REFORMAR A PREVIDÊNCIA SIM, MAS COM TRATAMENTO SIMILAR ENTRE SEMELHANTES

O envio da PEC 287 ao Congresso Nacional tem causado acaloradas discussões. Esse é mais um texto que tentará defender certo ponto de vista, no caso, voltado para que haja um tratamento mais justo na transição entre a situação atual e a futura.

Para acompanhar o texto, é importante considerar alguns pressupostos, a fim de evitar discussões infrutíferas:

 

1) Não se tem intenção de ser dono da verdade. Portanto, os comentários, críticas e sugestões serão sempre bem-vindos.

2) O objetivo é discutir um ponto da PEC: especificamente para servidores públicos, o corte de idade em 50 anos de idade para homens e 45 anos para mulheres, previsto no art. 2º da PEC.

3) Entende-se que existem opiniões que afirmam não haver déficit, que a reforma é desnecessária, etc. Todavia, a ideia aqui é concentrar as discussões no ponto acima citado. Isso porque entendo que alguma reforma é necessária e prefiro que seja feita de forma mais justa a ficar discutindo sua necessidade, assunto para mim superado.

4) Em que pese não ser esse o objetivo do texto, considera-se que a inclusão de todos, inclusive militares e políticos, dispensando-se a eles tratamento proporcional ao que está sendo proposto para os demais trabalhadores, é condição necessária para que a reforma tenha legitimidade.

5) Há outros artigos na PEC (7º, 8º e 11) que também usam exclusivamente o critério de idade como ponto de corte para outros trabalhadores. Acredita-se que raciocínio semelhante poderá ser utilizado para eles, mas a discussão e os exemplos serão em torno do art. 2º.

Muito bem. Se você ainda não desistiu da leitura, veja o que consta do art. 2º da PEC proposta pelo governo:

Art. 2º Ressalvado o direito de opção à aposentadoria pelas normas estabelecidas no art. 40 da Constituição, o servidor da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, incluídas suas autarquias e fundações, que tenha ingressado no serviço público em cargo efetivo até a data da promulgação desta Emenda e que tenha idade igual ou superior a cinquenta anos, se homem, e a quarenta e cinco anos, se mulher, nesta mesma data, poderá aposentar-se quando preencher, cumulativamente, as seguintes condições:
I - sessenta anos de idade, se homem, e cinquenta e cinco anos de idade, se mulher;
II - trinta e cinco anos de contribuição, se homem, e trinta anos de contribuição, se mulher;
III - vinte anos de efetivo exercício no serviço público;
IV - cinco anos de efetivo exercício no cargo em que se der a aposentadoria; e
V - período adicional de contribuição equivalente a 50% (cinquenta por cento) do tempo que, na data de promulgação desta Emenda, faltaria para atingir os limites previstos no inciso II deste artigo.
§ 1º Os servidores que ingressaram no serviço público em cargo efetivo até 16 de dezembro de 1998 poderão optar pela redução da idade mínima de que trata o inciso I do caput em um dia de idade para cada dia de contribuição que exceder o tempo de contribuição previsto no inciso II do caput.

Um dos primeiros problemas da proposta é usar como ponto de corte exclusivamente a idade do servidor na data de promulgação da EC. Imaginem os casos absurdos que ocorrerão de pessoas que fizerem aniversário (50 anos) um dia após a promulgação... Dependendo do tempo de contribuição, poderão ocorrer injustiças consideráveis, isto é, pessoas com menos tempo de contribuição e maior idade se aposentando antes de outras, pouco mais jovens, mas com muito tempo de contribuição.

Uma forma de tentar demonstrar a citada situação é por meio de exemplos, conforme os casos hipotéticos que constam do quadro a seguir. Nos cálculos foi considerado que a PEC será promulgada em 31/7/2017. Isso não é estimativa, está aqui apenas como parâmetro para fins comparativos. Poderia ser qualquer outra data, obviamente com resultados um pouco diferentes, mas mantido o raciocínio.

As simulações de aposentadorias utilizando as regras atuais foram feitas com o excelente aplicativo que consta do portal da CGU no seguinte link: http://www.cgu.gov.br/simulador.

Quadro 1 - Situações hipotéticas de aposentadoria (regras atuais e com a PEC 287)

Analisando a situação de cada um deles em consonância com os termos propostos na PEC chega-se às seguintes conclusões:

Antônio: tendo em vista que, na data de promulgação da PEC, faltariam cinco dias para ele completar 50 anos, terá que trabalhar e contribuir por mais dez anos. Além disso, perderá os direitos à integralidade e à paridade, que lhe haviam sido conferidos por meio da EC 47/2005. Em outras palavras, ele contribuiu para o RPPS na expectativa de aposentadoria integral, mas receberá segundo outras regras.

Bernardo: teve muito mais sorte que Antônio. Por ter nascido cinco dias antes. E a sorte foi realmente grande: na data da promulgação da PEC ele havia contribuído para a previdência por 32,5 anos, ao passo que Antônio já havia contribuído por 36 anos. Ainda assim, para ele será mantida a integralidade e a paridade, com um acréscimo de dois anos na idade para se aposentar.

