1. O Tribunal de Contas do Estado do Amazonas apresentou à Assembleia Legislativa do Estado Projeto de Lei Ordinária nº 201 de 2018, que regula o plano de cargos, carreiras e remunerações, consolidando suas normas de pessoal e dá outras providências. Em razão disso, a Associação Nacional dos Auditores de Controle Externo (ANTC), entidade sem fins econômicos e de caráter homogêneo, representativa exclusivamente dos ocupantes de cargos de provimento efetivo de Auditor de Controle Externo dos 33 Tribunais de Contas do Brasil, assim como as respectivas associações locais que integram o Conselho de Representantes da ANTC na condição de Membros Institucionais, inscrita no CNPJ sob o nº 16.812.795/0001-72, com sede no Setor Comercial Norte, Quadra 4, Bloco B, Número 100, Sala 1201, Parte M13, Edifício Centro Empresarial Varig, Asa Norte, Brasília, CEP 70.714-900, vem a público se manifestar contra o conteúdo do sobredito Projeto de Lei, que busca viabilizar a investidura, em cargo de Auditor de Controle Externo, de servidores que não ingressaram por meio de concurso público específico para o desempenho das atribuições finalísticas de controle externo, criar cargos comissionados com potencial efeito de ultrapassar o limite de gastos com pessoal legalmente permitido, e criar condições para que cargos de complexidade e responsabilidade de nível intermediário sejam transformados em cargos efetivos que congregam as atribuições finalísticas da função de controle externo prevista no artigo 71 da Constituição da República.
2. A matéria, de relevo, insere-se na competência da ANTC, tendo em vista seus fundamentos e objetivos fundamentais estatutários1 de zelar pela identidade nacional e pugnar para que a denominação “Auditor de Controle Externo” seja de uso exclusivo do cargo efetivo que congregue, especificamente, as atribuições finalísticas referentes à titularidade das atividades de planejamento, coordenação e execução de auditorias, inspeções, instruções processuais e demais procedimentos fiscalizatórios na esfera de controle externo para fins de cumprimento da missão institucional de que trata o artigo 71 da Carta Política.
3. A situação é gravíssima e merece a manifestação de repúdio de todos os Auditores de Controle Externo do Brasil, sobretudo porque o TCE/AM, órgão incumbido constitucionalmente de exercer o controle externo da Administração Pública amazonense, não pode agir transgredindo o texto da Constituição Federal, da Lei de Responsabilidade Fiscal e de Leis do Regime Próprio de Previdência, criando condições para que tais práticas sejam reproduzidas pelas próprias unidades jurisdicionadas.
4. O Projeto de Lei, que está sob apreciação da Assembleia Legislativa do Estado do Amazonas, altera substancialmente a descrição das atribuições e a nomenclatura de cargos já existentes no Tribunal de Contas, o de Analista Técnico de Controle Externo – Tecnologia da Informação e o de Analista Técnico de Controle Externo – Ministério Público de Contas. A alteração modificou a nomenclatura de ambos os cargos para Auditor Técnico de Controle Externo, acrescentando ao rol de atribuições a função de realizar auditorias, quando a essência dos cargos, para os quais os servidores fizeram concurso público, tratam, respectivamente, de atividade meio, na área de informática e de assessoramento aos Procuradores de Contas.
5. Em razão dessas substanciais alterações, há inequívoca inconstitucionalidade, porque retrata uma forma de provimento derivado, por meio de transformação de cargos, absolutamente vedada pelo inciso II, do artigo 372 da Constituição Federal, entendimento já consolidado pela Súmula Vinculante 433 , que se originou da Súmula 685-STF, igualmente não observada pelo TCE/AM, ao longo do tempo, uma vez que as inobservâncias, à luz da constituição, são reiteradas quando dizem respeito a quadro próprio de pessoal do TCE/AM.
6. Conforme se verifica do anteprojeto que foi elaborado, pretende-se, com relação a todo o pessoal das Áreas Administrativas, Finalísticas e Ministerial, unificar, em uma só carreira (a de Auditor Técnico de Controle Externo), as carreiras hoje existentes de Analista Técnico de Controle Externo – Auditoria Governamental, Analista Técnico de Controle Externo – Auditoria de Obras Públicas, Analista Técnico de Controle Externo – Tecnologia da Informação e Analista Técnico de Controle Externo – Ministério Público.
