TRIBUNAIS DE CONTAS PRECISAM SE TORNAR ÓRGÃOS TÉCNICOS

Para o presidente da Associação Nacional dos Auditores de Controle Externo dos Tribunais de Contas ANTC, Francisco José Gominho Rosa, os TCs precisam se tornar órgãos predominantemente técnicos e sem influência da política.

Por
ANTÔNIO PAULO

BRASÍLIA (SUCURSAL) – O sistematribunais de contas vem sendo alvo de duras críticas, motivadas especialmente pela prisão de cinco dos sete conselheiros do Tribunal de Contas do estado do Rio de Janeiro (TCE-RJ), no último dia 29 de março, e com a inclusão do nome do ministro do Tribunal de Contas da União (TCU), Vital do Rego Filho, na lista do ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal(STF), autorizando abertura de inquérito para apurar recebimento de propina de empreiteiras. Nesta entrevista ao jornal A CRÍTICA, o presidente da Associação Nacional dos Auditores de Controle Externo dos Tribunais de Contas do Brasil (ANTC), Francisco José Gominho Rosa, analisa os impactos dessas denúncias e prisões de conselheiros e defende a punição rigorosa a quem comete os lícitos. O presidente da ANTC discute ainda as Propostas de Emendas à Constituição (PECs 329/13 e 40/16) que tratam do novo modelo e estrutura de composição dos tribunais de contas e se posiciona a favor de que os tribunais de contas sejam órgãos eminentemente técnicos em vez de indicações políticas. No sistema atual, dois terços dos integrantes dos TCEs são nomeados pelo Legislativo e um terço pelo Executivo. “A ideia de extinção dos Tribunais de Contas não se compatibiliza, ainda que na pior das graves crises, com o conceito de democracia. A sociedade seria a maior prejudicada”, afirma Francisco Gominho Rosa. A seguir, os principais trechos da entrevista.

Em que medida esses acontecimentos, envolvendo membros do TCE e TCU afetam o sistema de controle do estado brasileiro?

Afetam de forma muito negativa, mas o lado bom é que podem trazer um reflexo positivo porque estes acontecimentos expõem a necessidade de uma evolução há muito tempo reclamada por vários setores da sociedade, a começar pelas associações representativas dos que trabalham nos tribunais de contas, como a ANTC, e os estudiosos do Direito dministrativo, como o Instituto Brasileiro de Administração Pública (Ibad). Na classe política, também se encontram vários deputados e senadores com os quais sempre contamos para avançar com propostas de mudanças necessárias. Nossos TCs precisam se tornar órgãos eminentemente e predominantemente técnicos e não órgãos que façam parte do tabuleiro de xadrez da política partidária. Todas as instituições devem ser parâmetro de conduta. Mas, no caso dos Tribunais de Contas, essa necessidade de se mostrar alheia a qualquer suspeita ganha ainda mais relevo, eis que se trata de instituição cuja razão mor de existência encontra-se indissociável da missão de combate ao desvio de recursos públicos, à má gestão da coisa pública e ao combate às práticas de atos ímprobos, cujos efeitos atingem diretamente os bens públicos. Diante disso, quando ocorrem fatos onde o agente controlador se confunde com o próprio transgressor, a sociedade passa a questionar acerca da verdadeira importância dos Tribunais de Contas. E é justamente aí que reside o problema, a causa que afeta diretamente o sistema.

Então, a ANTC recomenda que esses casos de desvio de conduta dos membros dos Tribunais de Contas sejam punidos exemplarmente?

