A Associação da Auditoria de Controle Externo do Tribunal de Contas da União | AUD-TCU, entidade federal de caráter homogêneo que representa, ao lado da Associação Nacional, Auditores Federais de Controle Externo-Área de Controle Externo do TCU, vem a público esclarecer o que se segue sobre manifestações acerca da matéria publicada, nesta terça-feira (30/5), na importante Coluna do Editor-Chefe do Jornal Correio Braziliense, Vicente Nunes. Clique no link e compartilhe sua opinião no Blog do Vicente! Sua participação é muito importante.
O anteprojete de lei elaborado pelo Grupo de Trabalho instituído pela Administração do Tribunal de Contas da União (TCU), formalizado nos termos do TC nº 025.421/2015-8, carece de uma avaliação lógica e conclusiva em relação à jurisprudência consolidada pelo Poder Judiciário sobre as mais diversas formas de provimento derivado após a Constituição de 1988.
Preliminarmente, é importante registrar que não há demonstração ou evidência de que a proposta apresentada pelo Grupo de Trabalho atende real necessidade operacional diagnosticada pelo TCU. Sem justificação plausível e conclusiva, a proposta pode se revelar um esforço legislativo desproporcional em relação à suposta necessidade do TCU, que sequer foi evidenciada no processo. A proposta também carece de uma análise de risco jurídico sobre a possibilidade de se pavimentar uma via para demandas futuras de equiparação salarial e formas de provimento derivado que podem gerar impacto orçamentário, fiscal e previdenciário no TCU e em todos os órgãos e entidades jurisdicionados.
Em resumo, a proposta apresentada para discussão conflita com a Constituição e as boas práticas de gestão uma vez que altera o requisito de investidura - de nível médio para nível superior - de dois cargos de complexidade e responsabilidade de nível intermediário (Técnicos), sem se preocupar com a compatibilidade e a integração desses componentes constitucionais do sistema remuneratório.
ALTERAÇÃO DOS COMPONENTES DO SISTEMA REMUNERATÓRIO DOS CARGOS DE COMPLEXIDADE E RESPONSABILIDADE DE NÍVEL INTERMEDIÁRIO (TÉCNICOS)
A Emenda Constitucional nº 19, de 1998, introduziu elementos de racionalidade para definição dos componentes do sistema remuneratório. De acordo com a redação dada ao artigo 39, § 1º da Constituição, o requisito de investidura é um desses componentes que, ao lado da natureza jurídica, da complexidade e da responsabilidade das atribuições e outras peculiaridades do cargo, visa assegurar uma equação ajustada e realista entre as responsabilidades exigidas dos cargos e a remuneração percebidas pelos agentes os que ocupam.
Sobre a alteração do requisito mínimo de investidura dos cargos cujas atribuições são de complexidade e responsabilidade de nível intermediário (Técnicos), a AUD-TCU apresentou petição ao relator da matéria, Ministro Vital do Rêgo, por meio da qual ressalta que não foram apresentados estudos fundamentados para justificar em que medida a alteração do requisito de investidura poderia ser essencial para o desempenho das atribuições de complexidade e responsabilidade de nível intermediário definidas para os cargos.
Para o desempenho de atribuições de complexidade e responsabilidade mais elevadas (nível superior), seja de natureza administrativa, seja de natureza finalística de controle externo, o TCU já dispõe de dois cargos distintos em seu quadro de pessoal, conforme previsto nos artigos 4º e 5º da Lei nº 10.356, de 2001.
Dessa forma, a proposta de alteração do requisito de investidura para os dois cargos de Técnico esbarra na incompatibilidade com a complexidade e responsabilidade de nível intermediário do próprio cargo, além de invadir campo de atuação de outros cargos de complexidade e responsabilidade de nível superior.
Também não se verifica qualquer diagnóstico que aponte o baixo desempenho profissional dos atuais ocupantes desses cargos de nível intermediário, muitos dos quais não detêm diploma de curso superior, em razão da não-exigência de diploma de graduação ou de nível superior por ocasião da investidura.
