ANTC ESTUDA QUESTIONAR NA JUSTIÇA ALTERAÇÃO DE PROPOSTA DE PARECER PRÉVIO SOBRE AS CONTAS DE CABRAL

Desvio de função no TCE-RJ atenta contra independência funcional dos Auditores de Controle Externo e fragiliza fiscalização da Lei de Responsabilidade Fiscal

BRASÍLIA. Alvo de polêmica, o parecer prévio sobre a prestação de contas de 2014 do Governador do Estado do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral, pode ganhar novo capítulo, agora judicial. Quem promete questionar o documento é a Presidente da Associação Nacional dos Auditores de Controle Externo do Brasil, Lucieni Pereira.

Segundo a matéria publicada pela Época, "o Rio de Janeiro deixou de contabilizar R$ 1 bilhão em dívidas", o que levou os Analistas de Controle Externo-Área de Controle Externo do órgão técnico de fiscalização do Tribunal de Contas do Estado do Rio de Janeiro (TCE-RJ) propor que o parecer prévio conclusivo, como determina o artigo 57 da Lei de Responsabilidade Fiscal, fosse pela rejeição das contas de Cabral de 2014. São as chamadas 'pedaladas cariocas', tais como ocorreram na esfera federal e, pelo que vem sendo noticiado pela imprensa, em outros Estados também.

Confira a reportagem da Época:
Rio de Janeiro deixou de contabilizar R$ 1 bi em dívidas, diz TCE.

A divergência, na verdade, ocorreu na área técnica, com a apresentação de um relatório de 60 páginas elaborado pelo dirigente máximo do órgão de fiscalização (ou Secretaria-Geral de Controle Externo), cujo entendimento unilateral do titular do órgão se sobrepôs à proposta do corpo técnico especializado constituído, preponderantemente, por Analistas de Controle Externo-Área de Controle Externo.

Com uma simples 'canetada', o Secretário-Geral de Controle Externo do TCE-RJ jogou para escanteio o trabalho técnico elaborado por uma equipe de Analistas-Área de Controle Externo e livrou o Governador de ter de explicar os indícios de irregularidade referentes a práticas que ficaram nacionalmente conhecidas como 'pedaladas fiscais' em ano eleitoral, praxe bastante comum nas décadas de oitenta e noventa, sendo essa uma das razões que levou à edição Lei de Responsabilidade Fiscal em 2000.

DESVIO DE FUNÇÃO PERSISTE NOS TRIBUNAIS DE CONTAS

Na raiz do conflito no órgão de fiscalização está um dos problemas que persiste na administração pública brasileira: os desvios de função. Apesar de haver decisões do Supremo Tribunal Federal que rechaçam essa prática, os desvios ainda fazem parte da realidade pública, em especial nos órgãos de fiscalização dos 34 Tribunais de Contas do Brasil. Desvios dessa natureza comprometem a validade jurídica de procedimentos fiscalizatórios realizados por várias Cortes de Contas, abrindo espaço para questionamentos judiciais.

"Desta vez o resultado do desvio de função no TCE-RJ acabou beneficiando o Governador, que sequer precisou se explicar, mas poderia ter sido prejudicial se as propostas fossem inversas, o que certamente seria questiuonado na Justiça pelo gestor", alertou Lucieni ao defender o fim do desvio de função nos órgãos de fiscalização das 34 Tribunais de Contas do Brasil.

Embora a Lei Estadual nº 4.787, de 2006, preveja 943 cargos efetivos de Analista de Controle Externo-Área de Controle Externo para compor o quadro permanente de pessoal do TCE-RJ, de complexidade e responsabilidade de nível superior, a função de dirigente máximo do órgão de fiscalização foi incumbida a um dos Técnicos de Controle Externo, cargo de complexidade e responsabilidade de nível médio, previstas 387 vagas no normativo em tela.

O desvio de função ocorre porque o artigo 11, inciso I, da Lei Estadual nº 4.787, de 2006, insere, no rol de atribuições privativas do Analista de Controle Externo-Área de Controle Externo, a elaboração do parecer prévio das contas anuais sujeito à apreciação do Tribunal, enquanto aos Técnicos de Controle Externo compete desenvolver as atividades de apoio técnico necessárias às ações de controle externo, segundo artigo 16 do mesmo Diploma.

Para a Presidente da ANTC, Lucieni Pereira, a designação de servidor para ocupar a função gratificada de Secretário-Geral de Controle Externo do TCE-RJ deve observar as atribuições privativas fixadas pela Lei nº 4.787, de 2006, senão os atos de fiscalização podem ser anulados na Justiça.

