A ASSOCIAÇÃO NACIONAL DOS AUDITORES DE CONTROLE EXTERNO DOS TRIBUNAIS DE CONTAS DO BRASIL (ANTC) vem a público informar à sociedade a importância da recente decisão da 5ª Câmara de Combate à Corrupção do Ministério Público Federal, da Procuradoria-Geral da República, que decidiu não homologar o acordo de leniência extrajudicial celebrado, no âmbito do Poder Executivo Federal, entre a empresa holandesa SBM Offshore e a Petrobrás - assegurada a representação extrajudicial da Advocacia-Geral da União e a interveniência do Ministério da Transparência, Fiscalização e Controle (MTFC) -, do qual também participou o Ministério Público Federal (MPF).
1. Após a divulgação de não-homologação do acordo pela Câmara competente da Procuradoria-Geral da República, o MTFC emitiu nota à imprensa com esclarecimentos sobre a decisão relacionada ao referido acordo e possíveis efeitos.
2. A nota traz argumentos apelativos que, em certos trechos, ganham contorno ‘ad terrorem’, com equívocos jurídicos e sobre valores vultosos que não expressam a verdade dos reais efeitos da não-homologação do acordo com a empresa holandesa.
3. O texto divulgado para a imprensa menciona que o MTFC “reconhece as competências constitucionais do Tribunal de Contas da União, tendo disponibilizado total acesso aos autos, com vista ao integral acompanhamento dos procedimentos adotados”. Esse registro, porém, não corresponde à verdade dos fatos de domínio público.
4. A uma, porque a ex-Controladoria-Geral da União (CGU) impetrou o Mandado de Segurança nº 34.031 no Supremo Tribunal Federal contra decisão do TCU que determinou o envio dos documentos de acordo com as fases estabelecidas na Instrução Normativa TCU nº 74, de 2015.
5. A duas, o próprio subitem IV do item 8.2 do acordo de leniência, celebrado em 15/7/2016 e rejeitado pela 5ª Câmara de Combate à Corrupção da PGR, evidencia - conforme transcrição na página 30 do Voto nº 9.212/2016 amplamente divulgado no site da PGR - que o pacto firmado com a SBM foi o encaminhamento do acordo ao TCU somente após a sua assinatura, em flagrante afronta ao que determina a IN TCU nº 74, de 2015, uma vez que a Medida Provisória nº 703, de 2016, perdeu eficácia em 29/5/2016, um mês e meio antes da assinatura do acordo, portanto.
6. Em outro trecho, a nota ressalta que, segundo estudo técnico aprovado pelo Conselho de Administração da Petrobras, a não-homologação do acordo poderia levar “à perda da produção de óleo e gás na ordem de 15% entre os anos de 2016 e 2020”. Ainda segundo a nota, o “prejuízo avaliado é de no mínimo US$ 12,66 bilhões, sem considerar reflexo no preço final do combustível ao consumidor, nem o impacto para a União sobre a receita tributária, em função dessa perda de produção”. O texto finaliza com o registro de que, “com a não aprovação do acordo, a Petrobras deixará de receber valor superior a R$ 1 bilhão pactuado no Acordo”.
7. De forma diversa, a Petrobrás prestou os seguintes esclarecimentos à Associação Contas Abertas por meio de nota: “A Petrobrás esclarece que a informação relativa a eventual prejuízo de US$ 12,66 bilhões representa uma estimativa na hipótese de rescisão de todos os contratos vigentes entre a Petrobrás e a SBM, no período de 2016-2020, sem que houvesse qualquer alternativa para a sua substituição”. E segue a nota: a “não homologação do acordo pelo MPF impossibilita o ressarcimento de US$ 328,2 milhões pela empresa holandesa à Petrobras, mas não implica, necessariamente, na rescisão dos contratos vigentes entre SBM e Petrobras”.
8. No que tange à alegação de prejuízo da ordem de US$ 12,66 bilhões, com possíveis impactos no preço dos combustíveis e na arrecadação federal, além de constituir argumento 'ad terrorem' que não merece crédito, trata-se de falácia que se descredencia pela simples leitura das declarações oficiais da própria Petrobrás, conforme transcrito no item precedente. Outra alegação duvidosa é o suposto prejuízo para a Petrobras, que deixaria de receber uma multa de R$ 1 bilhão. Segundo os termos do Voto nº 9.212/2016, há dúvidas quanto ao montante da multa que a Petrobras receberia com a assinatura do acordo (pág. 19 e seguintes).
