NOTA TÉCNICA

SUMÁRIO EXECUTIVO

1. Tramita na Assembleia Legislativa do Estado do Ceará a Proposta de Emenda Constitucional nº 2, de 8 de dezembro de 2016, apresentada com o fim de estabelecer a fusão das competências do Tribunal de Contas dos Municípios do Estado do Ceará (TCM-CE) e o Tribunal de Contas do Estado do Ceará (TCE-CE).

2. Alega-se, para tanto, racionalidade no trato do gasto público. Reconhece, todavia, a expertise do TCM-CE. A proposta prevê o total aproveitamento dos servidores do TCM-CE, assim como dos seis membros do Ministério Público de Contas referido no artigo 130 da Constituição da República. Aproveita metade dos Conselheiros titulares e substitutos mais antigos de ambos os Tribunais de Contas, colocando os demais em disponibilidade remunerada.

3. Alega-se, ainda, que a proposta confere maior eficácia à decisão do Supremo Tribunal Federal no Recurso Extraordinário nº 848.826, que tratou da repercussão, para fins da Lei da Ficha Limpa, das decisões dos Tribunais de Contas sobre as contas de Prefeitos ordenadores de despesas.

4. Propõe-se, ainda, a instituição do Termo de Ajustamento de Gestão (TAG) no âmbito do TCECE, à semelhança, segundo a proposta, do Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) previsto na competência do Ministério Público, tendo por característica principal, nas palavras do autor, a busca de soluções consensuais para regularizar atos e procedimentos dos Poderes, órgãos e entidades sujeitos ao controle exercido pelo Tribunal de Contas. Alega, para tanto, que a competência para celebração do TAG decorre do artigo 71, inciso IX da Constituição da República1 e do artigo 59, § 1º da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), que trata dos alertas, destacando as hipóteses referentes a fatos que comprometam os custos ou os resultados dos programas ou indícios de irregularidades na gestão orçamentária.

DA ANÁLISE & DOS FUNDAMENTOS

5. A presente Nota Técnica da Associação Nacional dos Auditores de Controle Externo dos Tribunais de Contas do Brasil (ANTC) tem por finalidade expor as preocupações de natureza técnica em relação ao núcleo da proposta que ensejam esclarecimentos. No âmbito do Tribunal de Contas dos Municípios do Ceará, a ANTC representa os Analistas de Controle Externo, o que faz por meio de sua afiliada, a Associação dos Auditores de Controle Externo do TCM-CE.

6. Por se tratar de temas abrangentes e complexos, entende-se oportuno contextualizar os pontos de forma destacada.

I. Fundamentos Estatutários da ANTC

7. Em primeiro lugar, a Associação Nacional adota como fundamentos estatutários o “padrão nacional de organização e funcionamento da unidade de controle externo dos Tribunais de Contas” e a imprescindibilidade do Tribunal de Contas independente, imparcial e apartidário, como instância julgadora e garantidora do devido processo legal na esfera do controle externo” (artigo 3º, incisos VI e VII).

8. Em segundo lugar, a proposta não é acompanhada de demonstração dos recursos públicos que serão efetivamente economizados com a extinção do TCM-CE e a absorção das respectivas competências pelo TCE-CE. Também não se tem noção de quais gastos seriam reduzidos em razão da extinção e quais seriam mantidos para assegurar a manutenção, no plano municipal, da atividade de controle externos no grau de eficiência verificado atualmente. Ressalte-se que o baixo índice de eficiência na gestão de muitos Municípios exige dos órgãos de controle não apenas fiscalizações de conformidade, mas ações pedagógicas para a melhoria da prestação de serviços públicos tão essenciais à população.

9. A história do TCM-CE revela que a sua atuação é essencial para o alcance da eficiência na gestão municipal, com a manutenção de um quadro de pessoal altamente especializado na fiscalização das finanças locais, dada a especificidade que dispõe de tratamento diferenciado em diversas passagens da legislação federal. Nos termos propostos, a PEC viola os Princípios do Progresso e da Vedação ao Retrocesso, que visam fazer com que os resultados de conquistas não se percam. Sobre o tema, merece citação o Ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal:

 

“o princípio da proibição de retrocesso decorre justamente do princípio do Estado Democrático e Social de Direito; do princípio da dignidade da pessoa humana; do princípio da máxima eficácia e efetividade das normas definidoras dos direitos fundamentais; do princípio da proteção da confiança e da própria noção do mínimo essencial.” (grifou)

10. São exemplos de especificidade da fiscalização da gestão dos Municípios as previsões do artigo 29-A da Constituição Federal, dos artigos 59, inciso VI, e 63 da Lei Complementar nº 101, de 2000, e do artigo 36, § 4º da Lei Complementar nº 141, de 2012.

11. Em face da ausência de fundamentos jurídico-econômicos que justifiquem a medida drástica apresentada para discussão, a ANTC não pode apoiar a proposta de fusão dos Tribunais de Contas - que na prática extingue o TCM-CE -, colocando em disponibilidade 10 (dez) Magistrados de Contas titulares e substitutos, que, apesar de receberem dos cofres estaduais, não prestarão qualquer serviço à população na busca do ressarcimento de danos causados aos cofres municipais e em prol da melhoria da qualidade da gestão e dos serviços públicos.

II. Repercussões Fiscais nas Finanças Estaduais

12. Nota-se, ainda, lacuna quanto à repercussão fiscal da proposta no plano das finanças estaduais. O artigo 9º da PEC nº 2, de 2016, prevê a transferência dos saldos de dotações orçamentárias do TCMCE para o TCE-CE, nada dispondo sobre o limite de pessoal fixado pela Lei Complementar nº 101, de 2000.

13. Ao editar a referida norma geral de finanças públicas, o Congresso Nacional silenciou acerca de eventual destinação do limite da despesa de pessoal dos TCMs em caso de extinção ou incorporação com o TCE.