7. Diante dessa proposta, imperioso levar ao conhecimento público a inconstitucionalidade do que se busca efetivar, especificamente sobre a unificação das carreiras existentes na Corte de Contas e do aproveitamento, na nova carreira, dos atuais ocupantes do cargo de Analista Técnico de Controle Externo - Tecnologia da Informação e Analista Técnico de Controle Externo - Ministério Público de Contas, modificando as atribuições originais para transformar nas atribuições das carreiras de Auditor Técnico de Controle Externo - Auditoria Governamental e Auditor Técnico de Controle Externo – Auditoria de Obras Públicas, igualando as atribuições com a nova nomenclatura de Auditor Técnico de Controle Externo.
8. Esclareça-se que, atualmente, as carreiras de Analista Técnico de Controle Externo - Auditoria Governamental; Analista Técnico de Controle Externo – Auditoria de Obras Públicas; Analista Técnico de Controle Externo - Tecnologia da Informação e Analista Técnico - Ministério Público de Contas estão disciplinadas nas Leis 3.627, de 15 de junho de 2011, e 3.857, de 23 de janeiro de 2013, que, ao dispor sobre as carreiras, definem a distinção das atribuições dos cargos de nível superior, no seu artigo 6º, incisos III e IV:
“Analista Técnico de Controle Externo - Tecnologia da Informação: Planejar, conceber, coordenar, gerenciar e participar de ações para implementação de soluções de Tecnologia da Informação, bem como prover e manter em funcionamento essa estrutura tecnológica, composta por sistemas, serviços, equipamentos e programas de informática necessários ao funcionamento do Tribunal de Contas do Estado do Amazonas, com ênfase em Tecnologia da Informação. REQUISITO: diploma, devidamente registrado, de conclusão de curso de graduação de nível superior em Tecnologia da Informação, fornecido por instituição de ensino superior reconhecida pelo Ministério da Educação (MEC)”;
“Analista Técnico de Controle Externo - Ministério Público: Desenvolver atividades de assessoria dos Procuradores de Contas, examinando legalidade, legitimidade, economicidade, eficiência e efetividade, em seus aspectos financeiro, orçamentário, contábil, patrimonial e operacional dos atos dos jurisdicionados ao Tribunal de Contas do Estado do Amazonas. REQUISITO: diploma, devidamente registrado, de conclusão de curso graduação de nível superior em Direito, fornecido por instituição de ensino superior reconhecida pelo Ministério da Educação (MEC)”.
9. Tais medidas transcendem os balizamentos legais para organização de pessoal, na medida em que a autonomia da Administração não pode conflitar com os preceitos constitucionais de arregimentação de pessoal.
10. De fato, readequações nos quadros de pessoal não são vedadas pelo ordenamento jurídico pátrio, até porque se fossem a Administração Pública ficaria impedida de fazer qualquer reestruturação de carreiras ou reclassificação de cargos. Ocorre que, para tanto, as atribuições devem ser semelhantes, os servidores devem ter sido habilitados mediante concurso público específico; deve se observar se as alterações atenderam às exigências para o respectivo provimento. Contudo, o que não pode acontecer é a junção, em uma mesma carreira, de cargos cujas atribuições são inteiramente diversas, como é proposto pelo Projeto de Lei nº 201/2018, no que se refere aos de Analista Técnico de Controle Externo - Auditoria Governamental; Analista Técnico de Controle Externo – Auditoria de Obras Públicas; Analista Técnico de Controle Externo - Tecnologia da Informação e Analista Técnico - Ministério Público de Contas, respectivamente:
‘Auditor Técnico de Controle Externo – Área de Especialidade: Tecnologia da Informação: atribuições e competências: desenvolver atividades de planejamento, coordenação e execução relativas à fiscalização e ao controle externo de arrecadação e aplicação de recursos do Estado e dos Municípios do Amazonas, bem como da administração desses recursos, examinando legalidade, legitimidade, economicidade, eficiência e efetividade, em seus aspectos financeiro, orçamentário, contábil, patrimonial e operacional dos atos daqueles jurisdicionados ao Tribunal de Contas do Estado do Amazonas, na área da tecnologia da informação; planejar, programar, organizar e executar as atividades administrativas necessárias à consecução de tais objetivos, em especial quanto à concepção, coordenação, gerenciamento e participação em ações para implementação de soluções de tecnologia da informação, bem como prover e manter em funcionamento essa estrutura tecnológica, composta por sistemas, serviços, equipamentos e programas de informática necessários ao funcionamento do Tribunal de Contas do Estado do Amazonas. REQUISITOS: diploma, devidamente registrado, de conclusão de curso de graduação de nível superior em tecnologia da informação, em todas as suas acepções, fornecido por instituição de ensino superior reconhecida pelo Ministério da Educação (MEC)’.
