O Brasil acaba de ingressar definitivamente na era da globalização política e na onda mundial de protestos antissistema. Juntamo-nos assim a movimentos como Occupy Wall Street, Geração à Rasca, Democracia Real Ya e os Chapullings da Praça Taksim. Em tudo e por tudo, os atuais protestos no Brasil assemelham-se às manifestações globais, embora com ingredientes locais. O global e o local se juntam para produzir uma explosão de participação jamais vista na nossa história e que será conhecida no futuro como uma profunda mudança cultural.
No mundo, a onda de protestos de rua começou em Seattle (1999), durante uma reunião do G-7, e, com a crise financeira de 2008, espalhou-se pelo mundo como rastilho de pólvora. Em 2010, 500 mil gregos ocuparam a Praça Syntagma, diante do Parlamento, em protesto contra a crise econômica. Em março de 2011, mais de 300 mil portugueses protestaram em dez cidades contra a política de austeridade do governo. Em 15 de maio, 28 mil madrilenhos ocuparam a Puerta Del Sol para exigir mais democracia. Em 17 de setembro, manifestantes ocuparam o Zuccoti Park e criaram o movimento Occupy Wall Street, em protesto contra a crise econômica, a desigualdade social e a corrupção de políticos e banqueiros. Em 15 de outubro, um protesto global organizado pela internet mobilizou um milhão de pessoas em mais de 950 cidades de 82 países. Em suma, o mal-estar é civilizatório, e o protesto, permanente.
A origem comum desses movimentos é uma insatisfação generalizada com a precariedade econômica e as desigualdades sociais provocadas por um sistema global cada vez mais excludente e um clamor por uma "revolução ética que recoloque o ser humano acima do dinheiro e faça valer os princípios da justiça e da solidariedade" (manifesto da Democracia Real Ya!). Junto, vem o sentimento de uma profunda crise da representação, que se exprime na rejeição a políticos e partidos como um todo, vistos como alienados dos problemas da população, mais interessados na sua própria reprodução eleitoral e mantendo relações promíscuas e corruptas com o "mercado".
No Brasil, a insatisfação com a precariedade dos serviços públicos, o aumento da inflação e o baixo crescimento econômico vieram somar-se à luta contra o aumento das passagens, que acabou servindo como uma bela "janela de oportunidade". O estopim foi, como sempre, a criminalização do movimento e a repressão policial. Foram os próprios governantes que, por incompetência, destamparam a panela de pressão da sociedade brasileira.
No dia seguinte, acordamos mais felizes e orgulhosos pela coragem de nos reapropriarmos da cidadania. Demos um passo adiante na democracia: começamos a ir além do voto, ocupando pacificamente as ruas em defesa dos nossos direitos e percebemos o quanto isso importa para nós e para nossos filhos. Doravante, os políticos não poderão mais virar as costas para a população e governar pelas pesquisas de opinião; terão de ter os olhos permanentemente voltados para as ruas, terão que vir à sacada para ver.
* Possui graduação em Ciências Sociais pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (1984), graduação em Direito pela Universidade Cândido Mendes (1985), mestrado (Diplôme dÉtudes Approfondies) em Sociologie Politique - Universite de Paris I (Pantheon-Sorbonne) (1986) e doutorado em Direito pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (2001). Atualmente é professor adjunto de Sociologia Jurídica da Universidade do Estado do Rio de Janeiro e Diretor-Presidente do Instituto Brasileiro de Pesquisa Social (IBPS).
Tem larga experiência na área de Ciência Política, com ênfase em Estudos Eleitorais e Partidos Políticos, além de Administração Pública, atuando principalmente nos seguintes temas: discurso jurídico, gênero, pesquisa eleitoral, políticas públicas e avaliação de impacto.
É membro da American Association of Political Consultants e da International Political Science Association. Em 2010 publicou o Manual do Candidato as Eleições pela Editora Gramma. Desde setembro de 2010, é professor do Mestrado e Doutorado em Ciência Política e Relações Internacionais do Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro (IUPERJ) e seu Diretor Executivo.
Fonte: Jornal O Globo.