PROCURADOR PEDE MEDIDA CAUTELAR AO TCU SOBRE MP DOS ACORDOS DE LENIÊNCIA

O procurador do Ministério Público de Contas junto ao Tribunal de Contas da União, Júlio Marcelo de Oliveira, pediu ao Tribunal para que expeça medida cautelar em relação à medida provisória assinada pela presidente Dilma Rousseff que disciplina os acordos de leniência. Com a justificativa de evitar demissões, o texto gerou duras críticas de especialistas no assunto.

A preocupação do pedido é impedir que as repercussões dos acordos de leniência sobre outros órgãos, previstas em dispositivos da Medida Provisória 703, publicada no diário oficial, não incidam sobre a esfera do Controle Externo.

Para o procurador, essa questão precisa ser aclarada com urgência para que não sejam celebrados acordos de leniência sem a minudente fiscalização do TCU e sem a devida ciência de que tais acordos não têm o condão de afastar a fiscalização do TCU e todas as sanções que lhe compete aplicar.

Na representação, Júlio Marcelo afirma que a norma tem a pretensão de limitar a atuação do TCU apenas ao momento posterior à celebração dos acordos. “Como se o Poder Executivo pudesse estabelecer a forma como o controle externo pode exercer suas competências, como se não cumprisse ao próprio controle externo decidir o melhor momento para atuar na defesa do Erário”, explica.

De acordo com o procurador afigura-se verdadeiro ato de violência contra o Tribunal de Contas da União e aberração jurídica o Poder Executivo pretender, por meio de medida provisória, “obstar, limitar, condicionar ou modular a forma de agir do Controle Externo, que tem o poder-dever de fiscalizar o Poder Executivo”.

Outro ponto destacado pela representação é impor que eventuais acordos de leniência levem em consideração todo e qualquer trabalho de fiscalização já desenvolvido ou em curso no TCU.

“Não faz nenhum sentido que uma empresa citada por um determinado valor identificado em uma auditoria do TCU possa procurar a Controladoria-Geral da União ou a Advocacia-Geral da União para celebrar um acordo de leniência por uma fração desse valor. Seria, novamente, uma grave burla e afronta ao Controle Externo”, aponta.

Confira aqui representação completa.

Recomendação à CGU

O procurador Júlio Marcelo também fez recomendações específicas à CGU. A primeira delas aponta que sejam incluídas obrigatoriamente em eventuais acordos de leniência cláusulas por meio das quais as empresas celebrantes declarem tomar ciência de que tais acordos não vinculam de forma alguma o Tribunal de Contas da União.

Além disso, pede que fique claro para as empresas que continuarão em curso todos os processos já instaurados, e possíveis todos os eventuais, decorrentes de sua fiscalização, assim como continuam aplicáveis todas as sanções previstas em sua lei orgânica.

A recomendação ainda pede que a Controladoria observe na elaboração de acordos de leniência todos os trabalhos de fiscalização na esfera de controle externo já realizados pelo Tribunal de Contas da União, especialmente quanto à identificação de responsáveis e quantificação de danos ao Erário.

MP “acorberta” corrupção

O Medida Provisória vem sendo criticada. Juristas ouvidos em matéria do G1 afirmam que a MP “acoberta” empresas corruptas por permitir que as companhias, mesmo sob sanções, possam assinar novos contratos com o poder público.

Acordo de leniência é aquele em que uma empresa envolvida em algum tipo de ilegalidade, em troca de redução da pena ou até mesmo da eliminação das multas, denuncia o esquema e se compromete a auxiliar um órgão público na investigação. O dispositivo é semelhante às delações premiadas, mas envolve exclusivamente pessoas jurídicas.

O jurista Modesto Carvalhosa classificou ao G1 de “escandaloso” o objetivo da medida provisória dos acordos de leniência. Na visão do especialista, o governo lança uma “cortina de fumaça” para manter os contratos das construtoras envolvidas em esquemas de corrupção com o poder público.

“O objetivo desta MP é escandaloso. É permitir que empresas envolvidas em corrupção continuem a contratar com o governo federal. Este para mim é o ponto principal. É uma cortina de fumaça para as empreiteiras poderem continuar a contratar com todo o poder público”, ressaltou Carvalhosa. “Esta MP vai acobertar empreiteiras para que elas possam voltar a operar acordos com o governo”, acrescentou o jurista.

A professora Ana Frazão afirmou que o conteúdo da MP é “preocupante” porque o “principal ponto” é o que permite a inclusão de mais de uma empresa em um acordo de leniência.

Especialista em direito econômico e empresarial, a professora da Universidade de Brasília (UnB) pondera que estender o acordo a todas às empresas envolvidas no ato ilícito e permitir o acordo em qualquer fase é “muito preocupante”.

“Por uma simples razão: a ideia do acordo se baseia no pressuposto de que, em se tratando de crime corporativo, envolvendo agentes privados e públicos, é preciso ter uma fonte de incentivo para que alguém denuncie a prática. Se não há o incentivo para denunciar, os agentes podem decidir ficar na zona de conforto e não denunciar”, observou Ana Frazão.


Fonte: Contas Abertas.

Imprimir   Email