Deputado defende modelo institucional para acordo de leniência que preserva as competências constitucionais dos Tribunais de Contas, Ministério Público, Judiciário e Advocacia Pública.
Na tarde desta quarta-feira (10/2), a Presidente da ANTC, Lucieni Pereira, se reuniu com o Líder do Democratas, Deputado Pauderney Avelino (AM), e integrantes da Assessoria Jurídica, para avaliar as estratégias de discussão da Medida Provisória nº 703, de 2015, que altera substancialmente a Lei Anticorrupção e interfere nas competências de instituições de controle, podendo comprometer, sobremaneira, as investigações da Operação Lava-Jato.
Após discussão sobre as propostas e o resultado de novas pesquisas jurídicas, o Deputado apresentou, na tarde desta quinta-feira (11/2), a Emenda nº 145 com novo Substitutivo Global. Novamente, Pauderney considerou as ponderações apresentadas pela ANTC e pela Associação da Auditoria de Controle Externo do Tribunal de Contas da União (AUD-TCU). A proposta, que inclusive incorpora sugestões apresentadas por especialistas que discutem o Projeto de Lei nº 3.636, de 2015, visa harmonizar a Lei Anticorrupção com a Constituição de 1988 e as Leis vigentes, em especial as que dispõem sobre representação judicial e extrajudicial dos entes da Federação. O objetivo da proposta é que o Brasil disponha de um arcabouço normativo que, de fato, contribua para prevenção e combate à corrupção, caso contrário a Lei Anticorrupção produzirá efeito inverso, aumentando ainda mais a percepção de impunidade no País.
Confira a modelagem institucional e a síntese da proposta:
DISPOSITIVO
SÍNTESE DAS PRINCIPAIS PROPOSTAS DA EMENDA DE SUBSTITUTIVO GLOBAL Nº 145 APRESENTADA À MEDIDA PROVISÓRIA Nº 703/2015
Art. 15, caput
Determina a ciência da instalação a Comissão designada para apuração da responsabilidade de pessoa jurídica não apenas ao Ministério Público, mas também ao Tribunal de Contas, órgão competente para exercer o controle dos acordos celebrados no plano extrajudicial.
Art.16, caput
Elege o Ministério Público ou a pessoa jurídica do ente da Federação, devidamente representada pelo órgão jurídico, para celebrar acordo de leniência que afete interesse da União, Estados, Distrito Federal e Municípios.
As propostas que elegem mais de 11 mil órgãos de controle interno como parte na celebração, isoladamente, de acordos de leniência no plano extrajudicial viola o artigo 131 da Constituição da República, que reserva essa competência ao órgão jurídico, não havendo respaldo nos artigos 70 e 74 da Constituição que fundamente a inclusão dessa função ao controle interno.
A proposta harmoniza a Lei Anticorrupção com as disposições constitucionais e legais vigentes, em especial a Lei Complementar nº 73, de 1993, regulamentada pela Lei nº 9.469, de 1997, que insere no rol de atribuições do Advogado-Geral da União a competência para, em conjunto com o dirigente estatutário da área afeta ao assunto (Ministro de Estado), autorizar a realização de acordos ou transações para prevenir ou terminar litígios, inclusive os judiciais, ou seja, inclui os acordos celebrados no âmbito extrajudicial.
Em suma: não há espaço para celebração de acordo de leniência no âmbito extrajudicial à margem do órgão jurídico e sem autorização da autoridade administrativa dos Poderes e órgãos autônomos.
Os Tribunais de Contas e os órgãos do Poder Judiciário não foram inseridos no rol das partes que poderão celebrar os acordos, pois são órgãos constitucionais com função judicante que devem exercer o controle sobre os termos dos acordos de leniência, cada qual na sua esfera de competência, com imparcialidade de forma a assegurar as garantias das partes por força dos artigos 73 e 96, inciso I, alínea ‘a’ da CR, e artigo 8º do Código de Ética da Magistratura, exercendo os poderes explícitos e implícitos que decorrem do arcabouço constitucional. Tais órgãos judicantes exercerão o controle sobre os acordo de leniência na forma que estabelecer as leis processuais e seus regimentos internos, conforme estabelece a Constituição, sem espaço para Lei Anticorrupção tratar de tais matérias.