Caso estudos venham confirmar alteração substancial na complexidade e responsabilidade das atribuições conferidas aos dois cargos de Técnico (nível médio), a questão se resolve com a formação de um quadro de extinção para os 914 atuais cargos de nível intermediário, com a transformação dos respectivos cargos vagos - e dos que vierem a vagar - em cargos de complexidade e responsabilidade de nível superior, já existentes no quadro de pessoal permanente do TCU.
Destoa das boas práticas de gestão, seja no universo empresarial, seja no setor público, a ideia de contratar agentes com qualificação muito acima da expectativa em relação ao grau de complexidade e responsabilidade das atribuições a serem desempenhadas, sendo este um dos principais fatores críticos da seleção de pessoal.
O desinteresse pelo desempenho de atribuições de menor complexidade e responsabilidade inerentes a funções de nível intermediário leva o empregado/servidor a sair da organização ou a buscar outras atividades. Nas instituições e órgãos de controle público, esse fator de seleção revela-se ainda mais crítico, pois a legitimidade dos atos e das decisões não comporta desvio de função, o que leva à sua nulidade e retrabalho, podendo configurar improbidade administrativa por parte da chefia segundo a jurisprudência do Poder Judiciário.
Mas a proposta apresentada pelo Grupo de Trabalho não se limita a alterar apenas o requisito de investidura. Da análise sistemática dos artigos 6º, 10, inciso III, e 11 do anteprojeto de lei em discussão, verifica-se a nítida transformação com ascensão dos atuais 914 cargos de nível intermediário - a maioria de natureza administrativa e pouco mais de 160 de natureza finalística - em outro cargo de natureza administrativa, que congrega atribuições de complexidade e responsabilidade de nível superior previstas atualmente no artigo 5º da Lei nº 10.356, de 2001, proposta a revogação do referido artigo pelos formuladores do texto.
Clique aqui e confira o diagrama da transformação com ascensão de cargo de nível intermediário!
A investida afronta a regra do concurso público específico à luz de reiteradas decisões do guardião da Constituição, que, ao apreciar a ADI nº 231, em 1992, assentou os exatos termos de sua interpretação do artigo 37, inciso II, da Carta Magna, no tocante às formas de provimento derivado. Como exemplo da pacificação jurisprudencial a respeito, merece citação os julgamentos das ADI nºs 248, 806, 837 e 3857.
Em inúmeras outras decisões, o STF reafirmou a exigência constitucional do concurso público específico, declarando a inconstitucionalidade de leis que previam, como formas de provimento de cargo público, a transformação de cargo em outro de natureza distinta, com o traslado do seu ocupante (ADI nº 266), a ascensão (ADI nº 245-7), a transferência (ADI nº 1.329), a transposição (ADI nº 1.222), o acesso (ADI nº 951) e o aproveitamento indevido (ADI nº 3.190).
O anteprojeto de lei elaborado pelo Grupo de Trabalho do TCU alberga pretensões ilegítimas que configuram o que se convencionou a denominar 'trem da alegria'. O entendimento consta da respeitável sentença do Juízo de 16ª Vara Cível de Brasília, no sentido de que “a expressão utilizada, “trem da alegria”, significa a efetivação de um grupo de pessoas na administração pública sem que tenham sido aprovadas em concurso público, tanto servindo para qualificar aqueles que ingressam na administração pública quanto aqueles que, nada obstante possuírem algum cargo, são deslocados para outro cargo sem a submissão a concurso público”. Esse é o entendimento do Poder Judiciário, não apenas da AUD-TCU.
PRECEDENTES DE ASCENSÃO NO TCU APÓS A CONSTITUIÇÃO DE 1988
Existem razões concretas para a preocupação com formas variadas de provimento derivado e desvios de função, uma vez que, em 1995, o TCU promoveu ascensão, transpondo o cargo de Programador, até então de nível médio (atual Técnico), para o cargo ‘Programador’ de nível superior, com alteração substancial da remuneração. Em 2013, o Ministério Público Federal (MPF) instaurou procedimento administrativo para apurar o caso (PA nº 1.16.000.001883/2013-82). Em resposta, o TCU, apesar de reconhecer que a prática não estava de acordo com as decisões do STF, alegou que o ato aconteceu há mais de 18 anos, tendo expirado o prazo decadencial para sua anulação.