‘Auditor Técnico de Controle Externo – Área de Especialidade: Ministério Público de Contas: atribuições e competências: desenvolver atividades de planejamento, coordenação e execução relativas à fiscalização e ao controle externo de arrecadação e aplicação de recursos do Estado e dos Municípios do Amazonas, bem como da administração desses recursos, examinando legalidade, legitimidade, economicidade, eficiência e efetividade, em seus aspectos Financeiro, orçamentário, contábil, patrimonial e operacional dos atos daqueles jurisdicionados ao Tribunal de Contas do Estado do Amazonas, no âmbito do assessoramento dos membros do Ministério Público de Contas; planejar, programar, organizar e executar as atividades administrativas necessárias à consecução de tais objetivos. REQUISITOS: diploma, devidamente registrado, de conclusão de curso graduação de nível superior em Direito, fornecido por instituição de ensino superior reconhecida pelo Ministério da Educação (MEC)’.
11. Nesse sentido, registra-se a inviabilidade jurídico-constitucional ao inserir nessa nova carreira de controle externo os atuais integrantes das demais carreiras hoje existentes no TCE/AM, de grau de complexidade e responsabilidade de atribuições distintos.
12. A inviabilidade justifica-se diante da farta jurisprudência do Supremo Tribunal, das quais destaca-se o RE-143807/SP4, relator Ministro Sepúlveda Pertence, DJ 14.4.00, e que se consolidou com advento da Súmula Vinculante 43, em face do já citado artigo 37, inciso II, da Constituição Federal.
13. O artigo 13 do Projeto de Lei nº 201/2018, que tramita na Assembleia Legislativa do Amazonas, ao fixar as atribuições de cada nível da carreira de Auditor Técnico de Controle Externo – Auditoria Governamental e Auditor Técnico de Controle Externo – Auditoria de Obras Públicas, limita-se a distribuir as mesmas atribuições antes exercidas pelos atuais integrantes da carreira de Analista Técnico de Controle Externo – Auditoria Governamental e Analista Técnico de Controle Externo – Auditoria de Obras Públicas, adequando, tão somente, a nomenclatura, que mudou de “Analista” para “Auditor”, mantendo o mesmo grau de complexidade e responsabilidade, amoldando-se, assim, aos ditames constitucionais.
14. Diferentemente, registre-se, ocorre com as substanciais mudanças operadas na estruturação dos cargos de Analista Técnico de Controle Externo – Ministério Público e Analista Técnico de Controle Externo – Tecnologia da Informação. Isso porque, houve substancial ampliação do rol de atribuições do cargo originário, adicionando-lhes as mesmas atribuições do cargo de Analista Técnico de Controle Externo – Auditoria Governamental, quando da possibilidade da realização de fiscalização e auditorias, antes não previstas no cargo paradigma, tornando-os em “super cargos”, uma vez que acumulam atribuições de áreas distintas.
15. Sobre essa prática, doutrina e jurisprudência sinalizam no sentido de que quando a Lei local proceder à reestruturação do quadro de pessoal, decorrentes de transformação ou reclassificação de cargos, alguns requisitos devem ser obrigatoriamente observados, sob pena de se incorrer em transposição de cargos, instituto vedado pela Constituição Federal, quais sejam: a natureza, o grau de responsabilidade e a complexidade dos cargos componentes de cada carreira; os requisitos para a investidura; as peculiaridades e atribuições dos cargos; a mesma forma de ingresso.
16. Nesse mister, a transformação ou reclassificação do cargo sempre deve observar se: a forma de ingresso, as atribuições, o grau de responsabilidade e a complexidade estão reproduzidas no cargo resultante da transformação ou reclassificação.
17. Ou seja, deve haver correspondência entre o CARGO ORIGINÁRIO e o CARGO NOVO. Se forem inobservados tais requisitos, abre-se espaço ao aparecimento da transposição, instituto por meio do qual o servidor passa para o cargo de conteúdo ocupacional diverso, ou melhor, para cargo que não tem a mesma natureza de trabalho ao que ocupava originariamente, caracterizando, assim, o desvio da função, o que se afigura inconstitucional.