Por serem magistrados de contas, os Conselheiros e ministros dos TCs devem ter conduta compatível com os preceitos do Código e do Estatuto da Magistratura, norteando-se pelos princípios da independência, da imparcialidade, da integridade profissional e pessoal, da dignidade, da honra e do decoro. A rigorosa observância desses princípios é fundamental, porque a integridade de conduta dos Magistrados de Contas contribui para a confiança dos cidadãos no julgamento de contas dos responsáveis pela aplicação de recursos públicos. Quando se rompe o substrato ético no órgão de controle, o estrago mostra-se quase irremediável, cujos efeitos se propagam de forma tal que levam ao descrédito no funcionamento e eficácia das instituições de controle e do sentido mais amplo de justiça. Uma situação dessas só se remedia com punição exemplar, desde que comprovado o crime e respeitado o sagrado direito de defesa do acusado. A indiferença ou a ineficiência institucional diante da corrupção e outros desmandos no seio da instituição que tem a missão de combater tais desvios gera suspeição, descrédito e desesperança, comprometendo a obediência e a submissão dos cidadãos à lei e às estruturas que regulam a vida social. Os Tribunais de Contas devem estar atentos a Isso.

É hora de mudar a estrutura desses tribunais e de aperfeiçoá-lo? A PEC 329/2013, do ex-deputado federal, pelo Amazonas, Francisco Praciano, é uma dessas saídas?

Passados mais de um quarto de século da promulgação da Constituição, não há mais tempo para esperar. Pensar diferente disso é querer assistir ao espetáculo “a casa caiu”. As PEC’s 329/2013 e 40/2016 aglutinam medidas lúcidas e compatíveis com a estrutura e funcionamento dos 34 Tribunais de Contas do Brasil. De fato, já passamos mesmo da hora de mudar. A Constituição de 1988 ampliou, de modo extremamente significativo, a esfera de competência dos Tribunais de Contas, que passaram a ser investidos de poderes jurídicos mais amplos, em decorrência de uma consciente opção política feita pelo constituinte. A atuação dos Tribunais de Contas assume, por isso mesmo, importância fundamental no campo do controle externo. A PEC nº 329, de 2013, é um grande avanço, pois reduz significativamente a desproporcionalidade que hoje se verifica na composição do Tribunal de Contas. Atualmente, os TCs possuem cinco integrantes, de sete, totalmente esvinculados de carreiras de Estado. Nenhuma instituição com poder de julgamento, que afeta direitos subjetivos de terceiros, direitos políticos de cidadãos, em matéria de relevante interesse econômico e político, pode funcionar bem nessas bases. A ANTC, sem dúvida, apoia a PEC 329 e defende a incorporação da padronização proposta na PEC 40/2016. A comunhão dessas duas propostas vai contribuir muito para que o país supere a crise ética e econômica por que passa.

Quais os pontos da PEC 40 que são complementares à proposta de Praciano, que muda a escolha dos membros dos TCEs, TCMs e TCU?

Para muito além do aperfeiçoamento da composição dos julgadores dos Tribunais de Contas, a ANTC busca no Congresso Nacional a supressão da lacuna quanto à padronização da organização e funcionamento dos Tribunais de Contas e do Ministério Público de Contas, priorizando a edição da lei orgânica nacional dos Tribunais de Contas para estabelecer a uniformização do Órgão de Auditoria de Controle Externo e dos Órgãos Colegiados dos Tribunais de Contas. Sugerida pela ANTC e abraçada por mais de 27 Senadores, a PEC n. 40, de 2016, também cria as condições para a União editar um código nacional de processo de controle externo. A existência de uma norma geral de processo para os Tribunais de Contas que regule os aspectos principiológicos contribuirá significativamente para uma maior aproximação dos métodos de fiscalização financeira atualmente em prática, o que proporcionará ganhos de eficiência para o Poder Público e maior segurança jurídica para os fiscalizados, especialmente àqueles que, pelas mais variadas circunstâncias, devem prestar contas a mais de um Tribunal.

Qual o papel do órgão de auditoria de controle externo em comparação à função do Ministério Público de Contas e a função judicante, dos ministros e conselheiros dos tribunais? Quem é e como atua o auditor de controle externo?

