A nota de repúdio do Sindicato dos Técnicos do Banco Central do Brasil (SinTBacen), publicada no DCI de 29/06/2017, apenas confirma os fundamentos da Carta Aberta ao Presidente da República, por meio da qual as entidades signatárias denunciaram a tentativa de emplacar “trem da alegria” no âmbito do Banco Central, medida com elevado potencial de efeito multiplicador em toda Administração Pública Federal. Em homenagem ao debate e em respeito à sociedade, as entidades signatárias desta nota vêm a público esclarecer o que se segue para encerrar o assunto.
1. Afirma o SinTBacen que o artigo 55 da Medida Provisória nº 765, de 2016, apenas regulariza a situação dos Técnicos do Banco Central, que, segundo o texto da nota divulgada à imprensa, já “desempenham atividades de nível superior”;
2. Sobre essa declaração sindical, as entidades signatárias desta nota alertam que a prática - se confirmados os fatos - pode configurar desvio de função, sendo a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal no sentido de que o servidor público desviado de sua função NÃO tem direito ao enquadramento ou reclassificação no cargo cujos atributos sejam mais elevados. Faz jus, tão somente, aos vencimentos correspondentes à função que efetivamente desempenhou em desvio, sob pena de ocorrer o locupletamento ilícito da Administração. Merecem citação os seguintes precedentes: STF, AI-AgR 485431/PR; RE nº 191.278; Segunda Turma do STF, AgR em RE nº 314.973. O Superior Tribunal de Justiça (STJ) também assentou entendimento semelhante na Súmula nº 378, nos seguintes termos: “Reconhecido o desvio de função, o servidor faz jus às diferenças salariais decorrentes”;
3. Segundo se extrai de importante artigo científico de Marlon Andrade, publicado na Revista Digital de Direito Público da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP), “a diferença remuneratória tem natureza de indenização e deve ser proporcional aos dias em que o servidor público laborou em desvio funcional. Além disso, a pretensão indenizatória sujeita-se à prescrição quinquenal”. Merece destaque a seguinte transcrição de decisão judicial que baliza o respeitável artigo:
"Cuida-se de pedido de diferença salarial decorrente de desvio de função proveniente do cargo do autor (técnico administrativo do MPF), pelo exercício efetivo das atribuições inerentes ao cargo de analista processual, daquele mesmo órgão federal, no período compreendido entre os meses de janeiro a julho de 2005, data em que o autor se licenciou para o exercício de mandato sindical.
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Assim, constata-se que, nos termos da citada súmula 378 do STJ e da jurisprudência aplicável à espécie (precedentes deste Juizado: processos n. 2007.30.00.906512-0 e 2008.30.00.903209-8, além da Apelação Cível do TRF5 de n. 445998/PB), não poderia a União deixar de remunerar o autor nos termos do cargo correspondente às funções efetivamente desempenhadas pelo autor, sob pena de indevido enriquecimento da Administração em decorrência desse desvio de função. [...] Isso posto, julgo procedente o pedido inicial para condenar a ré a pagar ao autor a diferença da remuneração por ele percebida como técnico administrativo e aquela paga aos ocupantes do cargo de analista processual do MPF, no nível correspondente àquele por ele ocupado à época, no período de janeiro a julho de 2005 […] (4ª Vara Federal da Seção Judiciária do Estado do Acre, Sentença proferida nos Autos n. 2010.30.00.900380-0, Juiz Federal Waldemar Cláudio de Carvalho. Rio Branco, 21/05/2010) [grifou-se].
