, HC 70871 RJ; HC 72370 SP; HC 73.394 SP (rel. Min. MOREIRA ALVES).

No mesmo sentido, o TRF da 5ª Região tem entendimento de que são “fatos que afetam o procedimento irrepreensível e a idoneidade moral inatacável: i - estar indiciado em inquérito policial ou respondendo a ação penal ou a procedimento administrativo”. O TRF também entende que, demonstrada, “na investigação social do candidato, a existência de inquérito e ação penal ajuizada contra ele, legal a sua exclusão do certame”, sendo “irrelevante a circunstância de o candidato não ter sido citado ou intimado do inquérito e das ações que existem contra ele” (TRF-5 - Agravo de Instrumento AGTR 49959 RN 0017042-81.2003.4.05.0000).

Para o Juiz da 1ª Vara de Fazenda Pública de Santa Catarina, até mesmo “para se ocupar a função de estagiário (sem qualquer demérito ao cargo) são exigidos uma série de documentos a fim da administração se precaver acerca da boa-fé e moralidade do interessado” (na Ação Popular nº 0322615-08.2014.8.24.0023).

Assim sendo, a decisão que TCU o vier a firmar na sessão plenária desta quarta-feira, por se tratar de ato de registro de pessoal, constituirá precedente na esfera de controle externo, com potencial elevado de efeito multiplicador em todo serviço público federal, quiçá nacional, uma vez que o TCU é referência para os demais Tribunais de Contas.

Caso a decisão que vier a ser proferida for no sentido de ignorar a omissão de requisitos editalícios, inclusive daqueles fundamentais para a etapa de investigação social e sindicância da vida pregressa dos candidatos a cargos de maior envergadura, a administração pública federal ficará completamente desprotegida, sendo obrigada a acolher em seus quadros permanentes, sem os devidos cuidados, todo tipo de réu em ação penal, não apenas por peculato, mas também por corrupção passiva ou ativa, dentre outros crimes que atentam contra a administração pública.

Num cenário como esse, carreiras relevantes tais como as de Auditor, Delegado de Polícia, Agente de Polícia, Procurador, Magistrado, etc, seriam substancialmente afetadas, sujeitando os contribuintes-cidadãos a um ambiente de precarização de carreiras incumbidas do exercício de atividades exclusivas de Estado que não se coaduna com o Referencial de Combate à Fraude e Corrupção formulado pelo próprio TCU, que traduz com bastante objetividade a imprescindibilidade da gestão da ética e integridade, merecendo destaque a seguinte passagem:

“P1 – Gestão da ética e integridade Se a prevenção é o mecanismo mais eficaz no combate à fraude e corrupção, a gestão da ética e integridade é o seu componente imprescindível2. A gestão da ética e integridade é a fundação para a gestão das demais atividades da organização. Se omissa ou falha, manchará a gestão, e qualquer atividade pode levantar dúvidas quanto à legitimidade, probidade e motivação dos seus atos. Sem essa confiança de que a gestão está sendo feita pelos motivos certos, servidores e partes interessadas podem se questionar se vale a pena manter os seus valores e passar a assumir comportamento reprovável, levando a organização a uma espiral decadente.”

A ANTC e a AUD-TCU não acreditam que os Ministros do TCU, conscientes da missão constitucional da instituição de guardiã das portas do serviço público, permitirão que as instituições do Estado sejam tomadas por quem, na data da posse, não ostente, à luz da ficha de antecedentes, comprometimento em preservá-las.

Não se desconhece a existência de jurisprudência no sentido de que o candidato indiciado em inquérito policial ou réu em ação penal não pode ser eliminado do concurso público com base nessas circunstâncias. Decisões nesse sentido, todavia, podem se justificar quando se trata de cargos públicos de menor envergadura, a depender da natureza, de menor complexidade e responsabilidade das atribuições. Não se aplica, por certo, a cargos efetivos cujas atribuições congregam atividades exclusivas de Estado para as quais o art. 247 da Constituição da República prevê garantias especiais.

Para assegurar a confiança dos cidadãos nas instituições de controle, o Ministro Ari Pargendler do STJ negou provimento ao recurso ordinário de candidato ao cargo de Delegado de Polícia processado criminalmente pelos crimes de quadrilha e de corrupção ativa, mesmo sem decisão transitada em julgado (RMS nº 43.172).

Permitir que Auditores de Controle Externo, Auditores do Fisco, Procuradores, Advogados Públicos, Magistrados, Delegados, Agentes de Polícia, dentre outros agentes investidos em cargos da mais elevada envergadura para o exercício de atividades exclusivas de Estado, possam exercê-los enquanto figuram na condição de réus em ação penal ou, pior, apesar de omitirem informações essenciais para investigação social ou a sindicância da vida pregressa, comprometeria a credibilidade da mais Alta Corte de Contas perante a opinião pública, os jurisdicionados e mais de 8,5 mil Auditores de Controle Externo do Brasil, além de desprover a administração pública de instrumentos fundamentais para que possa se precaver acerca da boa-fé e moralidade dos candidatos, o que o Poder Judiciário não admite nem mesmo para o exercício da função de estagiário. A ANTC e a AUD-TCU seguem acreditando que o TCU também não permitirá.

Brasília, 25 de setembro de 2019.

DIRETORIA DA AUD-TCU

DIRETORIA DA ANTC


Fonte: Comunicação ANTC.

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