18. O próprio Supremo Tribunal Federal tem feito distinção entre as formas válidas de provimento e as que contrariam o artigo 37, II, da Constituição, a teor do enunciado da mencionada Súmula Vinculante n. 43 (antiga Súmula n. 685/STF)5, que ainda assim vem sendo violada.
19. Imperioso ressaltar que ao estender atribuições e competências exclusivas do cargo de Auditor Técnico de Controle Externo - Auditoria Governamental aos ocupantes dos cargos de Auditor Técnico de Controle Externo (Tecnologia da Informação e Ministério Público de Contas) outra coisa não há senão alteração substancial nas atribuições daqueles cargos, descaracterizando-se a mera reestruturação do quadro funcional e se configurando a hipótese vedada da transposição de cargos, afrontando o princípio da acessibilidade aos cargos e empregos públicos, que deve ocorrer, nesses casos, mediante prévia aprovação em concurso público (art. 37, II, CF).
20. A Constituição da República Federativa do Brasil prescreve que o controle externo compete ao Congresso Nacional, que deve ser exercido pelo Tribunal de Contas da União (TCU).
21. É preciso trazer à lume que é com a organização estatuída na Constituição que o TCU exerce as funções previstas no artigo 71 da Constituição da República, notadamente no que se refere às inspeções e auditorias, inseridas expressamente na competência exclusiva do TCU (inciso IV), a quem compete julgar as contas dos gestores (inciso II), cujas decisões de que resulte imputação de débito ou multa terão eficácia de título executivo (§ 3º).
22. Observa-se que até mesmo o titular do controle externo, por meio de qualquer das Casas Legislativas, suas Comissões técnicas ou de inquérito, deve solicitar ao TCU a realização de auditorias e inspeções de interesse da União, o que pressupõe que os agentes públicos incumbidos de tal missão devem ter livre acesso aos órgãos e entidades que gerenciem recursos públicos e competência para requerer informações, em meio físico ou eletrônico, podendo ser aplicadas sanções nas hipóteses de obstrução ao acesso a tais informações (artigo 71, inciso VIII).
23. Para tanto, o artigo 73 da Constituição confere ao Tribunal de Contas a organicidade dos Tribunais do Poder Judiciário (caput), com a extensão de todas as garantias, prerrogativas e vedações dos Ministros do Superior Tribunal de Justiça aos Magistrados de Contas (§ 3º). Nessas bases, devem os Tribunais de Contas, assim como os Tribunais do Judiciário, “elaborar seus regimentos internos, com observância das normas de processo e das garantias processuais das partes, dispondo sobre a competência e o funcionamento dos respectivos órgãos jurisdicionais e administrativos”.
24. Trata-se de garantia processual assegurada constitucionalmente aos jurisdicionados dos Tribunais de Contas (artigo 96, inciso I, alínea ‘a’) de que o Órgão de Fiscalização e Instrução, cujas atividades tocam diretamente na jurisdição por meio de auditorias, inspeções e demais procedimentos fiscalizatórios que podem acarretar severas restrições de direito, será organizado segundo pressupostos necessários para garantir a atuação de seus integrantes com independência funcional, isenção e imparcialidade, não se podendo confundir o funcionamento do Órgão de Fiscalização e Instrução do Tribunal com o funcionamento de suas unidades administrativas. Pelo princípio constitucional da simetria, o mesmo figurino deve ser observado pelos Tribunais de Contas dos Estados e dos Municípios (artigo 75).
25. Tendo em vista essa organicidade dos Tribunais do Poder Judiciário, o constituinte dispôs, no Capítulo ‘Das Funções Essenciais à Justiça’, em seção específica (Seção I), sobre o Ministério Público junto aos Tribunais de Contas, cujos membros são regidos pelas disposições não do artigo 71, mas da respectiva Seção ministerial, que congrega os artigos 127 ao 130-A.
26. Nessas bases, ao Ministério Público de Contas compete promover a defesa da ordem jurídica, requerendo perante o Tribunal de Contas as medidas de interesse da justiça, da administração e do erário. Essa é a competência definida para o Ministério Público de Contas junto ao TCU, aplicando-se, subsidiariamente, as disposições da Lei Orgânica do Ministério Público da União, conforme estabelece o artigo 84 da Lei Federal nº 8.443, de 1992. O mesmo é replicado no Tribunal de Contas do Estado do Amazonas, segundo critério do artigo 113, inciso I, da Lei Estadual 2.423, de 1996 (Lei Orgânica do TCE/AM).