É no Órgão de Auditoria de Controle Externo que é realizada uma das funções mais relevantes do controle externo: a investigação por meio de auditorias e inspeções. O papel do controle externo depende incondicionalmente da atuação de três funções. A função de auditoria de controle no órgão de instrução (planejamento, coordenação e execução de auditorias, inspeções, instrução processual e demais procedimentos de fiscalização), que deve ser exercida pelos auditores concursados; função de Ministério Público, exercida pelos procuradores do Ministério Público junto aos tribunais de contas; e função judicante, exercida pelos ministros e conselheiros, titulares e substitutos. A opinião dos Auditores de Controle Externo sobre as contas e a gestão pública deve ser emitida com independência funcional e será submetida ao Órgão Deliberativo dos Tribunais de Contas, em processo de controle externo, no qual se assegure ao gestor público ou responsável o devido processo legal, o contraditório e a ampla defesa o que pressupõe que as contas dos gestores e administradores de dinheiro público sejam fiscalizadas, inspecionadas e auditadas.

A maioria das vezes, o Poder Legislativo, a quem o TCU, TCEs e TCMs auxilia, ignora as decisões dos tribunais de contas principalmente quando recomendam a paralisação de obras por irregularidades. Qual a saída para esse dilema?

Os Tribunais de Contas são instituições autônomas que não se subordinam a nenhum Poder, pois deve fiscalizar com autonomia e independência todos os Poderes, sem exceção. Foi o próprio Ministro Barroso, do STF, que destacou isso no I Conacon. Para o Ministro, o “discurso tradicional de que Tribunais de Contas são meros auxiliares do poder legislativo não corresponde à percepção geral nem da doutrina, nem da sociedade”. É preciso deixar bem claro, ainda, que os Tribunais de Contas não são meros órgãos auxiliares do Poder Legislativo, no sentido de subalternidade. A bem da verdade, colocações dessa natureza constituem um das graves atecnias propaladas por alguns segmentos da sociedade. Isso porque, valendo-nos, mais uma vez, das palavras do renomado jurista Carlos Britto, não há como interpretar o vocábulo auxílio, inserto no texto constitucional, que não seja no sentido de necessariedade participativa.

Quais as regiões mais problemáticas com relação à prestação de contas aos tribunais? A Amazônia, pelas dificuldades de acesso, enfrenta este problema?

A Região Sudeste, sem a menor sobra de dúvida! A Amazônia tem mais tribunais bons do que ruins. O acesso não é o maior problema atual, embora a vistoria in loco seja importante.

Apesar das dificuldades e entraves políticos, os tribunais de contas brasileiros têm conseguido executar suas funções, evitando mais casos de corrupção e devolvendo recursos aos cofres públicos?

Sem dúvida alguma. Em diversos Estados e na União, há um corpo de Auditores de Controle Externo de carreira, dentre os cerca de dez mil no Brasil, que consegue atuar com independência, inclusive em parceria com outras instituições fiscalizadoras (ministério público, polícia, etc.). Também observamos que onde há associação homogênea para fazer a defesa das prerrogativas dos Auditores de Controle Externo esse desempenho sobressai, porque a classe se fortalece para resistir às pressões.

Os Tribunais de Contas permanecerão sendo indispensáveis à manutenção do estado democrático de direito? O que aconteceria à sociedade sem a presença deles?

Agora, mais do que nunca, o Brasil tem o dever de adotar um padrão nacional para os Tribunais de Contas, sem o qual terá pouca ou nenhuma legitimidade para presidir a discussão com representantes de outros Países um padrão mundial de auditoria no setor público. A ideia de extinção dos Tribunais de Contas, portanto, não se compatibiliza, ainda que na pior das graves crises, com o conceito de democracia. A sociedade seria a maior prejudicada, pois perderia a única instituição especializada e independente, cuja principal função é induzir a máxima eficiência das políticas públicas, prevenção e combate à corrupção. Os Tribunais de Contas foram dotados de instrumentos eficazes de recuperação do dano causado aos cofres públicos, como, por exemplo, os processos de tomada de contas especial e o bloqueio de bens, assim como a eficácia de título executivo atribuído às suas decisões, o que dispensa discussão judicial para reaver os recursos desviados. Conclusão: os tribunais de contas precisam de evolução.


Clique aqui para visualizar a entrevista na íntegra.


Fonte: a crítica | Amazônia - Amazonas - Manaus.

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