14. Assim sendo, trata-se de matéria que deve ser disciplinada no âmbito da competência plena do Estado nos termos do artigo 24, §§ 2º e 3º da Constituição da República, de forma a conferir razoabilidade e proporcionalidade a eventuais propostas nesse sentido. Para tanto, entende-se oportuno assegurar, caso seja dado seguimento à PEC à revelia das críticas apresentadas nesta Nota Técnica e manifestações de outras entidades de caráter nacionais, tais como a Associação dos Membros dos Tribunais de Contas do Brasil (ATRICON2), que o limite de pessoal do TCM-CE será somado ao limite de pessoal do TCE-CE.

15. Proposta com conteúdo semelhante consta do Projeto de Lei do Senado Federal nº 229, de 2009, de autoria do Senador Tasso Jereissati (CE), nos seguintes termos do artigo 159, que propôs inclusão de parágrafos no artigo 20 da Lei Complementar nº 101, de 2000, a saber:

 

“§ 7º Nos casos de criação ou extinção de tribunais de que trata o art. 96, inciso II, alínea “c”, da Constituição Federal, os limites, serão, respectivamente, reduzidos ou acrescidos entre os tribunais integrantes da mesma Justiça, aplicando-se, no que couber, o disposto no § 3º deste artigo.” (grifei)

16. Nesse sentido, propõe-se que, caso a PEC siga a tramitação apesar das graves ponderações consignadas nesta Nota Técnica, seja ao menos considerada a inclusão de parágrafo único do artigo 9º, de forma a assegurar a proporcionalidade e a razoabilidade do texto no que tange às repercussões fiscais no âmbito das finanças estaduais.

III. Aproveitamento imediato dos Auditores de Controle Externo e demais servidores do TCM-CE

17. A redação dada ao artigo 4º da PEC nº 2, de 2016, mostra-se lacunosa, uma vez que não assegura, pelo menos de forma clara e indene de interpretações equivocadas, o aproveitamento imediato dos Auditores de Controle Externo (Analista de Controle Externo no TCM-CE) e demais servidores efetivos do órgão, de forma a assegurar a continuidade - com efetividade - das fiscalizações nos milhares de órgãos e entidades dos mais de 180 Municípios cearenses, incluindo a Capital.

18. Nota-se, ainda, grave lacuna sobre a aplicação da legislação vigente no âmbito de cada Tribunal de Contas, caso a PEC siga a tramitação, enquanto as leis previstas na proposta não sejam encaminhadas pela autoridade competente, aprovadas pelo Poder Legislativo e entrem em vigor.

IV. Violação de competências constitucionais do Tribunal de Contas e do Supremo Tribunal Federal.

19. Ao analisar o conteúdo da PEC em tramitação, nota-se a formulação de propostas que não se harmonizam com o texto da Constituição da República de 1988, o que não tem como lograr êxito.

20. De acordo com as redações propostas aos incisos VI e XI do artigo 49 da Constituição Estadual, a Assembleia Legislativa poderá sustar atos normativos do Tribunal de Contas que exorbitem do poder regulamentar ou do limite da delegação legislativa, assim como poderá fiscalizar e controlar, diretamente, os atos do Tribunal de Contas do Estado. Almeja-se, ainda, que a Assembleia Legislativa disponha de competência para proceder à tomada de contas quando o Tribunal não prestar contas ao Poder Legislativo e emitir parecer prévio e julgar as contas do Tribunal de Contas, consoante as propostas dos artigos 36 e 37 da PEC.

21. Tais propostas, apesar da boa intenção, não poderão lograr êxito em razão da falta de simetria com os Poderes conferidos ao Congresso Nacional pela Constituição de 1988, consoante a qual:

 

“Art. 49. É da competência exclusiva do Congresso Nacional:
...
V - sustar os atos normativos do Poder Executivo que exorbitem do poder regulamentar ou dos limites de delegação legislativa;
...
IX - julgar anualmente as contas prestadas pelo Presidente da República e apreciar os relatórios sobre a execução dos planos de governo;

X - fiscalizar e controlar, diretamente, ou por qualquer de suas Casas, os atos do Poder Executivo, incluídos os da administração indireta;” (grifei)

22. Como se observa, o Congresso Nacional não dispõe de competência constitucional para sustar atos normativos do Tribunal de Contas da União, julgar as contas anuais do Presidente do TCU, tampouco fiscalizar e controlar, diretamente, os atos do TCU, senão apenas do Poder Executivo. Também fere o princípio da segregação de funções que uma mesma instituição emita parecer prévio e logo em seguida julgue.

23. O instituto do parecer prévio previsto no artigo 71, inciso I da Constituição da República tem a função de assegurar que as contas de governo prestadas anualmente pelo Presidente da República, que serão julgadas pelo Congresso Nacional (artigo 49, inciso IX), passem por uma análise prévia da instituição técnica de controle externa, que, por sua vez, não dispõe de competência para julgá-las.

24. Cumpre observar que em todos os demais casos, sem exceção, o Tribunal de Contas da União (TCU) não emite parecer prévio sobre contas de gestão dos titulares do Poder Judiciário, Ministério Público da União, Câmara dos Deputados, Senado Federal e Defensoria Pública da União. Em todos esses casos, o TCU julga diretamente as contas desses gestores no exercício de sua competência exclusiva do artigo 71, inciso II da Lei Maior.