27. Atualmente, o Ministério Público de Contas (MPC) junto ao TCE/AM dispõe, na organização de seu quadro de pessoal, de 10 ‘Procuradores de Contas’ e 20 ‘Analistas Técnicos de Controle Externo- Ministério Público’.
28. Esses Analistas foram concursados, especificamente, para desenvolver atividades de assessoria dos Procuradores de Contas, e não para realizar auditorias e inspeções, que, como se sabe, deve ficar a cargo do Órgão de Fiscalização e Instrução do TCE/AM. Foi escolha do Ministério Público de Contas que atua junto ao TCE dispor de um quadro específico de servidores efetivos para lhe prestar assessoramento. A partir disso, por tudo que aqui já foi dito, jamais poderiam ser investidos no cargo de auditor, por violar flagrantemente a Constituição da República via provimento indevido ao cargo de Auditor Técnico de Controle Externo.
29. Causa-nos profunda estranheza, portanto, o fato de o MPC do Amazonas não ter se insurgido contra essas aberrações jurídicas, já que tal instituição tem o dever de atuar como fiscal da lei, conforme regramento constitucional. Isso porque a inclusão inconstitucional da função de auditoria nas atribuições de seus analistas e dos analistas de Tecnologia da Informação, com atribuições originalmente típicas das atividades administrativas (área meio), retrata clara usurpação das atividades exclusivas dos auditores de controle externo, situação absolutamente sem respaldo no ordenamento jurídico pátrio.
30. Necessário se faz chamar a atenção da Assembleia Legislativa amazonense que a denominação do cargo que congrega as funções de ‘Auditor de Controle Externo’ não pode ser banalizada. Medida nesse sentido, além de reduzir o grau de transparência na gestão de pessoal da instituição, não se coaduna com o espírito de colaboração que deve pautar as relações entre as carreiras integradas pelos ‘Procuradores de Contas’, ‘Ministros e Conselheiros, titulares e substitutos’, e ‘Auditores de Controle Externo’, cada qual com seu papel essencial e relevante para o bom desempenho do controle externo.
31. A banalização da nomenclatura dos cargos revela baixo grau de maturidade institucional no que tange à gestão de pessoal, pelo distanciamento do princípio da transparência, que tem os Tribunais de Contas como um dos principais guardiões.
32. No âmbito do TCE/AM, o ‘Auditor de Controle Externo’ deve traduzir, no plano interno e para toda sociedade, o agente concursado especificamente para ocupar o cargo efetivo de complexidade, responsabilidade e requisito de investidura de nível superior, para o exercício da titularidade plena das atividades exclusivas de Estado relativas ao planejamento, coordenação e execução de auditorias, inspeções, instruções processuais e demais atribuições típicas de controle externo a cargo do Órgão de Fiscalização e Instrução do TCE/AM. Essas competências são verificadas, de forma inequívoca, no rol de atribuições definidas no artigo 6º incisos I e II da Lei Estadual nº 3.857, de 2013, que, ao reverso, também, deixa bem definida as atribuições dos cargos de Analista Técnico de Controle Externo – Ministério Público e Analista Técnico de Controle Externo – Tecnologia da Informação, sem necessidade de alterações conflitantes com a Constituição.
33. Essas alterações que o Projeto de Lei nº 201/2018 busca promover deveriam ter se dado nos exatos termos da proposta apresentada pela ATRICON, no dia 30 de maio deste ano, por meio do ofício n. 303/2018, da lavra do Presidente Fábio Túlio Filgueiras Nogueira, em resposta ao ofício n. 001/18/GP, expedido pela Presidência da Câmara dos Deputados, notadamente nos itens 7 e 8 da “PROPOSTA DE INCENTIVOS À MELHORIA DA PERFORMANCE DOS AGENTES PÚBLICOS DE CONTROLE EXTERNO”, in verbis:
Fonte: Atricon
34. Como se vê, a própria ATRICON claramente reconhece que a nomenclatura NÃO pode ser utilizada para denominar cargos públicos providos por concurso público de nível superior que não seja o de fiscalização.
35. Nesse contexto, somente os agentes concursados especificamente para o cargo de ‘Analista Técnico de Controle Externo-Governamental’ e ‘Analista Técnico de Controle Externo-Obras Públicas’, ambos com atribuições para realizar auditoria, inspeção, instrução e demais atribuições típicas de controle externo, podem ser contemplados, com propriedade, pela nomenclatura de ‘Auditor de Controle Externo’.