Entende-se que as diversas propostas de emenda que inserem o Tribunal de Contas da União como parte dos acordos de leniência não se demonstram harmônicas com o arcabouço jurídico vigente, inclusive de índole constitucional, revelando-se conflitantes com as disposições constitucionais e legais que regem a Magistratura.
Art. 16, § 4º
Prevê que os acordos de leniência deverão ser homologados pela autoridade judicial competente, em processo judicial a ser conduzido na esfera cível, para produzir efeito sobre as sanções de natureza cível previstas na Lei Anticorrupção e na Lei nº 8.429, de 1992 (Lei de Improbidade Administrativa).
Estabelece, ainda, que a cláusula que eventualmente fixar o valor inicial de reparação, que será considerado parcela incontroversa do dano, terá eficácia de título executivo desde que os termos do acordo sejam submetidos à homologação judicial.
A proposta visa conferir segurança jurídica aos acordos, pois é a única forma de fazer coisa julgada e afastar ações paralelas na esfera cível, a exemplo de ações populares (propostas por cidadãos) e ação civil pública (proposta por associações e outros legitimados pela Lei), que podem desestimular as empresas de colaborarem com as investigações.
Acordos de leniência celebrados pelo Ministério Público no âmbito de procedimento administrativo, sem apreciação judicial em procedimento específico na esfera cível, a exemplo de termos de ajustamento de conduta (TAC), não afastarão as sanções de natureza cível previstas no artigo 19 da Lei Anticorrupção e na Lei de Improbidade Administrativa.
Art. 16, §§ 11 e 12
Órgão jurídico pode, nos termos da sua Lei Orgânica, celebrar acordo de leniência na esfera cível, ou seja, mediante processo judicial de natureza cível, e esse acordo impedir o prosseguimento de ações cíveis em curso e o ajuizamento de novas ações cíveis pelo ente da Federação com base na Lei Anticorrupção e na Lei de Improbidade Administrativa, desde que sejam cumpridos alguns requisitos necessários para preservar os mandamentos constitucionais. A proposta também exige que o acordo assegure:
• a efetiva reparação do dano na esfera cível quando verificada essa circunstância, sem prejuízo de reparação adicional ao erário público em montante fixado pelo Tribunal de Contas em razão do que for constatado em auditorias, inspeções e tomadas de contas especiais previstas constitucionalmente;
• a pessoa jurídica infratora aceite pelo menos uma das sanções estabelecidas pela Lei de Improbidade Administrativa e não tenha sido beneficiada pelo mesmo instituto nos últimos cinco anos ou não haja descumprido acordo anterior no mesmo período.
O acordo de leniência celebrado na esfera cível pelo órgão jurídico em conjunto com o Ministério Público competente impedirá o ajuizamento ou o prosseguimento da ação já ajuizada pelo ente da Federação e pelo Ministério Público, desde que seja homologado judicialmente.
Em suma: somente acordos celebrados no âmbito do processo judicial na esfera cível poderá impedir o prosseguimento de ações já ajuizadas e o ajuizamento de novas ações judiciais contra a pessoa jurídica infratora (empresa).
Art. 16, §14
Fixa prazo de 45 dias, prorrogado uma única vez, para a empresa interessada em celebrar o acordo de leniência se qualificar e ser habilitada. Atualmente, basta a empresa manifestar interesse em celebrar o acordo de leniência para impedir que as demais empresas interessadas (e que eventualmente têm provas mais robustas) possam ser beneficiadas com íntegra dos benefícios previstos na Lei.
Art. 16, §15
Proíbe a celebração de acordo de leniência nas esferas administrativa e cível pelo órgão jurídico que representa o ente da Federação no curso de investigação na esfera criminal.
Somente o Ministério Público, que tem acesso a informações sigilosas provenientes de ações penais em curso, pode avaliar se as informações apresentadas pelas empresas infratoras contribuem de fato para a investigação.
Essa é a única hipótese de acordo de leniência na esfera cível no curso de ação penal que tratar sobre o mesmo ato ou fato ilícito disciplinado pela Lei Anticorrupção.
A medida evita que acordos celebrados na esfera administrativa ou cível pelo órgão jurídico venham obstaculizar as investigações na esfera criminal, como ocorre no momento com as empresas investigadas na Operação Lava-Jato.
Art. 16, §16
O dispositivo garante que os acordos de leniência celebrados na esfera cível ou administrativa pelo órgão jurídico em conjunto com a autoridade administrativa sejam balizados pelos trabalhos de fiscalização realizados pelos órgãos de controle interno dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário.