25. Para fiscalizar diretamente todas as unidades dos demais Poderes e órgãos, mediante auditoria, inspeções e demais procedimentos de fiscalização na esfera de controle externo, o constituinte previu no artigo 71 da Carta Política de 1988 competências exclusivas do TCU, nos seguintes termos:

 

“Art. 71. O controle externo, a cargo do Congresso Nacional, será exercido com o auxílio do Tribunal de Contas da União, ao qual compete:
...
II - julgar as contas dos administradores e demais responsáveis por dinheiros, bens e valores públicos da administração direta e indireta, incluídas as fundações e sociedades instituídas e mantidas pelo Poder Público federal, e as contas daqueles que derem causa a perda, extravio ou outra irregularidade de que resulte prejuízo ao erário público;
...
IV - realizar, por iniciativa própria, da Câmara dos Deputados, do Senado Federal, de Comissão técnica ou de inquérito, inspeções e auditorias de natureza contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial, nas unidades administrativas dos Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário, e demais entidades referidas no inciso II;” (grifei)

26. Como se observa, é o TCU a instituição de controle externo constitucionalmente competente para realizar auditorias e inspeções nas unidades administrativas de todos os Poderes, inclusive no próprio Legislativo, incluindo-se as unidades administrativas do próprio TCU, que não se confunde com seu Órgão de Instrução de natureza finalística.

27. A dicção do artigo 71, § 1º, da Constituição de 1988 reforça a competência prevista no artigo 49, inciso V: No caso de contrato, o ato de sustação será adotado diretamente pelo Congresso Nacional, que solicitará, de imediato, ao Poder Executivo as medidas cabíveis”. Tal dispositivo deve ser lido de forma harmônica com outras duas passagens constitucionais:

 

“Art. 49. É da competência exclusiva do Congresso Nacional:
...
X - fiscalizar e controlar, diretamente, ou por qualquer de suas Casas, os atos do Poder Executivo, incluídos os da administração indireta;
...
Art. 72. A Comissão mista permanente a que se refere o art. 166, §1º, diante de indícios de despesas não autorizadas, ainda que sob a forma de investimentos não programados ou de subsídios não aprovados, poderá solicitar à autoridade governamental responsável que, no prazo de cinco dias, preste os esclarecimentos necessários.
§ 1º Não prestados os esclarecimentos, ou considerados estes insuficientes, a Comissão solicitará ao Tribunal pronunciamento conclusivo sobre a matéria, no prazo de trinta dias.” (grifei)

28. Ou seja, pelo artigo 49, inciso X, o Congresso Nacional fiscaliza e controla, diretamente, tão somente os atos do Poder Executivo. Pode, para tanto, sustar atos normativos exorbitantes do Poder Executivo (artigo 49, inciso V), sustar contrato (artigo 71, § 1º) e solicitar à autoridade governamental do Poder Executivo esclarecimentos, que devem ser prestados em 5 dias (artigo 72, caput e § 1º). No caso dos demais Poderes e órgãos autônomos, tais ações de controle externo devem ser exercidas direta e exclusivamente pelo TCU.

29. Não havendo os esclarecimentos no prazo mencionado, deve a Comissão Mista de Orçamento (CMP) solicitar ao TCU pronunciamento conclusivo (artigo 72, § 1º), pois somente o TCU poderá realizar, por iniciativa própria ou demanda das Casas e Comissões do Congresso Nacional, de forma direta, auditorias e inspeções nas unidades administrativas do Poder Executivo e todos os demais Poderes para esclarecer os fatos (artigo 71, inciso IV).

30. Esse figurino constitucional não é por acaso. O objetivo do constituinte originário é garantir a eficácia de salvaguardas efetivas ao erário, mediante uma conformação institucional prevista para o TCU semelhante a dos Tribunais do Poder Judiciário (artigo 73 c/c artigo 96).

31. Para tanto, junto ao TCU funciona um Ministério Público de Contas (artigo 130), além de se garantir as decisões sobre julgamento de contas em que forem imputados débitos ou aplicadas multas eficácia de título executivo (artigo 71, § 3º). Sem esses instrumentos, reservados ao TCU, a ação de controle externo não tem eficácia, tampouco assegura o ressarcimento do dano ao erário.

32. Por outro lado, o figurino análogo ao Poder Judiciário garante ao TCU e demais Tribunais de Contas as seguintes competências privativas:

 

“Art. 73. O Tribunal de Contas da União, integrado por nove Ministros, tem sede no Distrito Federal, quadro próprio de pessoal e jurisdição em todo o território nacional, exercendo, no que couber, as atribuições previstas no art. 96.
...
Art. 96. Compete privativamente:
I - aos tribunais:

a) eleger seus órgãos diretivos e elaborar seus regimentos internos, com observância das normas de processo e das garantias processuais das partes, dispondo sobre a competência e o funcionamento dos respectivos órgãos jurisdicionais e administrativos;” (grifei)

33. Assim, a competência do Tribunal de Contas editar seu regimento interno decorre de mandamento constitucional e como tal tem força de lei, sem que haja, na própria Carta de 1988, qualquer previsão de sustação de tais normativos pelo Poder Legislativo. Devem os excessos identificados nos normativos dos Tribunais de Contas ser questionados no STF, pelos meios previstos no artigo 102 da Lei Maior, in verbis:

 

“Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe:
I - processar e julgar, originariamente:
a) a ação direta de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo federal ou estadual e a ação declaratória de constitucionalidade de lei ou ato normativo federal;” (grifei)

34. Trata-se, portanto, de competência exclusiva do STF para declarar inconstitucional lei ou ato normativo federal ou estadual, incluindo-se nesse contexto os atos emanados pelos Tribunais de Contas no poder regulamentar que lhe confere a própria Constituição de 1988.

35. Nas bases propostas, a PEC usurpa para a Assembleia Legislativa competência precípua da Corte Suprema, o que não resiste ao crivo do controle de constitucionalidade.

36. Quanto à proposta do artigo 36 da PEC nº 2, de 2016, da mesma forma que não há previsão constitucional para o Congresso Nacional julgar a prestação de contas do TCU, não pode a Assembleia Legislativa julgar contas do Tribunal de Contas, uma vez que o constituinte reservou ao Poder Legislativo tão somente a competência para julgar as contas anuais do Presidente da República e demais Chefes do Poder Executivo (artigo 49, inciso IX), mediante parecer prévio que deve ser emitido pelo Tribunal de Contas (artigo 71, inciso I) como requisito de procedibilidade para o julgamento das referidas contas anuais (também denominadas „contas de governo‟).