36. Caminho não trilhado pelo referenciado Projeto de Lei, que, além de extrapolar o mandamento constitucional, diante da amplitude de atribuições para cargos de nível superior, fora da estrutura do controle externo, utilizou a nomenclatura ‘Auditor Técnico de Controle Externo’, não levando em consideração a orientação da entidade associativa, que congrega os conselheiros dos Tribunais de Contas de todo o Brasil.
37. A questão tem implicações jurídicas consideráveis, podendo ensejar o restabelecimento ilegítimo de formas de provimento derivado rechaçada pela pacífica jurisprudência do Supremo Tribunal Federal.
38. Não é demais lembrar que, ao apreciar a ADI nº 231, em 1992, o STF assentou, em julgamento de mérito6, os exatos termos de sua interpretação do artigo 37, inciso II, da Carta Magna, no tocante às formas de provimento derivado. Como exemplo da pacificação jurisprudencial7 a respeito, merece citação os Acórdãos referentes aos julgamentos das ADI nos 248, 806, 837 e 3857.
39. Em inúmeras outras decisões, o STF reafirmou a exigência constitucional do concurso público, declarando a inconstitucionalidade de leis que previam, como formas de provimento de cargo público, a transformação de cargo em outro de natureza distinta, com o traslado do seu ocupante (ADI nº 266), a ascensão (ADI nº 245-7), a transferência (ADI nº 1.329), a transposição (ADI nº 1.222), o acesso (ADI nº 951) e o aproveitamento (ADI nº 3.190).
40. Ao julgar os Mandados de Segurança nos 26.740 e 26.955, o STF reiterou o entendimento de que cargo é “um todo proindiviso. Nesse sentido, os seus componentes, portanto, dados de sua própria compostura jurídica, são a denominação, o número, um vencimento e o que a doutrina tem chamado de atribuições, enquanto plexo de funções unitárias”, sendo “necessária relação de inerência – mais do que pertinência – existente entre um cargo público e o conjunto de atribuições e responsabilidades de seu titular”.
41. Na mesma vertente, seguem as lições de Celso Antônio Bandeira de Mello, no sentido de que cargo público “é o conjunto de atribuições e responsabilidades previstas na estrutura organizacional que devem ser cometidas a um servidor” ou “as mais simples e indivisíveis unidades de competência”.
42. Como se nota, tanto a doutrina quanto a jurisprudência pacífica destacam atributos essenciais do cargo efetivo. Não pode a Corte de Contas tratar o tema com desatenção, sob pena de abalar a sua credibilidade para o exercício da fiscalização sobre a legalidade dos atos de pessoal e sobre o zelo pela transparência na gestão pública.
43. Ao ajuizar a ADI nº 5.128 contra Lei Sergipana, que, a pretexto de reestruturar o quadro de pessoal, restabeleceu formas de provimento derivado de cargo efetivo, o Procurador-Geral da República foi categórico no sentido de rechaçar tal prática. A ação foi ajuizada em atendimento ao pleito da ANTC, e conta com a manifestação favorável da Advocacia-Geral da União.
44. Outro ponto criativo e inovador constante do Projeto de Lei nº 201/2018 atine diretamente ao cargos de provimento de nível médio, cargos extintos e, a partir do PL 201/2018, objetos de recriação. É que o texto do famigerado Projeto preconiza que na medida que os ocupantes dos cargos extintos passarem para a inatividade, serão esses cargos transformados em cargo de Auditor Técnico de Controle Externo – A, atualmente, Analista Técnico de Controle Externo, nível superior, representando um total de 199 cargos, conforme demonstrado no anexo V do referido projeto. Necessário se faz relembrar o povo amazonense, que mantém a máquina pública, que 81 cargos desses estão sendo ocupados por servidores que ingressaram no serviço público a título precário – por força de contratação temporária – sem o devido concurso público.
45. Essa previsão de transformação nas condições acima mencionadas pode ser estendida pelo Tribunal de Contas, como paradigma na ocasião da aposentaria, uma vez que o cargo original estará sendo transformado, ou vir, no segundo momento, ser arguido pelo próprio servidor que estiver na condição de aposentado, ou pelos que já estão aposentados, o que causará um substancial impacto financeiro na folha de pagamento dos inativos, influenciando, também, no limite de gastos com pessoal, uma vez que essas despesas ainda ocorrem por conta do TCE/AM, em virtude de não ter aderido ao Regime de Previdência Própria do Estado do Amazonas. E, ainda que o TCE/AM venha a aderir aos RPPS/AM, não deixará de onerar o TCE/AM, e nem o RPPS/AM, em decorrência da segregação de massa, que impõe a criação de Fundo Previdenciário e de Fundo Financeiro, sendo este último reforçado com recursos próprios do Tribunal de Contas.
