A Associação dos Membros dos Tribunais de Contas do Brasil (ATRICON), as Associações Nacionais do Ministério Público de Contas (AMPCON), dos Ministros e Conselheiros Substitutos dos Tribunais de Contas (AUDICON) e dos Auditores de Controle Externo dos Tribunais de Contas do Brasil (ANTC) vêm a público manifestar repúdio a dispositivos do Projeto de Lei n° 3.636, de 2015, aprovado pelo Senado Federal sob a forma do Projeto de Lei nº 105, de 2015, que afrontam a autonomia e a independência das instituições republicanas de controle.
Apresentado originalmente com a finalidade de garantir a necessária participação do Ministério Público na celebração de acordo de leniência previsto na Lei Anticorrupção (Lei nº 12.846, de 2013), o texto aprovado pelo Senado Federal, na verdade, atenta contra a independência do Poder Judiciário e a autonomia dos 34 Tribunais de Contas do Brasil e dos Ministérios Públicos Federal, dos Estados e do Distrito Federal e Territórios para exercerem suas competências constitucionais para apuração e combate a ilícitos de corrupção e promoção das necessárias ações em defesa do patrimônio público.
Segundo a redação aprovada pelo Senado Federal para os artigos 16 e 18, a Lei Anticorrupção passará a produzir os seguintes efeitos:
• Art. 16, § 2º do PL 3.636/2015: O acordo de leniência pode ser celebrado de forma isolada pela autoridade administrativa da União, de 26 Estados, do Distrito Federal e pelo controle interno de mais de 5,5 mil Municípios (Ministros, Secretários estaduais e representantes de estatais) e poderá reduzir em até 2/3 ou por completo a multa de 0,1 a 20% do faturamento bruto das empresas, além de impedir a aplicação de qualquer outra sanção de natureza pecuniária decorrente dos atos e fatos objeto do acordo, o que inviabiliza as ações de improbidade administrativa ajuizadas pelo Ministério Público e as ações de controle externo a cargo dos Tribunais de Contas previstas no artigo 71 da Constituição da República (incluída a apuração do dano ao erário e aplicação de sanções pecuniárias);
• Art. 16, § 11 do PL 3.636/2015: O acordo de leniência celebrado de forma isolada pela autoridade administrativa da União, de 26 Estados, do Distrito Federal e pelo controle interno demais de 5,5 mil Municípios (Ministros, Secretários estaduais e representantes de estatais), que contar com a participação das respectivas Advocacias Públicas, impede o ajuizamento ou o prosseguimento de ação de improbidade administrativa ou outra ação judicial já ajuizada pelos entes da Federação ou pelo Ministério Público com base na Lei nº 8.429, de 1992, e a Lei nº 12.846, de 2013, assim como as ações na esfera de controle externo de competência exclusiva dos Tribunais de Contas previstas no artigo 71 da Constituição da República (incluída a apuração do dano ao erário e aplicação de sanções pecuniárias);
• Art. 16, § 12 do PL 3.636/2015: O acordo de leniência celebrado com a participação da Advocacia Pública e em conjunto com o Ministério Público impede o ajuizamento ou o prosseguimento de ação já ajuizada pelo ente da Federação ou o Ministério Público, dando margem a entender que as ações de controle externo a cargo dos Tribunais de Contas também estariam impedidas, o que representaria interferência indevida entre as instâncias de responsabilização, que são independentes por determinação constitucional;
• Art. 18 do PL 3.636/2015: Os acordos de leniência celebrados à margem da homologação da autoridade judicial afastarão por completo a responsabilização na esfera judicial nas hipóteses previstas no artigo 16, seja nos casos de acordos celebrados de forma isolada por milhares de autoridades administrativas, seja naqueles casos em que houver a participação da Advocacia Pública ou do Ministério Público, tal comoprevisto nos §§ 11, 12 e 13 do artigo mencionado;
• Artigo 2º do PL 3.636/2015: Pela proposta, os acordos de leniência celebradospelo Ministério Público passarão a ser submetido à homologação de instância colegiada do próprio órgão, em vez de serem submetidos à salutar homologação do Poder Judiciário, tal como previsto - em instituto análogo -nos artigos 76 e 89 da Lei nº 9.099, de 1995, e no artigo 27 da Lei nº 9.605, de 1998.
Essas propostas violam princípios consagrados na Constituição da Repúblicaem flagrante afronta à independência dos Poderes e à autonomia dos Ministérios Públicos e dos Tribunais de Contas, razão pela qual não poderão lograr êxito.
O acordo de leniência negociado e celebrado, sem a anuência do Ministério Público competente para a investigação dos fatos envolvidos, pode prejudicar as investigações em curso pelo próprio Ministério Público ou pelos agentes policiais, uma vez que, apesar de o processo penal ser independente do processo administrativo, os fatos investigados são exatamente os mesmos.
Celebrado exclusivamente na esfera administrativa, o acordo de leniência não consegue avaliar a efetiva contribuição do acordo para a investigação se o Ministério Público não participar, uma vez que investigações criminais correlatas, em curso, podem já dispor das informações apresentadas pela empresa postulante do acordo.
É exatamente esse tipo de influência negativa que acordos celebrados com empresas envolvidas na Operação Lava Jato poderão ter sobre o curso das investigações conduzidas pelo Ministério Público Federal e pela Polícia Federal, impedindo o avanço da operação.
Na prática, o texto aprovado pelo Senado Federal constitui verdadeira ‘MORDAÇA’ às instituições republicanas que exercem o controle com independência assegurada constitucionalmente, a exemplo dos Ministérios Públicos, dos Tribunais de Contas e do Poder Judiciário, na medida em que subverte a lógica constitucional econcentra, no âmbito do Poder Executivo e de mais de 11 mil órgãos de controle interno nas três esferas de governo, a decisão pela responsabilização de pessoas jurídicas envolvidas em ilícitos contra a Administração Pública.
Além de afrontar a Constituição da República, os dispositivos mencionados tambémcontrariam os fundamentos que justificaram a aprovação da Lei Anticorrupção, quais sejam, a Convenção sobre Combate à Corrupção de Funcionários Públicos Estrangeiros em Transações Comerciais Internacionais, da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE), de 1997, a Convenção Interamericana contra Corrupção, de 1996, e a Convenção das Nações Unidas contra Corrupção, de 2003, todas ratificadas pelo Brasil por meio dos Decretos nºs 3.678, de 2000, 4.410, de 2002, e 5.687, de 2006, respectivamente.
Em razão dos vícios de inconstitucionalidade apresentados e dos efeitos nocivos para o exercício da defesa do patrimônio público pelas instituições republicanas, as associações de classe de caráter nacional signatárias desta Nota repudiam a proposta de ‘MORDAÇA’ constante do Projeto de Lei n° 3.636, de 2015, ao passo que pugnam pela realização de um amplo debate que garanta a participação de especialistas dos Ministérios Públicos, dos Tribunais de Contas do Brasil e da sociedade civil.
Brasília, 29 de novembro de 2015.
Fonte: Comunicação ANTC.