37. Assim sendo, carece de amparo na Lei Maior a tentativa de inserir no rol de competências da Assembleia Legislativa poder que nem mesmo o Congresso Nacional dispõe para julgar os titulares dos demais Poderes e órgãos autônomos (Ministério Público, Tribunal de Contas e Defensoria Pública), o que o artigo 71, inciso II, da Carta Política de 1988 reserva ao TCU e, por simetria, aos Tribunais de Contas dos Estados e Municípios no que couber.

38. Aliás, cumpre observar que essa questão específica foi enfrentada pelo Plenário do STF ao apreciar o pedido de liminar na ADI nº 2.238, sendo o seguinte o entendimento:

 

Art. 57: a referência a “contas de Poder”, no § 2º do art. 57, evidencia a abrangência, no termo “contas” constante do caput do artigo, daqueles cálculos decorrentes da atividade financeira dos administradores e demais responsáveis por dinheiros, bens e valores públicos, que somente poderão ser objeto de julgamento pelo Tribunal de Contas competente (inciso II do art. 71 da Constituição).
Medida cautelar deferida.
...
Decisão: O Tribunal, por unanimidade, indeferiu a medida cautelar relativamente ao artigo 56, caput, e, por maioria, deferiu a cautelar quanto ao artigo 57, ambos da Lei Complementar nº 101, de 04 de maio de 2000.” (grifei)

39. Não é aceitável, não em um Estado Democrático, que os titulares dos órgãos com poder de autogoverno, tais como o Ministério Público, a Defensoria Pública, o Poder Judiciário e o Tribunal de Contas fiquem alheios ao controle exercido por uma instituição de controle externo de natureza eminentemente técnica e especializada em matérias tanto quanto diversas quanto complexas, como são as Cortes de Contas.

40. Além desse aspecto, existe ainda um componente político a ser considerado. Não obstante sejam as Casas Legislativas representativas da sociedade, não se pode olvidar que o funcionamento dessas instituições passa por colorações ideológicas e matizes partidários.

41. Dessa forma, importa no sistema constitucional de distribuição de competências que o controle exercido pelos Tribunais de Contas, enquanto instituição de controle externo integrada do Órgão de Instrução e de Órgãos Colegiados, seja feito de forma técnica, com equilíbrio e imparcialidade, sem as paixões inerentes aos debates parlamentares e aos interesses político-partidários que são próprios do funcionamento das Casas Legislativas.

42. Oportuno anotar que o STF já enfrentou a questão ao declarar, na ADI nº 687, a inconstitucionalidade dos artigos 60 e 78 e seus §§ 1º e 2º, bem como das expressões “e do Tribunal de Contas dos Municípios”, contidas, respectivamente, no inciso XXX do artigo 92 e no artigo 122, todos da Constituição do Estado do Pará. Eis a ementa da decisão:

 

“A Constituição da República impede que os Municípios criem os seus próprios Tribunais, Conselhos ou órgãos de contas municipais (CF, art. 31, § 4º), mas permite que os Estados-membros, mediante autônoma deliberação, instituam órgão estadual denominado Conselho ou Tribunal de Contas dos Municípios (RTJ 135/457, rel. min. Octavio Gallotti - ADI 445/DF, rel. min. Néri da Silveira), incumbido de auxiliar as Câmaras Municipais no exercício de seu poder de controle externo (CF, art. 31, § 1º). Esses Conselhos ou Tribunais de Contas dos Municípios – embora qualificados como órgãos estaduais (CF, art. 31, § 1º) - atuam, onde tenham sido instituídos, como órgãos auxiliares e de cooperação técnica das Câmaras de Vereadores. A prestação de contas desses Tribunais de Contas dos Municípios, que são órgãos estaduais (CF, art. 31, § 1º), há de se fazer, por isso mesmo, perante o Tribunal de Contas do próprio Estado, e não perante a Assembleia Legislativa do Estado-membro. Prevalência, na espécie, da competência genérica do Tribunal de Contas do Estado (CF, art. 71, II, c/c o art. 75). [ADI 687, rel. min. Celso de Mello, j. 2-2-1995, P, DJ de 10-2-2006.]” (grifei)

43. Como dito, não há qualquer passagem na Magna Carta que preveja competência para o Congresso Nacional julgar as contas dos titulares do TCU e demais Poderes e órgãos autônomos da União que não sejam as contas anuais do Presidente da República.

44. Dessa forma, padece de vício insanável as propostas que incluem na Constituição do Estado um rol de competências mais alargadas para a Assembleia Legislativa que não encontram correspondência com as competências do Congresso Nacional.

V. Critérios de ingresso e promoção na Magistratura incompatíveis com a Constituição da República

45. O texto proposto para o § 15 do artigo 154 da Constituição Estadual cria exigências menos restritivas e até mesmo incompatíveis com os requisitos definidos pela Constituição da República para indicação, nomeação e posse de membros da Magistratura Nacional e de Contas e dos membros dos Ministérios Públicos, muitos dos quais são regulamentados por normas gerais estabelecidas pelo Congresso Nacional e que devem ser observadas por todos os Estados-Membros.

46. Não se pode exigir para ingresso em cargos vitalícios as condicionantes de elegibilidade eleitoral dispostas na Lei da Ficha Limpa (Lei Complementar nº 135, de 2015) para candidatos eleitorais quando aqueles membros são expressamente proibidos de exercerem atividade políticopartidária.