46. Além de todo o exposto, pretende-se, por meio do Projeto de Lei nº 201/2018, efetivar uma desarrazoada ampliação no quadro de pessoal do TCE/AM, sobretudo no provimento de cargos em comissão sem vínculo, migrando de 199 para 287 vagas. Muito embora se pretenda extinguir 63 funções de confiança, o impacto financeiro dessa ampliação será em torno de R$ 400.000,00 por mês, não incluindo nesse valor o pagamento de produtividade e auxílio alimentação, como se demonstra nos quadros abaixo:
Cargos de Provimento em Comissão e Funções de Confiança (atualmente)
Fonte: Lei nº 4.691, de 9 de novembro de 2018
Cargos de Provimento em Comissão (após a aprovação do PL)
Fonte: Anexo do Projeto de Lei Ordinária nº 201/2018
Aumento com Gastos de Pessoal após a aprovação do PL
47. Em relação aos limites de gastos com pessoal, previstos na Lei de Responsabilidade Fiscal, indaga-se se o TCE/AM goza de margem capaz de integrar os gastos excedentes sem contrariar a referida Lei, uma vez que não consta do anteprojeto de lei apresentado pelo TCE/AM a estimativa do impacto orçamentário-financeiro, conforme estabelece o art. 16 da LRF, podendo, inclusive, as despesas advindas da aprovação do PL serem consideradas não autorizadas, irregulares e lesivas ao patrimônio público, conforme preceitua o art. 15, da citada lei. Tudo isso demonstra a fragilidade do planejamento econômico-financeiro do órgão, que implica em contrariar o artigo 1º da própria LRF, sendo ainda mais preocupante por atualmente o TCE/AM ter ultrapassado o limite de alerta, conforme pode ser visualizado no Relatório de Gestão Fiscal.
48. É com espírito de colaboração que a ANTC torna pública a presente Nota Técnica, com vistas a subsidiar o debate aberto, no âmbito do Estado do Amazonas, com as lições doutrinárias e jurisprudenciais sobre a matéria, e acredita ser possível, a partir do diálogo franco e respeitoso pautado nas balizas estabelecidas pela Constituição da República, chegar ao consenso quanto às propostas em discussão para definir as denominações próprias de distintos cargos efetivos que integram o quadro permanente de pessoal do TCE/AM e do Ministério Público de Contas junto ao respectivo Tribunal.
FRANCISCO GOMINHO
Auditor de Controle Externo do Tribunal de Contas do Estado de Pernambuco
Presidente da ANTC
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1Estatuto da ANTC: “Art. 3º A ANTC tem como fundamentos: I - a identidade nacional do Auditor de Controle Externo; (...) Art. 4º Constituem objetivos fundamentais da ANTC: ... VI - pugnar para que a denominação “Auditor Federal de Controle Externo” e “Auditor de Controle Externo” sejam de uso exclusivo dos titulares de cargos com as atribuições referidas no caput do artigo 1º deste Estatuto;” Disponível em: http://www.controleexterno.org/index.php?secao=estatuto;
2A investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos, de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego, na forma prevista em lei [...];
3É inconstitucional toda modalidade de provimento que propicie ao servidor investir-se, sem prévia aprovação em concurso público destinado ao seu provimento, em cargo que não integra a carreira na qual anteriormente investido.
4São inadmissíveis quaisquer outras formas de provimento do servidor público, independentemente de concurso público, em cargo diverso daquele do qual já seja titular a qualquer título, precedida ou não a nova investidura de processo interno de seleção ou habilitação.
5O Supremo Tribunal Federal firmou o entendimento de que viola a exigência de realização de concurso público o acesso a cargo público por qualquer forma de provimento derivado, sendo que tal interpretação restou consolidada no enunciado de Súmula Vinculante 43. ARE 853.656 AgR, rel. min. Roberto Barroso, 1ª T, j. 29-3-2016, DJE 78 de 25-4-2016.
