NOTA DE APOIO AO TCU

A Associação da Auditoria de Controle Externo do Tribunal de Contas da União (AUD-TCU) e a Associação Nacional dos Auditores de Controle Externo dos Tribunais de Contas do Brasil (ANTC) vêm a público manifestar apoio à Nota de Repúdio do Tribunal de Contas da União às declarações do Ministro-Chefe da Advocacia-Geral da União, quando, durante audiência pública na Comissão Mista de Orçamento do Congresso Nacional, de forma equivocada, afirmou que o parecer prévio do TCU sobre as contas prestadas pela Presidente da República referentes ao exercício de 2014 foi emitido com base em “manipulação de conceitos”.

Clique aqui e confira a Nota de Repúdio do TCU.

A emissão de parecer prévio indicando a rejeição das contas da Presidente da República referentes a 2014 é um marco para o controle externo, que coroa um gradual processo de aperfeiçoamento das instituições republicanas brasileiras, que não se colocam em posição subalterna em relação aos interesses econômicos e políticos.

Isso, sem dúvida alguma, constitui quebra do paradigma vigente na sociedade, o que em geral não ocorre desacompanhada de manifestações de resistência e até mesmo ataques injustos.

Dizer que o TCU ‘manipulou conceitos’ para emitir o parecer prévio pela rejeição das contas de 2014 da Presidente da República é não tratar com técnica e seriedade tema relevante, cujos reflexos alcançam todos os cidadãos. Negar que os bancos públicos financiaram, em valores substanciais e ao arrepio de vedação da LRF, as despesas próprias do Governo Federal é faltar com a verdade.

O processo das contas de 2014 traz atas oficiais em que integrantes da cúpula do Governo Federal reconhecem, por exemplo, que os adiantamentos concedidos pelo FGTS/CAIXA, no âmbito do ‘Programa Minha Casa Minha Vida’, para pagamento de subvenções de responsabilidade da União, constituem operação de crédito de acordo com o conceito jurídico estabelecido pela LRF. Os Auditores também recorreram a documentos oficiais do Ministério da Fazenda e da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) com manifestações sobre o conceito de operação de crédito em fiscalizações realizadas nos 15 anos de vigência da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF).

A LRF foi editada pelo Congresso Nacional com o objetivo claro de:

i) prevenir deficits imoderados;

ii) limitar gastos continuados a patamares prudentes;

iii) prevenir desequilíbrios estruturais nas contas públicas; e

iv) forçar a adoção de processo permanente de planejamento da atuação estatal, goste o Governo de plantão ou não. Quis o legislador conter as soluções artificiosas com o propósito de criar alternativas impróprias para as restrições de receita pública visando custear políticas expansivas de gasto sem cobertura orçamentária, prática bastante comum no período anterior à LRF, em especial em anos eleitorais. Ao gestor compete gerir as finanças de acordo com a Lei, e aos órgãos de controle fiscalizar nos marcos da LRF.

Não há como negar que a falta de contingenciamento é um dos fatores que levou ao descumprimento das metas fiscais de resultado primário e nominal em 2014 - que encerraram o ano com deficit primário de R$ 22,5 bilhões e deficit nominal de R$ 273 bilhões. Também não há como negar, num debate honesto, que esses resultados deterioraram as finanças públicas. Um dos reflexos pode ser verificado na taxa de juros implícita divulgada pelo Banco Central, que em junho de 2014 chegou a 34,1%, alcançando 39,5% ao final de 2015 e já atingiu 43,4% em janeiro deste ano, índices negativos que são reflexo da condução da política fiscal em 2014.

A magnitude das ‘pedaladas fiscais’ em 2014, da ordem de R$ 57 bilhões, não tem precedente na história após a edição da LRF. Tais operações foram realizadas com o nítido propósito de burlar a programação financeira e o cronograma mensal de desembolso de forma a camuflar a necessidade de contingenciar despesas discricionárias em ano eleitoral. O efeito da irresponsabilidade na gestão fiscal é inegável: resultado fiscal negativo, aumento de inflação, de desemprego, da taxa básica de juros (Selic).