4. Isso significa dizer que, se for comprovada a conduta passiva do Banco Central diante de eventual desvio de função de servidores de nível médio, devem ser adotadas as medidas saneadoras a fim de evitar a perpetuação do desvio. Neste caso, o Técnico teria direito à indenização pelo período que desempenhou atribuições de maior complexidade e responsabilidade que, no caso do Banco Central, devem ser atribuídas ao cargo de analista da referida autarquia federal;
5. Diante dessas possíveis repercussões, é forçoso alertar que a tentativa de legitimar eventual prática de desvio por meio de „emenda de contrabando‟ em medida provisória ou outro normativo cria um cenário de RISCO FISCAL que advém da elevada probabilidade de geração de passivos contingentes para União decorrentes de ações judiciais de pedido de indenização por parte daqueles que se sentirem locupletados pela Administração Federal;
6. Em síntese - e ainda citando Marlon Andrade em seu importante artigo científico -, a “prática do desvio ilegal de função é, sem dúvida, mais um “jeitinho brasileiro” que deve ser repelido da Administração, em conjunto com outras condutas administrativas irregulares sedimentadas no Brasil, como o abuso de cargos comissionados”, dentre outras;
7. Quanto à inexistência de estudos para inclusão do artigo 55 na Medida Provisória nº 765, foi o Presidente da República - não as entidades signatárias da Carta Aberta - que não considerou suficientes os “estudos realizados ao longo de 12 anos” pelo Banco Central quando vetou o artigo 20 do Projeto de Lei (PLC) nº 36, de 2016, sob o argumento de que o Ministério do Planejamento realizaria “análise dos cargos e carreiras existentes no Poder Executivo Federal, de modo a se verificar, de maneira global, a real necessidade de ajustes ou de eventual alteração de carreiras e cargos, a exemplo dos constantes do projeto que ora se encontra sob sanção”, conforme razões de veto ao Projeto convertido na Lei nº 13.327, de 2016;
8. O que as entidades signatárias afirmaram na Carta Aberta - e reiteram nesta oportunidade - é que o Ministério do Planejamento não apresentou à sociedade qualquer diagnóstico abrangente que permita avaliar o impacto global - ou efeito multiplicador - na Administração Pública Federal decorrente da alteração do requisito de investidura de cargo de nível médio, o que por si só revela a temeridade da medida emplacada pelo que se convencionou chamar de "emenda de contrabando‟, permanecendo, portanto, as condições que ensejaram o veto à tentativa anterior;
9. Procede a preocupação presidencial, uma vez que a alteração do requisito de investidura dos cargos públicos, um dos componentes do sistema remuneratório previstos no artigo 39, § 1º da Constituição da República, é matéria de índole constitucional, assim reconhecida pelo Supremo Tribunal Federal no Recurso Extraordinário nº 740.008, já reconhecida a repercussão geral da matéria;
10. A ação discute a constitucionalidade de lei de Roraima que, ao aumentar a exigência de escolaridade para ingresso no cargo público - para o exercício das mesmas funções -, determina a gradual transformação de cargos de nível médio em cargos de nível superior e assegura isonomia remuneratória aos ocupantes dos cargos em extinção, sem a realização de concurso público;
11. A doutrina não deixa dúvida. Tal como bem abordado no artigo "Limites constitucionais da transformação de cargos públicos", de autoria de Carlos Alencar Carvalho, Procurador do Distrito Federal, Maria Fernanda Pires de Carvalho Pereira e Tatiana Martins da Costa Camarão formulam os embargos e restrições à transformação de cargos públicos, por nesses casos configurar inconstitucionalidade, merecendo destaque a seguinte passagem:
“Nesses casos, o que a jurisprudência tem apontado é a viabilidade de agrupar sob uma mesma denominação os cargos cujas atribuições, requisitos de qualificação, escolaridade, remuneração, habilitação profissional ou especialização exigidos para ingresso sejam idênticos ou essencialmente similares.
...
Em sendo assim, não há que se falar em preterição à exigência de concurso público, porque presente afinidade de atribuições e equivalência de vencimentos, isto é, identidade substancial entre os cargos” (grifou-se)
12. O STF decidirá sobre a constitucionalidade do aproveitamento de servidor público ocupante de cargo em extinção, cujo requisito de investidura seja a formação no ensino médio, em outro, relativamente ao qual exigido curso superior, sem prévia aprovação em concurso público destinado ao respectivo provimento;
13. Diante dos fatos, revela-se no mínimo imprudente, podendo configurar ato de gestão temerária, alterações isoladas de requisito de investidura de cargos públicos na Administração Pública Federal, sem antes realizar o diagnóstico preciso dos possíveis impactos da medida de forma global e avaliar suas repercussões no plano jurídico, fiscal e, sobretudo, previdenciário;
14. Para além desse aspecto, o veto do artigo 55 é medida essencial para honrar o acordo institucional selado entre o Palácio do Planalto e os senadores durante a votação da Medida Provisória nº 765, no sentido de que as matérias objeto de impugnação seriam vetadas pelo Presidente da República, conforme se extrai das Notas Taquigráficas da sessão deliberativa extraordinária do Senado Federal realizada em 1º/6/2017;
15. Com todo respeito aos estudos realizados, durante os últimos doze anos, pela administração do Banco Central e pelas entidades que representam seus servidores, as entidades signatárias desta nota reiteram o pedido pelo veto do artigo 55 da Medida Provisória nº 765, cuja inclusão no texto da norma se deu à revelia do Ministério do Planejamento e da apresentação ao Congresso Nacional de estudos abrangentes que já tinham sido apontados como necessários pelo Presidente da República.
Brasília, 1º de julho de 2017.
ASSOCIAÇÃO DA AUDITORIA DE CONTROLE EXTERNO DO TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO
AUD-TCU
ASSOCIAÇÃO NACIONAL DOS ANALISTAS DO JUDICIÁRIO E DO MINISTÉRIO PÚBLICO DA UNIÃO
ANAJUS
UNIÃO DOS ANALISTAS LEGISLATIVOS DA CÂMARA DOS DEPUTADOS
UNALEGIS
ASSOCIAÇÃO NACIONAL DOS AUDITORES DE CONTROLE EXTERNO DOS TRIB. DE CONTAS DO BRASIL
ANTC
Nota em Resposta ao SinTBacen.
Fonte: Comunicação ANTC.
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