CARTA ABERTA AOS AUDITORES DE CONTROLE EXTERNO

Caros Auditores:

Fomos contemplados na semana passada com uma iniciativa legislativa que reconhece a importância e coloca o controle externo brasileiro no centro do debate no Congresso Nacional. Trata-se da Proposta de Emenda Constitucional nº 40, de 2016, batizada de ‘PEC do Padrão Mínimo’ para os Tribunais de Contas. Para além de estabelecer o código nacional de controle externo, a proposta padroniza o Órgão de Instrução das 34 Cortes de Contas existentes no País e cria as condições para assegurar a identidade nacional dos Auditores de Controle Externo.

A proposta reflete, em quese sua totalidade, os conceitos constantes dos pontos apresentados na Campanha das Dez Prerrogativas realizada recentemente pela AUD-TCU, sendo o primeiro e mais importante a definição precisa das atribuições do cargo de Auditor Federal de Controle Externo-Área de Controle Externo. Após uma semana de ampla divulgação, a AUD-TCU coletou mais de 320 assinaturas de Auditores-Área de Controle Externo lotados na da Sede do TCU e nas Regionais, além de assinaturas eletrônicas coletadas pelo site da ANTC, que replicou a Campanha.

A finalidade da iniciativa é conferir a segurança necessária para o desempenho das funções de controle externo não apenas pelos Auditores do TCU, padronizando a nomenclatura e demais atributos do cargo a ser observado pelo Órgão de Instrução dos 34 Tribunais de Contas existentes no País.

A despeito do inegável caráter republicano da proposta, plenamente alinhada à Constituição de 1988 e à jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF) e decisões do TCU, a iniciativa foi alvo de ataque veiculado por mensagem eletrônica intitulada “Editorial” assinado pelo Diretor Administrativo do Sindilegis e Diretor Jurídico e Parlamentar da Auditar.

No ‘Editorial’, o representante declara que o “Sindilegis, a Auditar e Una-TCU pretendem solicitar ao presidente do TCU que encaminhe um projeto de lei que trate exclusivamente de duas coisas: o fim dessa divisão e a implantação do requisito de nível superior para o concurso de Técnicos”. Alega, para tanto, a discussão do tema no recente Congresso da Auditar em Maceió.

Oportuno anotar que a Auditar incluiu na Carta de Maceió a diretriz de "Endossar integralmente as conclusões do Grupo de Trabalho constituído pela OS CCG 1/2015". Porém, o resultado do Grupo de Estudo instituído pelo referido ato da CCG/TCU não é conhecido, estando o processo, posto em sigilo, sobrestado no âmbito da própria CCG/TCU. Como os participantes deliberaram sobre o resultado de um estudo cujo teor encontra-se sob sigilo, sendo desconhecido?

A situação merece, no mínimo, esclarecimento público por parte da Administração do TCU sobre o estágio em que se encontrava o processo na data do referido evento, assim como até os dias atuais, informando a todos os servidores por que o resultado de um documento sigiloso pode ser endossado integralmente em um evento da Auditar.

Nessas bases de obscuridade inaceitável, a Carta de Maceió não tem a menor condição de ser considerada como aval ou 'cheque em branco' dos Auditores-Área de Controle Externo para Auditar ou Sindilegis defenderem transformação de cargo administrativo em cargo finalístico de controle externo, em flagrante afronta à Constituição de 1988 e à jurisprudência do Supremo Tribunal Federal.

É importante registrar que, durante reunião na Presidência do TCU em 1/7, representantes da ANTC e da AUD-TCU abordaram o tema com o Secretário-Geral da Presidência, que declarou que o resultado do referido estudo estava sob sigilo e sobrestado na CCG. As entidades pediram a referida autoridade que a questão fosse amplamente esclarecida junto aos Auditores-Área de Controle Externo e demais servidores do TCU, pois não é possível a Auditar induzir os servidores da Casa a deliberarem sobre matéria cujos estudos sequer foram concluídos, tampouco há divulgação oficial, mantido em caráter de sigilo. O Secretário-Geral da Presidência se comprometeu esclarecer a questão por meio de nota pública, o que a ANTC e a AUD-TCU aguardam.