Carlos: mesmo tendo ingressado no serviço público bem mais tarde que Antônio, o que significa que deve ter contribuído, em valores, menos que Antônio para a previdência (servidores públicos contribuem com 11% sobre o valor total da remuneração, e não sobre o valor do teto do RGPS), manterá a integralidade dos recebimentos, bem como a idade em que se aposentaria caso não houvesse reforma. Isso simplesmente porque, a exemplo de Bernardo, possuirá 50 anos na data de promulgação da EC.

Diante dos cenários hipotéticos acima, fica a pergunta se realmente precisa ser tão radical, tão injusto com quem na maioria das vezes começou a trabalhar mais cedo (e por isso tem muito tempo de contribuição), porém, ainda não possuirá 50 anos na data de promulgação da EC. Sem abandonar a premissa de que as reformas são necessárias, apresenta-se um modelo que tende a evitar o corte abrupto que existe na PEC, isto é, considerando, além da idade, o tempo de contribuição. A ideia seria alterar o art. 2º proposto de forma a contemplar a seguinte regra:

Pelas regras atuais, a soma de idade e tempo de contribuição deve ser igual ou superior a 95 anos para homens e 85 anos para mulheres para que se possa aposentar. Dessa forma, o modelo proposto leva em conta esse referencial.

Na data da promulgação da EC seriam somados o tempo de contribuição e a idade do servidor. Em seguida, seria calculado o tempo que faltaria para atingir 95 anos se homem ou 85 anos se mulher. Como essa diferença estaria tratando de dois tempos distintos (idade e tempo de contribuição), a mesma deverá ser dividida por dois, cujo resultado seria utilizado como base para o pedágio na regra de transição. A vantagem desse modelo é evitar o tratamento desigual, isto é, se estaria realmente fazendo uma regra de transição e não se estabelecendo um ponto de corte arbitrário.

De volta aos exemplos hipotéticos do início deste texto, como ficariam as situações se considerada a alteração proposta na PEC para se estabelecer um regime de transição que considere, além da idade mínima, o tempo de contribuição?

Quadro 2 - Situações hipotéticas de aposentadoria
(regras atuais, com a PEC 287 e com ajustes no art. 2º)

Tendo em vista as alterações propostas na PEC por meio deste texto, e levando em conta os dados apresentados acima, chega-se às seguintes conclusões:

Antônio: no modelo proposto, o fato de ser um pouco mais jovem que os demais não fez com que ele fosse tratado com extremo rigor. Isso aconteceu porque ele possuía um elevado tempo de contribuição. Não perdeu o direito à integralidade nem à paridade, mas precisará trabalhar e contribuir um pouco mais (perto de 2 anos) do que teria pelas regras atuais.

Bernardo: mantém a integralidade e a paridade, conforme mantinha com a PEC original. Os tempos de trabalho e contribuição adicionais também aumentam um pouco, mas nada extraordinário.

Carlos: também não muda praticamente nada. Continua com integralidade e sem paridade. O tempo para se aposentar diminui um pouco, menos de um ano.

Resumindo, o modelo de alteração proposto para a PEC visa a evitar o abismo criado pelo ponto de corte arbitrário de 50 anos de idade para homens e 45 anos para mulheres. Para fazer isso a proposta de alteração leva em conta também o tempo de contribuição, evitando grandes injustiças como poderão ocorrer como no caso hipotético de Antônio.

Outra vantagem do modelo proposto é que, apesar de usar a data de promulgação da EC como balizadora do pedágio, as pessoas não ficam reféns da data: independentemente do dia que for promulgada, os cálculos serão feitos e o binômio idade e tempo de contribuição determinarão o pedágio a ser pago.

Sem a pretensão de legislar, uma proposta inicial de redação que poderia ser utilizada, impactando minimamente no texto da PEC, é a seguinte:

 

Art. 2º Ressalvado o direito de opção à aposentadoria pelas normas estabelecidas no art. 40 da Constituição, o servidor da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, incluídas suas autarquias e fundações, que tenha ingressado no serviço público em cargo efetivo até 31 de dezembro de 2003 poderá aposentar-se quando preencher, cumulativamente, as seguintes condições:
I - sessenta anos de idade, se homem, e cinquenta e cinco anos de idade, se mulher;
II - trinta e cinco anos de contribuição, se homem, e trinta anos de contribuição, se mulher;
III - vinte anos de efetivo exercício no serviço público;
IV - cinco anos de efetivo exercício no cargo em que se der a aposentadoria; e
V - período adicional de contribuição de 50%, a ser calculado tendo como base de cálculo a diferença entre o somatório da idade e do tempo de contribuição, na data de promulgação desta emenda, e os fatores 95 anos (para homens) ou 85 anos (para mulheres), dividido por dois.
§ 1º Os servidores que ingressaram no serviço público em cargo efetivo até 16 de dezembro de 1998 poderão optar pela redução da idade mínima de que trata o inciso I do caput em um dia de idade para cada dia de contribuição que exceder o tempo de contribuição previsto no inciso II do caput.

 

Política de Opinião Livre: As opiniões expostas no artigo pelo autor não necessariamente refletem a opinião dos Dirigentes da ANTC ou da Associação Nacional
Fonte: Autor

Imprimir   Email