Diferentemente do que propagam em falsas campanhas, as dívidas decorrentes de ‘pedaladas fiscais’ não foram para beneficiar programas sociais, mas empresários com financiamentos subsidiados pelo povo. Os números não deixam dúvida: BNDES/Finame: R$ 23,9 bilhões (42%); FGTS: R$ 19,4 bilhões (34%); Banco do Brasil: R$ 13,2 bilhões (23%).

O Advogado-Geral da União pode não gostar dos conceitos e vedações estabelecidos pela LRF, em especial as regras para conter a tendência de gastos irresponsáveis em último ano de mandato. Mas não pode negar os números e seus reflexos negativos para a política macroeconômica e o bem-estar social.

Ao analisarem a prestação de contas da Presidente da República de 2014, os Auditores de Controle Externo do TCU pautaram-se em evidências e em valores jurídicos, de forma técnica, responsável, imparcial e serena, tendo como bússola a Constituição da República, a Lei de Responsabilidade Fiscal e outras normas de finanças públicas, a Lei Orgânica do TCU e seu Regimento Interno. Judicializado o processo em duas oportunidades, o Supremo Tribunal Federal não identificou a necessidade de intervir para garantir o alinhamento com a ordem jurídica.

É errôneo acreditar que o controle externo exercido pelo TCU, em especial as ações de fiscalização conduzidas por Auditores de Controle Externo concursados e que atuam com independência funcional, não afetará interesses políticos, uma vez que a própria Constituição e a Lei de Responsabilidade Fiscal são repletas de dispositivos que cotejam temas econômicos e de gestão que interferem em assuntos políticos.

As regras de ‘não fazer’ e as específicas que vedam condutas no último ano do mandato do titular do Poder e órgão autônomo são exemplos clássicos desse reflexo inevitável, sem que isso possa ser confundido com atuação ‘politizada’ do órgão de controle externo.

A prolatada segurança jurídica presente nos discursos do Advogado-Geral da União para defender a regularidade das contas não pode servir, ainda que inconscientemente, como pretexto ou escudo de proteção do descumprimento da Lei de Responsabilidade Fiscal, da ‘maquiagem fiscal’, da fraude, da malversação, da esperteza, e até do desconhecimento de causa de quantos não estejam tecnicamente preparados à altura para o desempenho das funções para as quais foram eleitos ou indicados.

A Lei de Responsabilidade Fiscal é um patrimônio da sociedade e deve ser igualmente aplicada em toda Federação, do Oiapoque ao Chuí. Segurança jurídica - pressuposto mínimo de Justiça - é também instituto essencial de sustentação normativa do Estado democraticamente solidário, cuja manutenção da paz e da Justiça depende do tratamento igualitário rigorosamente dispensado a todos, não apenas aos Prefeitos da maioria dos Municípios com menos de 50 mil habitantes.

É inconcebível que em se dispondo de uma Constituição Cidadã que inaugura o Estado de Direito, alguma autoridade da República possa exercer suas funções como se ela não existisse.

O sistema democrático e o modelo republicano não admitem, nem podem tolerar, a existência de regimes de governo sem a correspondente noção de fiscalização e de responsabilidade. Nenhuma instituição da República, no âmbito da União, está acima da Constituição e das leis, nem pode pretender-se excluída da fiscalização do TCU e da crítica social ou do alcance da fiscalização da coletividade.

Nas duas últimas décadas, o controle externo exercido pela Corte de Contas avançou consideravelmente, assim como a nossa sociedade democrática. Os Auditores de Controle Externo do TCU não sucumbirão àqueles que invocam equivocadamente o Direito para perpetuar impunidades sob o manto sacrossanto do princípio da segurança jurídica deturpado para conferir privilégios a detentores do poder político.


Brasília, 4 de março de 2016.


MARCELO ROCHA DO AMARAL
Presidente da AUD-TCU


LUCIENI PEREIRA
Presidente da ANTC


Fonte: Comunicação ANTC.

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