Em abril de 2017, a Câmara Coordenação e Revisão da Procuradoria-Geral da República homologou o parecer do Procurador da República pelo arquivamento deste ponto, mantendo o questionamento quanto à legalidade do pagamento em duplicidade aos mesmos servidores da URV (11,98%) referente a perdas salariais decorrentes de ‘planos do Governo Federal’ tratada na mesma Notícia de Fato (Processo Administrativo no TCU nº 023.548/2013-4). Da decisão da Câmara de Coordenação e Revisão ainda cabe recurso.
Também merece citação a Decisão Administrativa TCU nº 10, de 1993, que promoveu, após a Constituição de 1988, ascensão do cargo de Auxiliar de Finanças e Controle Externo (que ingressou na condição de Telefonista) para o cargo de Técnico de Finanças e Controle Externo (nível médio), conforme disposto no Processo Administrativo TC nº 023.828/1992-7.
ALTERAÇÕES VISAM FUTURA EQUIPARAÇÃO COM AUDITORES DE CONTROLE EXTERNO
Embora todos os pleitos de ascensão e transformação neguem existência de impactos orçamentário, fiscal e previdenciário, não é possível confiar no discurso diante desse lamentável precedente – que constitui uma mancha na história do TCU, que tem a missão constitucional de defender a regra do concurso público específico - , que, quando somado ao pedido formulado no Mandado de Segurança nº 30.692 impetrado no STF por uma das associações dos Técnicos do TCU para equiparar o salário dos ‘Técnicos’ ao dos ‘Auditores’ revelam as reais pretensões das investidas.
Para AUD-TCU, não há evidência de razão científica que justificasse a adoção da nova expressão ‘Auditor-Adjunto’ que não fosse para o cargo efetivo incumbido da titularidade das atribuições finalísticas de controle externo de maior complexidade e responsabilidade, tais como as atividades indissociáveis de planejamento, execução e coordenação de auditorias, inspeções e demais procedimentos fiscalizatórios na esfera de controle externo a cargo do Órgão de Instrução.
O termo ‘Adjunto’ pode ser adequado para designar as funções gratificadas, a exemplo de ‘Secretário-Geral’ e ‘Secretário-Geral-Adjunto’, que não apenas assessora, mas sobretudo substitui o primeiro em sua ausência. Não é o que ocorre com os cargos efetivos, uma vez que o ‘Técnico-Área Controle Externo’, cuja função é auxiliar, jamais poderá substituir o Auditor de Controle Externo na sua ausência ou impedimento.
Além de desmerecer a função do ‘Auditor de Controle Externo do Brasil’, a banalização do termo ‘Auditor’ não guarda coerência lógica e significado jurídico com o rol de atribuições do cargo de complexidade e responsabilidade de nível intermediário. Trata-se de termo com densa significação jurídica milenar, que remonta à antiga Suméria.
A verdade é que, a partir da literalidade da denominação proposta nos autos por uma das Associações de Técnico, nem mesmo o homem acima da média conseguirá enxergar com clareza a diferença semântica entre ‘Auditor Federal de Controle Externo’ e ‘Auditor-Adjunto Federal de Controle Externo’.
O problema grave consiste no fato de que a proposta apresentada nos autos traz disposições confusas que, na prática, visam criar condições para, no futuro, acomodar o anseio de alguns servidores ocupantes de cargo de nível intermediário no entendimento do STF no que concerne à equivalência - ou à similitude ou à coincidência - entre denominação, natureza das atribuições e requisitos de investidura de cargos efetivos, sobre o qual construiu jurisprudência que reconhece a legitimidade do aproveitamento de servidores em cargos fruto de transformação (ADI nº 1.591; ADI nº 2.335).