47. As condições de elegibilidade em cargos eletivos foram fixadas pela Lei da Ficha Limpa com base no seguinte fundamento constitucional:

 

“Art. 14. A soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com valor igual para todos, e, nos termos da lei, mediante:
...
§ 3º São condições de elegibilidade, na forma da lei:
...
V - a filiação partidária;
...
§ 9º Lei complementar estabelecerá outros casos de inelegibilidade e os prazos de sua cessação, a fim de proteger a probidade administrativa, a moralidade para exercício de mandato considerada vida pregressa do candidato, e a normalidade e legitimidade das eleições contra a influência do poder econômico ou o abuso do exercício de função, cargo ou emprego na administração direta ou indireta.” (grifei)

48. A Constituição de 1988, todavia, prevê requisitos de ingresso e vedações completamente distintos para os cargos vitalícios da Magistratura e do Ministério Público que não se confundem com cargos do Poder Executivo, a saber:

 

“Art. 93. Lei complementar, de iniciativa do Supremo Tribunal Federal, disporá sobre o Estatuto da Magistratura, observados os seguintes princípios:
I - ingresso na carreira, cujo cargo inicial será o de juiz substituto, mediante concurso público de provas e títulos, com a participação da Ordem dos Advogados do Brasil em todas as fases, exigindo-se do bacharel em direito, no mínimo, três anos de atividade jurídica e obedecendo-se, nas nomeações, à ordem de classificação;
II - promoção de entrância para entrância, alternadamente, por antigüidade e merecimento, atendidas as seguintes normas:
a) é obrigatória a promoção do juiz que figure por três vezes consecutivas ou cinco alternadas em lista de merecimento;
b) a promoção por merecimento pressupõe dois anos de exercício na respectiva entrância e integrar o juiz a primeira quinta parte da lista de antigüidade desta, salvo se não houver com tais requisitos quem aceite o lugar vago;
...
Art. 94. Um quinto dos lugares dos Tribunais Regionais Federais, dos Tribunais dos Estados, e do Distrito Federal e Territórios será composto de membros, do Ministério Público, com mais de dez anos de carreira, e de advogados de notório saber jurídico e de reputação ilibada, com mais de dez anos de efetiva atividade profissional, indicados em lista sêxtupla pelos órgãos de representação das respectivas classes.
...
Art. 95.
...
Parágrafo único. Aos juízes é vedado:
...
III - dedicar-se à atividade político-partidária.
...
Art. 128.
...
§ 5º Leis complementares da União e dos Estados ... estabelecerão a organização, as atribuições e o estatuto de cada Ministério Público, observadas, relativamente a seus membros:
...
II - as seguintes vedações:
...
e) exercer atividade político-partidária;” (grifei)

49. As mesmas garantias e vedações impostas à Magistratura Nacional são aplicáveis aos Ministros e Conselheiros dos Tribunais de Contas de todo País, em razão do disposto nos seguintes dispositivos constitucionais:

 

“Art. 73. O Tribunal de Contas da União, integrado por nove Ministros, tem sede no Distrito Federal, quadro próprio de pessoal e jurisdição em todo o território nacional, exercendo, no que couber, as atribuições previstas no art. 96.
...
§ 3° Os Ministros do Tribunal de Contas da União terão as mesmas garantias, prerrogativas, impedimentos, vencimentos e vantagens dos Ministros do Superior Tribunal de Justiça, aplicando-se-lhes, quanto à aposentadoria e pensão, as normas constantes do art. 40.
...
Art. 75. As normas estabelecidas nesta seção aplicam-se, no que couber, à organização, composição e fiscalização dos Tribunais de Contas dos Estados e do Distrito Federal, bem como dos Tribunais e Conselhos de Contas dos Municípios.” (grifei)

50. Dessa forma, como a Constituição da República prevê requisitos bem mais restritivos, garantias e vedações específicos para os Magistrados em geral, seja do Poder Judiciário, seja dos Tribunais de Contas, não há como a legislação estadual prever regras mais flexíveis para ingresso em cargos vitalícios do Poder Judiciário do Tribunal de Contas.

51. Isso porque o conceito de reputação ilibada, requisito exigido para a indicação para os cargos de Desembargador e Conselheiro, constitui mecanismo de aferição institucional imposto pelo ordenamento jurídico aos órgãos envolvidos no processo de escolha, o Executivo, a Assembleia Legislativa e o próprio Tribunal de Contas.

52. As exigências de idoneidade moral e reputação ilibada para os membros do Tribunal de Contas é fruto da opção do constituinte originário de 1988 para a investidura nessa categoria especial de agentes políticos. Mais do que requisitos, são verdadeiros pressupostos éticos, dada a importância das funções que desempenham e dos relevantes efeitos jurídicos e políticos que suas decisões produzem.

53. A Corte Suprema, conforme se observa do julgado, não apenas admitiu o controle jurisdicional sobre o ato da OAB, ou seja, a lista sêxtupla, como reconheceu a possibilidade de o Tribunal emitir juízo positivo sobre os candidatos em relação aos requisitos técnicos exigidos pela Carta Política, autorizando-o a recusar a composição de lista tríplice derivada daquela, se presentes razões objetivas. Mas o Supremo, guarda da Constituição da República, não ficou adstrito ao aspecto dos requisitos técnicos: reconheceu que o Tribunal de Justiça pode, inclusive, aferir os atributos de notório saber jurídico ou de reputação ilibada. Veja-se:

 

“4. A questão é mais delicada se a objeção do Tribunal fundar-se na carência dos atributos de “notório saber jurídico” ou de “reputação ilibada”: a respeito de ambos esses requisitos constitucionais, o poder de emitir juízo negativo ou positivo se transferiu, por força do art. 94 da Constituição, dos Tribunais de cuja composição se trate para a entidade de classe correspondente.
5. Essa transferência de poder não elide, porém, a possibilidade de o tribunal recusar a indicação de um ou mais dos componentes da lista sêxtupla, à falta de requisito constitucional para a investidura, desde que fundada a recusa em razões objetivas, declinadas na motivação da deliberação do órgão competente do colegiado judiciário.
...
7. A solução harmônica à Constituição é a devolução motivada da lista sêxtupla à corporação da qual emanada, para que a refaça, total ou parcialmente, conforme o número de candidatos desqualificados: dissentindo a entidade de classe, a ela restará questionar em juízo, na via processual adequada, a rejeição parcial ou total do tribunal competente às suas indicações.” (grifei)

54. A Suprema Corte, no RMS nº 23.123/PB, Rel. Min. Nelson Jobin, julgado em 15.12.1999 pelo Pleno, examinando a recusa de TRE em aceitar lista encaminhada pela OAB com nome de Juiz aposentado inscrito na Ordem, já havia reconhecido a capacidade do Tribunal para recusar a indicação quando, como no caso, se verificava uma deturpação do principio constitucional.