Fica nítido que tanto a Auditar quanto o Sindilegis não promovem, com a franqueza e a transparência que a matéria exige, debate maduro e pautado na ordem jurídica com as distintas classes representam. Nunca houve um debate sério e amplo sobre a transformação de cargos de natureza administrativa em cargos de natureza finalística, tampouco acerca de alteração do requisito de investidura do cargo de complexidade e responsabilidade de nível intermediário.

Recebi com espanto e perplexidade a mensagem do representante do Sindilegis e da Auditar. Nos Estatutos das respectivas entidades não há uma só passagem que legitime os representantes a patrocinarem demandas que envolvem temas que não são de interesses comuns.

Previsão em sentido contrário não seria razoável, uma vez que não faz o menor sentido o patrimônio constituído por um grupo de sócios ser utilizado contra seus próprios interesses corporativos e/ou profissionais. Não por acaso, a jurisprudência pacífica do STF e do Superior Tribunal de Justiça (Recurso Ordinário em Mandado de Segurança nº 23.868) não reconhece a legitimidade jurídica de entidades para representar a categoria quando há conflito de interesses entre grupos distintos de associados. Não há dúvida quanto aos interesses conflitantes entre os sócios da Auditar e do Sindilegis no que tange aos temas ventilados.

Não é de hoje que o Sindilegis faz lobby no Congresso Nacional em prol da agenda corporativa dos servidores administrativos do TCU, em detrimento dos interesses dos Auditores-Área de Controle Externo, sempre preteridos em suas opiniões, que sequer são verificadas, menos ainda consideradas. Em 1999, a atuação do Sindilegis, quando da tramitação do Projeto de Lei nº 2.208, de 1999, comprometeu, sobremaneira, a transparência do quadro de pessoal do TCU. À época, o Sindicato atuou em prol de um grupo de 80 servidores administrativos em detrimento da lógica e harmonia jurídica verificada na estrutura proposta pelo TCU. A investida sindical, lamentavelmente, resultou em deformações no texto da Lei nº 10.356, de 2001, que beiram inconstitucionalidades, o que é incompatível com a missão de uma instituição de controle externo como o TCU.

De prático, mutilou-se a denominação transparente proposta pelo TCU para o cargo genérico que passou a congregar servidores anteriormente concursados para distintos cargos de natureza administrativa, tais quais, nutricionista, analista de sistema, bibliotecário, enfermeiro, médico, programador, psicólogo, passando de 'Analista Administrativo' para 'Analista de Controle Externo-Área de Apoio Técnico Administrativo'. Essa deformação despertou nesses servidores administrativos, embora sem qualquer respaldo na Constituição da República e na jurisprudência do STF, a falsa expectativa de poderem exercer atividades finalísticas de controle externo para as quais não prestaram concurso público específico.

A tentativa de transformação de cargos de natureza administrativa para cargo de natureza finalística de controle externo, com mudança não apenas do título do cargo, como também da natureza, requisitos de investidura e rol de atribuições, é ideia desconexa da mais balizada jurisprudência do STF e não tem como prosperar.

Segundo entendimento do STF assentado na ADI nº 266, embora, em princípio, admissível a “transposição” do servidor para cargo idêntico de mesma natureza em novo sistema de classificação, o mesmo não sucede com a chamada “transformação” que, visto implicar alteração do título e das atribuições do cargo, configura novo provimento, a depender da exigência de concurso público, inscrita no artigo 37, inciso II, da Constituição da República.

A nomenclatura ‘Auditor’ é juridicamente significante e não é própria para denominar cargos cujas atribuições são de natureza eminentemente administrativa voltadas para a gestão das unidades administrativas do próprio TCU. A ideia ventilada pelo representante do Sindilegis e da Auditar banaliza o uso da expressão ‘Auditor de Controle Externo’ ao imaginar estendê-la a cargos de natureza administrativa.

É indiscutível que o termo ‘Auditor’ não guarda significado jurídico compatível com a função de gestão administrativa do TCU. Grosso modo é como se resolvesse nominar o cargo de Auditor de Controle Externo dos 34 Tribunais de Contas de, por hipótese, ‘Delegado de Controle Externo’ ou ‘Procurador de Controle Externo’ ou ‘Ministro-Substituto de Controle Externo’ ou ‘Juiz de Controle Externo’ ou qualquer outra expressão sob pretexto de valorizar os profissionais incumbidos dessa relevante função.