6ADI nº 231: “AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. ASCENSÃO OU ACESSO, TRANSFERÊNCIA E APROVEITAMENTO NO TOCANTE A CARGOS OU EMPREGOS PÚBLICOS.O critério do mérito aferível por concurso público de provas ou de provas e títulos é, no atual sistema constitucional, ressalvados os cargos em comissão declarados em lei de livre nomeação e exoneração, indispensável para cargo ou emprego público isolado ou em carreira. Para o isolado, em qualquer hipótese; para o em carreira, para o ingresso nela, que só se fará na classe inicial e pelo concurso público de provas ou de provas títulos, não o sendo, porém, para os cargos subsequentes que nela se escalonam até o final dela, pois, para estes, a investidura se fará pela forma de provimento que é a “promoção”. Estão, pois, banidas das formas de investidura admitidas pela Constituição a ascensão e a transferência, que são formas de ingresso em carreira diversa daquela para a qual o servidor público ingressou por concurso, e que não são, por isso mesmo, ínsitas ao sistema de provimento em carreira, ao contrário do que sucede com a promoção, sem a qual obviamente não haverá carreira, mas, sim, uma sucessão ascendente de cargos isolados. O inciso II do artigo 37 da Constituição Federal também não permite o “aproveitamento”, uma vez que, nesse caso, há igualmente o ingresso em outra carreira sem o concurso exigido pelo mencionado dispositivo”
7ADI 248 / RJ - RIO DE JANEIRO AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE Relator(a): Min. CELSO DE MELLO Julgamento: 18/11/1993 Órgão Julgador: TRIBUNAL PLENO Publicação: DJ 08-04-1994 PP-07222-EMENT VOL-01739-01 PP-00008 Parte(s) REQTE.: GOVERNADOR DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO REQDA.: ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO EMENTA: ADIN - CONSTITUIÇÃO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO (ADCT, ARTS. 69 E 74) - PROVIMENTO DERIVADO DE CARGOS PUBLICOS (TRANSFERENCIA E TRANSFORMAÇÃO DE CARGOS) - OFENSA AO POSTULADO DO CONCURSO PÚBLICO - PROCEDENCIA DA AÇÃO. - Os Estados-membros encontram-se vinculados, em face de explícita previsão constitucional (art. 37, caput), aos princípios que regem a Administração Pública, dentre os quais ressalta, como vetor condicionante da atividade estatal, a exigência de observância do postulado do concurso público (art. 37, II). A partir da Constituição de 1988, a imprescindibilidade do certame público não mais se limita a hipótese singular da primeira investidura em cargos, funções ou empregos públicos, impondo-se as pessoas estatais como regra geral de observância compulsória. - A transformação de cargos e a transferência de servidores para outros cargos ou para categorias funcionais diversas traduzem, quando desacompanhadas da prévia realização do concurso público de provas ou de provas e títulos, formas inconstitucionais de provimento no Serviço Público, pois implicam o ingresso do servidor em cargos diversos daqueles nos quais foi ele legitimamente admitido. Insuficiência, para esse efeito, da mera prova de títulos e da realização de concurso interno. Ofensa ao princípio da isonomia.” ADI-MC 806 / DF - DISTRITO FEDERAL MEDIDA CAUTELAR NA AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIO-NALIDADE Relator(a): Min. CARLOS VELLOSO Julgamento: 11/11/1993 Órgão Julgador: TRIBUNAL PLENO Publicação: DJ 11-03-1994 PP-04111-EMENT VOL-01736-01 PP-00117 Parte(s) REQUERENTE: PARTIDO DOS TRABALHADORES - PT REQUERIDA: CÂMARA DOS DEPUTADOS EMENTA: CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO. PLANO DE CARREIRA. CÂMARA DOS DEPUTADOS. RESOLUÇÃO N. 30, de 13.11.90; RESOLUÇÃO N. 21, de 04.11.92: INCONSTITUCIONALIDADE. I. - Suspensão cautelar de dispositivos das Resoluções 30, de 1990, e 21, de 1992, da Câmara dos Deputados, que instituem Plano de Carreira, dado que é relevante o fundamento da inicial no sentido de que os dispositivos acoimados de inconstitucionais consagram forma de provimento derivado – Ascensão funcional e transferência com mudança de atribuições – ofensiva à regra inscrita no art. 37, II, da Constituição.
Precedentes do STF: ADIns. ns 231- RJ e 245-RJ. II. - Medida cautelar deferida.”
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Fonte: Comunicação ANTC.
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