55. Tal medida é essencial para objetivar a avaliação do requisito constitucional de reputação ilibada, o que não se confunde, nem de longe, com as condicionantes de elegibilidade fixadas pela Lei da Ficha Limpa. Fossem adotadas tais condicionantes para ingresso na Magistratura, o Poder Judiciário teria de aceitar o ingresso de candidato que responde a inquérito policial ou ação penal por tráfico de drogas, de pessoas, de órgãos, peculato, improbidade administrativa, dentre outros crimes graves, enquanto não houvesse decisão de órgão colegiado ou sentença transitado em julgado como prevê a condicionante de elegibilidade da Lei da Ficha Limpa. A mesma incoerência ocorreria para ingresso no cargo de Delegado da Polícia Civil e Promotores de Justiça, o que não é aceitável.

56. É importante esclarecer que presunção constitucional de não-culpabilidade não impede que se tome como prova de maus antecedentes do acusado pendência contra ele de inquéritos policiais e ações penais (Precedentes: HC 70871 RJ (DJ de 25.11.94); HC 72370 SP (DJ de 30.06.95). HC 73.394 SP, rel. Min. Moreira Alves, 19.03.96).

57. Não pode, por exemplo, ser considerado dono de uma „reputação ilibada‟ aquele sobre o qual pairam fundadas suspeitas de comportamento avesso ao bem público, aos direitos humanos e ao Estado de Direito. Em especial, não pode ser considerado dono de „reputação ilibada‟ aquele sobre o qual pesa um processo judicial ou inquérito de natureza cível - por improbidade administrativa - ou criminal, uma tomada de contas que vise apurar a falta de prestação de contas ou malversação de dinheiro público ou, até mesmo, um processo administrativo que verse sobre fatos ensejadores de demissão ou impedimento de ocupar funções.

58. Não se pode absolutizar - e a jurisprudência não absolutiza - o princípio da presunção de inocência de forma a deixar a Administração Pública - e seus princípios norteadores - totalmente desprotegida, de modo a afastar casos de autêntica reputação maculada, permitindo ingressos de nomes impróprios ao exercício de cargos de estratégica envergadura, como é o caso dos Delegados, Auditores do Fisco e de Controle Externo, Juízes, Procuradores, Ministros e Conselheiros dos Tribunais de Contas, dentre outros agentes de Estado.

59. Extrai-se da redação da Resolução nº 75/2009 do Conselho Nacional de Justiça, que dispõe sobre os concursos públicos para ingresso na carreira da Magistratura, que para a inscrição definitiva do concurso são exigidos, dentre outros, (i) folha de antecedentes das Polícias Federal e Civil; (ii) declaração que conste nunca ter sido indiciado em inquérito policial ou processado criminalmente, ou, caso contrário, apresentação dos esclarecimentos pertinentes; (iii) certidão negativa eleitoral.

60. Para desfrutar das prerrogativas de Magistrado, é necessário cumprir os mesmos impedimentos impostos a toda Magistratura Nacional, sob pena de injustificável quebra do princípio constitucional da simetria. A vinculação do candidato ao cargo vitalício de Magistrado de Contas a processo criminal ou de improbidade administrativa que verse sobre ilícito que tem como sujeito passivo o interesse primário da Administração Pública, notadamente quanto à defesa do erário, demonstra que não pode ser a sua reputação considerada ilibada para o efeito de sua nomeação e posse no elevado cargo de Conselheiro, por exemplo.

61. Não por outra razão, o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil atuou em inédito litisconsórcio ativo com o Ministério Público Federal na propositura de ação civil pública na 21ª Vara Federal, com pedido de liminar, contra os atos do Congresso Nacional tendentes a indicar o então Senador Luiz Otávio Oliveira Campos (PMDB-PA) para o cargo de ministro do Tribunal de Contas da União. A ação pedia também que a União fosse obrigada a não investir o senador no cargo.

62. Aprovada pelo Pleno do Conselho Federal da OAB, e endossada pelo Procurador da República Luciano Sampaio Gomes Rolim, a ação civil pública aponta que o Senador não possuía o requisito da „reputação ilibada‟ para preenchimento do cargo, conforme previsto no artigo 73, § 1º da Constituição da República, dado que estava sendo processado no STF sob acusação de desvios de recursos do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) para uma empresa da família, com base em denúncia apresentada pela Procuradoria-Geral da República.

63. Sobre o caso específico, é de se citar a decisão do Judiciário do Distrito Federal, Justiça Federal, em Ação Popular movida em face de vários Senadores da República (Processo nº 2003.34.00.029866-8), contra a indicação, feita pelo Senado Federal, do nome do Senador Luiz Otávio Oliveira Campos, para o cargo de Ministro do TCU, por não ser ele detentor de „reputação ilibada‟, entre outros motivos.

64. Essa decisão é citada na análise do Recurso Extraordinário ao Agravo de Instrumento nº 696.375 (384), contra decisão AC nº 10300120030131269, do Tribunal de Justiça do Estado de Rondônia. Como destacou o Presidente da OAB à época, uma vez que o Senador estava sendo processado, como suspeito ele não dispõe da reputação ilibada exigida para preenchimento do cargo. Esse conceito só poderia ser restabelecido mediante sua eventual absolvição no processo do STF. E conclui:

 

“A situação do senador é como o adágio segundo o qual não basta que a mulher de César seja honesta - o que no caso é a idoneidade -; ela tem também que parecer honesta - que é a reputação”, afirmou o então Presidente da OAB, observando que “o conceito da reputação está ligado à honra objetiva e, se o senador está tendo sua reputação questionada, ele tem sua honra objetiva afetada.” (grifei)

65. A Justiça tem sido zelosa no que tange à exigência desses requisitos de ingresso no cargo de Magistrado de Contas. Importante exemplo desse zelo é encontrado na recente decisão pelo Juiz da 1ª Vara de Fazenda Pública do Estado de Santa Catarina que concedeu liminar na Ação Popular n° 0322615-08.2014.8.24.0023 proposta contra indicação de candidato ao cargo de Conselheiro do Tribunal de Contas do Estado de Santa Catarina.