Critica-se, a esmo e de forma inconvenientemente emotiva, a proposta do Senador Ricardo Ferraço cujo objetivo angular é aperfeiçoar o controle externo brasileiro com o fim de evitar sucessivas crises fiscais que comprometem o desenvolvimento econômico e social e futuro da Nação.

Invocar a configuração de ‘cargo único’ para transformar um cargo de natureza administrativa em cargo de natureza finalística além de ser idéia que ostenta deficiências jurídicas e lógicas, não enfrenta o problema com fidelidade, pois a questão toca diretamente em atributos constitucionais que passam pela denominação, prerrogativas institucionais, complexidade, responsabilidade, natureza das atribuições e requisito de investidura do cargo, que são completamente distintos.

Nessas bases, a ideia ventilada demonstra-se desprovida de plausibilidade jurídica e inequivocamente ofensiva a princípios básicos que regem a Administração Pública, notadamente os princípios da razoabilidade e da motivação, o que já levou o Poder Judiciário declarar a inconstitucionalidade de leis com pretensão semelhante. Cite-se, a título de precedente, a decisão proferida no Processo nº 20140020023008 ADI (0002312-89.2014.8.07.0000), julgado recentemente pelo Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJDFT).

O posicionamento do representante da Auditar e do Sindilegis que aponta para unificação de cargos de nível superior de naturezas, denominações, complexidade, responsabilidade e requisitos de investidura completamente distintos não se harmoniza com o ordenamento jurídico pátrio, além de demonstrar total desprezo pela necessidade de preservar a credibilidade das decisões TCU na esfera de controle externo, o que é preocupante.

Apenas toma partido - sobre matéria inegavelmente conflitante - em prol dos anseios de um grupo de no máximo 200 servidores administrativos de nível superior concursados para as especialidades previstas no artigo 20 da Lei nº 10.356, de 2001 (médico, nutricionista, bibliotecário, analista de sistema, psicólogo, dentre outros), em detrimento do interesse não apenas corporativo - que é legítimo - mas dos interesses profissionais de um grupo que pode chegar a 1.576 Auditores-Área de Controle Externo do TCU, porque afronta a Constituição de 1988 e a jurisprudência que respalda a atuação dos Auditores na esfera de controle externo.

O número de sócios do Sindilegis e da Auditar no TCU não justifica a imposição da tirania de uma suposta maioria - que nunca se confirmou com manifestação objetiva - em flagrante desrespeito às opiniões discordantes, requisito essencial para Democracia. A intenção de condutas opressoras e arrogantes como essa não é outra senão tentar constranger e obstaculizar, sem qualquer apreço pela JUSTIÇA, a defesa dos interesses de um grupo de Auditores-Área de Controle Externo comprometido com os valores norteadores do controle externo e a preservação da imagem e a credibilidade da instituição Tribunal de Contas.

Oportuno relembrar que a democracia só sobrevive quando se tem dentro dela os mecanismos institucionais de pesos e contrapesos, porque o que garante alguma liberdade na democracia é justamente a possibilidade de se ter conflito de interesses institucionalizado, para que sejam resolvidos dentro do jogo democrático, no caso em questão, por meio de debates pautados na Constituição de 1988.

O avanço no processo de consolidação da identidade nacional de milhares de Auditores de Controle Externo dos 34 Tribunais de Contas não pode ser pautado pelos anseios de um grupo de no máximo 200 servidores administrativos do TCU, que se valem da atuação autoritária de entidades para a perpetuação de desvios de função que afrontam a Constituição da República e maculam o devido processo legal, com o comprometimento, de forma inaceitável, das garantias processuais constitucionalmente asseguradas às partes sujeitas ao processo de controle externo.

A atuação de integrantes das Diretorias do Sindilegis e da Auditar contra os avanços propostos pela PEC 40/2016, em que tomam partido de um dos grupos de sócios que representam em detrimento de outros, não se demonstra revestida de razoabilidade e proporcionalidade, na medida que essas entidades usam o patrimônio constituído por um grupo (no caso os Auditores-Área de Controle Externo) contra seus próprios interesses, podendo tal conduta constituir grave lesão e ameaça a direito dos sócios, o que requer atenção dos Dirigentes dessas entidades.


Brasília, 25 de julho de 2016.


LUCIENI PEREIRA
Presidente da ANTC


Fonte: Comunicação ANTC.

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