De acordo com o artigo 38 do Regimento Interno do TCE-RJ, as "contas deverão ser encaminhadas ao Ministério Público, acompanhadas das informações finais do Corpo Instrutivo". Ainda segundo o Regimento, a manifestação do Secretário-Geral de Controle Externo é um dos atos vinculados que determina ou não a abertura do contraditório e ampla defesa do Governador quando houver indicação de parecer prévio pela rejeição das contas, conforme disposto no artigo 39, § 5º.

"Ora, se a atribuição legal do Técnico de Controle Externo do TCE-RJ, de menor complexidade e responsabilidade, é prestar apoio técnico ao controle externo e realizar atividades administrativas, a função gratificada de dirigente máximo do órgão de fiscalização jamais poderia ser ocupada por esse agente", declarou Lucieni.

"Além do risco de nulidade da ação típica de controle externo, é nossa obrigação atuar para evitar a instauração de uma crise de legitimidade pela flagrante inversão de papeis no TCE-RJ", completou a representante da classe dos Auditores de Controle Externo do Brasil, que entende haver argumentos substanciais para questionar o relatório do Secretário-Geral de Controle Externo na Justiça.

JUSTIÇA PODE ANULAR PROCEDIMENTO DE FISCALIZAÇÃO REALIZADO COM DESVIO DE FUNÇÃO

Os atos de fiscalização na esfera de controle externo constituem atividades exclusivas de Estado que devem ser realizadas por agentes legalmente competentes, ou seja, servidores concursados especificamente para o exercício de determinadas atribuições, de acordo com a complexidade e responsabilidade definidas em lei. Essa não constitui garantia apenas para os gestores, mas para toda sociedade.

O processo nº 0031996-282011.8.19.0001, que discute no Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro a anulação de ato do TCE-RJ, é um dos casos concretos de questionamento judicial de procedimentos de fiscalização comprometidos pelo desvio de função. A ação questiona a qualificação técnica, atribuições e formação técnica dos servidores envolvidos e também da Secretária-Geral de Controle Externo à época dos fatos.

A pressão interna para acomodar desvios de função não ocorre apenas nos Tribunais de Contas dos Estados, existindo também no Tribunal de Contas da União, conforme se verifica da manifestação do representante da Advocacia-Geral da União em sessão plenária do TCU, ocasião em que o Advogado da União fez um alerta direto aos Ministros no seguinte sentido: "Os senhores sabem os problemas causados para Administração quando ocorre um desvio de função, porque os atos passam a ser questionados judicialmente, ... mostrando que fiscalizações realizadas por servidores do TCU que não foram aprovados em concurso específico para a atividade seriam muito vulneráveis do ponto de vista jurídico".

Esse entendimento encontra respaldo na Manifestação do Advogado-Geral da União e no Parecer do Procurador-Geral da República, autor da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) nº 5.128 ajuizada em atenção ao pedido da ANTC para que fosse questionada a lei estadual que desfigura os pressupostos exigidos para a garantia do devido processo legal na esfera de controle externo.

O STF tem entendimento consolidado de que o exercício de atribuições técnicas e operacionais do órgão de controle interno não é compatível com a confiança pessoal da autoridade pública. Requer, segundo o STF, uma carreira estruturada em atendimento aos princípios da proporcionalidade e da moralidade administrativa (precedentes ADIs 3.602/GO e 4125).

Para a Associação Nacional, se uma das missões institucionais dos órgãos de fiscalização do sistema de controle interno é apoiar o controle externo, não se pode admitir que a organização do órgão de fiscalização dos Tribunais de Contas seja aquém do padrão mínimo que o STF exige do controle interno, sob pena de se instaurar enorme crise de legitimidade entre as instituições de controle da Administração Pública.

"Há estudos que apontam a necessidade de adotar nomenclatura mais adequada para as funções, que no caso de agentes de Estado deve ser 'gratificada' e não 'de confiança', uma vez que tais agentes devem atuar para defender o cumprimento das Constituições e das leis, ainda que isso desagrade autoridades várias", lembrou Lucieni.

"É dever do dirigente máximo do órgão de fiscalização honrar o compromisso com a defesa da independência funcional dos Auditores de Controle Externo incumbidos da titularidade das atividades finalísticas de auditoria, inspeção e demais procedimentos fiscalizatórios na esfera de controle externo", disse. "Por isso, a ANTC defende que as atividades de coordenação, supervisão e direção das fiscalizações sejam conduzidas pelo Auditor de Controle Externo, de forma a evitar crise de legitimidade em função de desvios e questionamentos judiciais", finalizou a classista.

Fonte: Comunicação ANTC.

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