66. Para fundamentar essa liminar, o Juiz catarinense relembrou que “a atividade estatal, qualquer que seja o domínio institucional de sua incidência, está necessariamente subordinada à observância de parâmetros ético-jurídicos que se refletem na consagração constitucional do princípio da moralidade administrativa”.

67. E arremata: “Esse postulado fundamental, que rege a atuação do Poder Público, confere substância e dá expressão a uma pauta de valores éticos sobre os quais se funda a ordem positiva do Estado” (ADI 2.661-MC, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 5-6-2002, Plenário, DJ de 23-8- 2002).

68. Outro exemplo de zelo judicial nesse sentido extrai-se da recente decisão do Juiz da 2ª Vara da Fazenda Pública do Distrito Federal, que anulou os atos de indicação, aprovação, nomeação e posse de Conselheiro do Tribunal de Contas do Distrito Federal (TCDF). Especificamente quanto aos requisitos objetivos para a nomeação e posse de Conselheiros de Tribunais de Contas, a sentença assim leciona in verbis:

 

“À toda evidência, ao contrário do que ocorre nas relações e em processos criminais, no plano moral inexiste "serviço de proteção ao crédito" ou "cartório de registros" para manter registros das condutas, podendo-se concluir que ser possuidor de idoneidade moral seria suficiente que o candidato não ostentasse condenação criminal definitiva ou fosse freqüentador de colunas policiais. Já a reputação ilibada para ocupação de cargo de Ministro, - e por extensão impositiva do art. 75 da Constituição Federal, de Conselheiro - é indispensável que jamais tenha sido envolvido em atos de corrupção entre outros.
...
Não se dará, pois, crédito a qualquer notícia/denúncia, mas também não se poderá concluir que detém reputação ilibada que esteve envolvido em notícias mal explicadas de riquezas ou transações escusas. Situando-se no plano moral, para que se deixe de preencher o requisito, não é necessária a existência de processo condenatório, mas simplesmente que aos olhos do bonus pater familis a conduta seja veementemente reprovável; que o “candidato” não mais seja merecedor de crédito suficiente para desempenhar tão elevado cargo.” (grifei)

69. A possibilidade de verificação objetiva dos requisitos de reputação ilibada não é novidade e pode ser encontrada em diversos julgados do STF e adotada pelo STJ. Precedentes: RE 211.207 SP (DJU de 6.3.98), HC 77.049 RS (DJU de 9.6.98) e HC 80.630 PB (DJU de 6.3.2001). HC 81.759 SP, rel. Min. Maurício Corrêa, 26.3.2002.

70. Quanto à indicação, nomeação e posse no cargo vitalício de Ministro e Conselheiro dos 34 Tribunais de Contas, nota-se que, no artigo 73 da Constituição da República, os termos idoneidade moral e reputação ilibada estão justapostos, a reforçar, claramente, o comando constitucional, no sentido de proibir a indicação, nomeação e posse de pessoas de reputação maculada ou comportamento contrário ou violador da moralidade então vigorante no meio social.

71. Pelo prisma jurisprudencial, já decidiu o Supremo Tribunal Federal, desde o julgamento do Recurso Extraordinário de Ação Popular (RE) 167.137-8-TO, que os requisitos estatuídos nos dispositivos constitucionais retrocitados tornam o ato administrativo de nomeação vinculado aos parâmetros objetivados pela Constituição da República.

72. Assim, em conformidade com o julgado mencionado, não pode a Assembleia Legislativa, sob pena de inconstitucionalidade, flexibilizar os requisitos constitucionais para ingresso na função de Desembargador ou Magistrado de Contas, mediante adoção das condicionantes de elegibilidade, que sequer são aplicáveis a cargos vitalícios, cujos titulares são proibidos pela Lei Maior de exercerem atividade político-partidária e se filiarem a partidos políticos.

VI. Termo de Ajustamento de Gestão – TAG nos Tribunais de Contas

73. Quanto ao TAG, à semelhança do TAC do Ministério Público, trata-se de instrumento que somente faz sentido de ser utilizado na esfera de controle externo se for no âmbito das funções que congregam atividades de investigação, seja pelo Ministério Público de Contas, seja pelo Órgão de Instrução, ambos devendo submeter à homologação do termo pelo Plenário do Tribunal de Contas.

74. É que o Tribunal de Contas se reveste de uma conformação institucional específica, constituindo uma instituição de controle externo que congrega duas funções essenciais: uma, de natureza investigativa, que é a função de auditoria externa, a cargo do Órgão de Instrução; outra, de natureza judicante, a cargo dos Órgãos Deliberativos.

75. É a Constituição da República que confere, nos termos do artigo 71, poderes aos Tribunais de Contas para julgar contas (inciso II) e aplicar sanções (inciso VII), assegurando, por imperativo constitucional, eficácia de título executivo (§ 2º).

76. O TAC, tal como previsto na Lei nº 7.347, de 1985, tem a função de conferir maior eficácia à atuação de instituições e órgãos que exercem atividade de investigação, mas que são desprovidos de poder judicante.

77. Para tanto, o artigo 5º, § 6° da referida Lei prevê que os “órgãos públicos legitimados poderão tomar dos interessados compromisso de ajustamento de sua conduta às exigências legais, mediante cominações, que terá eficácia de título executivo extrajudicial.