No caso de acordo de leniência celebrado no plano da representação extrajudicial, este deve considerar as decisões dos Tribunais de Contas já proferidas sobre a matéria.
Art. 16, §17
O dispositivo visa promover a articulação entre os órgãos de controle, sem comprometer a independência das instâncias de responsabilização (cível e de controle externo), mediante o compartilhamento de informações que possam subsidiar os acordos de leniência pelo Ministério Público.
Art. 17, caput
Define expressamente que a autoridade administrativa prevista nas normas de licitações pode celebrar acordo de leniência em conjunto com o órgão jurídico, com repercussão restrita à esfera administrativa.
A proposta harmoniza as disposições do artigo 87 da Lei nº 8.666, de 1993, e da Lei nº 9.469, de 1997, que elegem a autoridade administrativa (Ministro de Estado e Secretários estaduais e Municipais) e obrigam a participação do Advogado-Geral da União na celebração de qualquer acordo que afete interesse da União.
Art. 17-A, caput
Fixa claramente que os acordos celebrados no plano da representação extrajudicial ficam sujeitos ao controle externo dos Tribunais de Contas, já que nas demais hipóteses sujeitar-se-ão ao controle judicial mediante processo na esfera cível.
O Supremo Tribunal Federal reconhece ao Tribunal de Contas da União o poder geral de cautela, que lhe permite coartar qualquer ilegalidade ainda em curso, a fim de prevenir a ocorrência de lesão ao erário ou a direito alheio, bem como garantir a efetividade de suas decisões. Precedente Mandado de Segurança nº 26.547-DF.
O artigo 17-A inserido pela Medida Provisória 703 afronta gravemente a Constituição de 1988, sob a ótica formal e material, por violar a iniciativa privativa assegurada ao TCU para iniciar projeto de lei que verse sobre sua organização e funcionamento. Não pode a Lei Anticorrupção alterar as Leis Orgânicas do TCU e demais Tribunais de Contas.
A garantia está assegurada no artigo 73 c/c artigo 96, inciso II da Constituição da República, cujas matérias foram exaustivamente disciplinadas pela Lei nº 8.443, de 1992 (Lei Orgânica do TCU e correspondentes nos Estados), não cabendo seu disciplinamento em medida provisória, nem mesmo em lei de iniciativa do Congresso Nacional.
Precedentes sobre iniciativa privativa dos Tribunais de Contas: ADIs nºs789/DF, 1.994/ES, 789/DF, 1.381 MC/AL e 1.681 MC/SC, 2616-PR, 2654-AL, 4284-RR, 4643-RJ (liminar concedida em 2014), 5075-DF.
Art. 30, caput
Estabelece claramente que os acordos celebrados no âmbito da Lei Anticorrupção (esfera cível) não afastam a responsabilização de pessoas jurídicas com base na Lei de Improbidade Administrativa (também esfera cível), salvo os casos previstos expressamente na Lei Anticorrupção (§§ 11 e 12 do artigo 16), cujos termos deverão ser homologados pelo Juiz na forma do § 4º do artigo 16 e do artigo 18 com as redações propostas.
Art. 30, parágrafo único
Se o ato ou fato também configurar improbidade administrativa e/ou crime, o Juiz poderá, mediante requerimento do Ministério Público, autorizar o abrandamento de sanções cíveis previstas na Lei de Improbidade Administrativas aos representantes das empresas colaboradoras (pessoas físicas), assim como poderá reduzir as penas estabelecidas na lei penal específica a esses representantes (várias leis disciplinam o instituto da delação premiada - Lavagem de Dinheiro, Organização Criminosa, Tráfico de Drogas, etc).
Em ambos os casos, a matéria deverá ser tratada em procedimento judicial específico e observar a independência de cada esfera de responsabilização (uma cível e outra criminal).
A Medida provisória também é questionada no Supremo Tribunal Federal, por meio da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 5.466, ajuizada pelo PPS.
Clique aqui para visualizar a Emenda 145 à MPV 703 - Leniência.
Mais uma vez a ANTC e a AUD-TCU agradecem as Lideranças do Democratas e do PPS, em especial nas pessoas dos Deputados Pauderney Avelino e Raul Jungmann, pela confiança e pelo cuidado no trato dessa matéria essencial para a consolidação da democracia brasileira.
Fonte: Comunicação ANTC.