9. Também não é possível atestar a utilidade do acesso a 1 (um) terabyte de informações disponibilizadas pela SBM, uma vez que, conforme consta do Voto nº 9.212/2016, trata-se de compromisso extremamente vago, já que não se tem qualquer referência a qual tipo de informações, em que tipo de linguagem ou programa e, especialmente, em que volume está-se dando acesso aos órgãos de controle brasileiros (pág 23). Ressalta-se a existência de cláusula no acordo que veda tirar fotografia ou reproduzir de qualquer outra forma o conteúdo da base de dados e permitir que outras partes ou terceiros tenham acesso à base de dados ou ao seu conteúdo, impossibilitando o uso de tais provas em juízo ou em outras esferas, como por exemplo nas investigações do TCU. Quanto aos possíveis efeitos pedagógicos do acompanhamento da implementação do programa de compliance da empresa holandesa, isoladamente, a medida revela-se desproporcional aos benefícios ofertados no acordo assinado, uma vez que a SBM sequer reconhece a prática de qualquer ilícito, de forma que não se sabe o que se procurará.
10. O exame de acordos dessa natureza precisa ser feito sob uma perspectiva alargada, que coloque no centro do debate os fins a que se prestam os acordos de leniência no contexto das convenções internacionais de combate à corrupção das quais o Brasil é signatário. Primeiro, porque não se pode jamais perder de vista que acordo de leniência constitui técnica sofisticada de investigação e só como tal pode ser celebrado. Segundo, é preciso que o resultado do acordo seja vantajoso para o órgão ou entidade lesada pelos atos ilícitos, no caso a Petrobras.
11. Entretanto, ao avaliar o acordo de leniência, a 5ª Câmara de Combate à Corrupção da PGR entendeu que os termos não revelam qual o proveito para a investigação, o que é absolutamente indispensável, tampouco evidenciam as reais vantagens para empresa brasileira vítima dos ilícitos. Por outro lado, o mercado financeiro não sinaliza que a ação firme de controle do MPF - não menos cautelosa - possa ter causado prejuízo à principal interessada que é a Petrobras.
12. Após a divulgação da decisão de não homologar o acordo em questão, as ações da Petrobrás na BM&F BOVESPA saltaram do patamar de R$ 13,00 para R$ 13,50 (PETR4) e de R$ 14,90 para R$ 15,60 (PETR3). Na bolsa de NOVA YORK, as ações da empresa brasileira subiram do patamar de US$ 9,20 para US$ 9,65. Enquanto isso, as ações da SBM Offshore na EURONEXT (Holanda) caíram da faixa de EUR 13,30 para EUR 11,41 no mesmo período.
13. Isso demonstra a necessidade de dispensar a máxima cautela na análise e na divulgação de informações econômico-financeiras e dos possíveis impactos da celebração ou não de acordos de leniência, pois a leitura linear dessas informações, sem a devida contextualização, pode levar os cidadãos e até mesmo os especialistas formadores de opinião à ideia equivocada sobre os reflexos das ações de controle realizadas pelos órgãos autônomos, tais como o MPF e o TCU.
14. Antes de concluir, destaca-se que a fiscalização dos acordos de leniência celebrados no plano extrajudicial não pode prescindir da observância de cautelas e balizas decorrentes dos princípios que regem a atuação do TCU na fiscalização quanto à legalidade, à legitimidade e à economicidade dos atos dos órgãos e entidades da União, consoante os artigos 70 e 71 da Constituição da República, a Lei nº 8.443, de 1992, e o Regimento Interno da instituição.
15. Em desfecho, é oportuno ressaltar que os termos do Voto nº 9.212/2016 da 5ª Câmara de Combate à Corrupção da PGR estão em consonância com a maior parte dos pontos defendidos, no âmbito do Projeto de Lei nº 5.208, de 2016, pelos representantes da ANTC, da AUD-TCU, de entidades parceiras e de notáveis da Academia, assim como consideram os aspectos e alertas apresentados pela ANTC durante a Audiência Pública realizada pela Comissão Especial das Medidas de Combate à Corrupção.
Brasília, 3 de setembro de 2016.
LUCIENI PEREIRA
Presidente da ANTC
Fonte: Comunicação ANTC.