78. Essa, porém, não é a situação dos Tribunais de Contas. Além de detentor de poder judicante por imperativo constitucional, que confere às Cortes de Contas o poder de julgar contas, determinar o ressarcimento do dano ao erário e aplicar sanções (inclusive de multa), suas decisões têm eficácia de título executivo, que são executadas diretamente no Poder Judiciário pela Advocacia-Geral da União (AGU) e órgãos correspondentes nas demais esferas.

79. Em razão desse rol de competências alargadas de índole constitucional, os Tribunais de Contas são dotados de poderes para determinar prazo, cujo descumprimento da determinação pode ensejar aplicação de sanções.

80. Para induzir a melhoria da gestão pública, os Tribunais de Contas podem realizar auditorias operacionais e financeiras com vistas a avaliar a legalidade, legitimidade, economicidade, eficiência da gestão, assim como determinar ou recomendar adoção de medidas com fixação de prazo, sem que para tanto necessite de recorrer a instrumentos semelhantes ao TAC, que se demonstra muito eficaz para os órgãos de investigação sem competência para julgamento.

81. Aliás, essa é a correta intelecção da regra prevista no artigo 71, inciso IX da Carta Política, que dispõe sobre a competência exclusiva do TCU para “assinar prazo para que o órgão ou entidade adote as providências necessárias ao exato cumprimento da lei, se verificada ilegalidade”, cujo descumprimento da determinação enseja aplicação de sanções previstas na Lei Orgânica da Corte de Contas, dentre elas a multa.

82. Para finalizar a análise, cumpre observar que carece de lógica o paralelo feito ao alerta previsto no artigo 59 da LRF como meio de instituir TAG nos Tribunais de Contas. A uma, porque a ação de controle externo não se resume à fiscalização das finanças públicas. A duas esse não é o propósito do instituto do alerta previsto na LRF.

83. Forçoso anotar que o instituto do alerta de natureza fiscal não constitui requisito de procedibilidade para a condução dos procedimentos fiscalizatórios na esfera de controle externo previstos na Lei Orgânica do TCU, pois se assim fosse seria inconstitucional, uma vez que atentaria contra a autonomia da Corte de Contas consagrada na Constituição de 1988 (artigo 73 c/c artigo 96). Aplica-se, por simetria, a mesma interpretação em relação aos demais Tribunais de Contas.

84. Nada impede que o Tribunal de Contas, no curso de suas fiscalizações, ao invés de proceder ao alerta, lance mão do instrumento constitucional que lhe permite determinar e fixar prazo no curso da execução orçamentária e financeira, a depender de vários fatores, tais como o risco de descumprimento de legislação específica que norteia a matéria, a gravidade dos fatos sobre os quais se verifiquem indícios de irregularidade, a depender do juízo de ponderação que for feito caso a caso.

85. O instrumento do alerta é, na verdade, um meio para os Tribunais de Contas sistematizarem, de forma transparente e inteligível para a sociedade, os possíveis riscos fiscais identificados ao longo da execução do orçamento que possam comprometer os objetivos da gestão fiscal responsável. Para prevenir falhas e erros nesse tipo de gestão, os Tribunais de Contas sempre dispuseram, desde 1988, de poderes constitucionais e legais para fazerem determinações, recomendações, assim como fixarem prazos e proferirem cautelares.

86. Tanto é assim que os alertas emitidos em situações de atingimento de 90% dos limites máximos de pessoal, dívida e operação de crédito não ensejam nenhuma medida corretiva, sinalizando, apenas, a necessidade de atenção, de redobrar os cuidados com o planejamento de medidas que possam comprometer o equilíbrio das contas públicas. Nada além disso.

87. Nesse sentido, não se pode querer conferir ao alerta previsto na LRF o papel de instrumento alternativo às determinações e fixação de prazos com poder reprimir, de imediato, condutas de gestores que já incorreram em irregularidade.

88. Medida nesse sentido subverteria a natureza do instrumento legal que pode ser utilizado nos procedimentos de fiscalização realizados no curso da execução orçamentária e financeira e desde que não haja risco de comprometimento de dispositivos da LRF, da Constituição e outras normas, situação em que os Tribunais de Contas podem lançar mão do seu poder cautelar e de fazer determinações imediatamente.

89. Fato é que jamais caberá o instrumento de alerta para situações de constatação de irregularidade na prestação de contas de exercício encerrado e sobre fato consumado que a Corte de Contas venha identificar como irregular.

90. O tema é relevante e precisa dos registros e esclarecimentos devidos, porque já se tentou afastar a atuação do TCU na esfera de controle externo, durante o curso do processo que apreciou o crime de responsabilidade de Presidente da República, sob alegação de não emissão de alerta prévio pelo Tribunal. A intenção não foi outra senão tentar afastar o uso, pelo Senado Federal, do resultado da fiscalização realizada pela Corte de Contas na esfera de controle externo, o que não prosperou.

91. Feitas essas considerações, a previsão do artigo 38 da PEC nº 2, de 2016, poderá se harmonizar com a Carta Política se a lei que vier a instituir o TAG prever a sua aplicação no âmbito do exercício da função de investigação na esfera de controle externo, sem constituir requisito de procedibilidade para a atuação independente e autônoma dos Órgãos Deliberativos do Tribunal de Contas, tampouco seja usado para legitimar irregularidades ou postergar o cumprimento de leis, notadamente as normas gerais editadas com fundamento na Constituição da República.


LUCIENI PEREIRA
Auditora de Controle Externo do Tribunal de Contas da União
Presidente da ANTC

________________________________
1 Constituição de 1988: Art. 71, IX – “assinar prazo para que o órgão ou entidade adote as providências necessárias ao exato cumprimento da lei, se verificada ilegalidade”;
2 Nota Técnica ATRICON e ABRACOM.


NOTA TÉNICA ANTC Nº 12/2016.


Fonte: Comunicação ANTC.

Imprimir   Email