As deformações de caráter linguístico poderiam dizer pouco; mas, entendidas no contexto do regime jurídico-constitucional, as alterações semânticas têm importância, sim. E muita!
Não é razoável a instituição de um cargo de ‘Auditor-Adjunto’, para o qual se passará a exigir nível superior a título de requisito de investidura, para auxiliar ou para apoiar o ocupante do cargo de Auditor de Controle Externo.
A denominação imprópria de ‘Auditor-Adjunto’ igualmente padeceria de conteúdo semântico-jurídico quando analisada sob a lupa do artigo 39, § 1º da Lei Maior, com redação dada pela Emenda nº 19, de 1998, que elege a natureza, o grau de responsabilidade e a complexidade, os requisitos de investidura e as peculiaridades elementos essenciais de cada cargo, constituindo os componentes do sistema remuneratório. O texto constitucional não pode ser reduzido à letra morta em papel.
Também não é compatível com qualquer cargo de ‘Auditor’ atribuições de complexidade e responsabilidade de nível intermediário, tampouco pode ocupar cargo com tal denominação aquele que prestou concurso para cargo cujo ingresso de investidura é apresentação do certificado de conclusão do nível médio.
Há consenso no universo jurídico de que as palavras, na lei, não podem perder o seu significado. Se perdem, a lógica da norma acaba prejudicada. A imprecisão deliberada, expediente antigo, comumente é usada para deturpar e ocultar pretensões ilegítimas.
A cautela com a alteração de requisitos de investidura é fundamental, porque o resultado das ações finalísticas de controle externo afeta direitos subjetivos dos gestores e, por assim ser, ficam passíveis de questionamento judicial em razão da falta de legitimidade do agente público para titularizar tais atividades privativas e indissociáveis próprias da função de investigação na esfera de controle externo. O reconhecimento é do relator da ADI nº 5.128 (peça 40), ajuizada pelo Procurador-Geral da República contra 'trem da alegria' do Tribunal de Contas do Estado de Sergipe.
INEXISTÊNCIA DE PARECER CONCLUSIVO DA CONSULTORIA JURÍDICA DO TCU SOBRE O ANTEPROJETO DE LEI FORMULADO PELO GRUPO DE TRABALHO
Por vislumbrar posicionamentos conflitantes entre dois Pareceres da Consultoria Jurídica do TCU (peça 11 e peça 12 do TC nº 025.421/2015-8 quando comparadas com a peça 15 do TC nº 010.357/2011-4), a AUD-TCU levou ao conhecimento do relator as divergências de densa significação jurídica apontadas na Nota Técnica da entidade em 31/10/2016 (peça eletrônica 17), referendada em 4/11/2016 (peça eletrônica 18), cujo pedido não foi acolhido pelo então Presidente da Casa, conforme Despacho de peça eletrônica 21, proferido em 22/11/2016.
Além de pedir o saneamento dos autos ao relator, a AUD-TCU pugnou pela rejeição dos pleitos formalizados no sentido de alteração do requisito de investidura e adoção do termo ‘Auditor’ na nomenclatura para o cargo de nível intermediário (Técnico de nível médio).
Em razão da complexidade da matéria e tendo em vista o teor do Despacho proferido, em 4/4/2017, pelo Secretário-Geral da Presidência do TCU (peça eletrônica nº 33), o relator, Ministro Vital do Rêgo, determinou o encaminhamento dos autos à Consultoria Jurídica para que se manifeste sobre a viabilidade jurídica dos pedidos apresentados e outras considerações jurídicas pertinentes ao tema em discussão que entender cabíveis, conforme Despacho proferido na mesma data (peça eletrônica 34).
É neste estado que se encontram os autos no âmbito do TCU, sem, portanto, haver manifestação conclusiva da Consultoria Jurídica até a presente data.
Brasília, 31 de maio de 2017.
DIRETORIA DA AUD-TCU
Entidade Filiada à ANTC
Fonte: AUD-TCU