MANAUS – A ANTC (Associação Nacional dos Auditores de Controle Externo dos Tribunais de Contas do Brasil) publicou, nesta terça-feira, 2, uma nota de repúdio contra um projeto de lei de autoria do Tribunal de Contas do Estado, enviado na semana passada à Assembleia Legislativa do Estado, que possibilita que servidores de nível médio e fundamental, que ingressaram no TCE "para desempenho de funções temporárias, e que foram enquadrados em cargos efetivos de nível superior para o exercício das atividades finalisticas exclusivas de Estado, tenham reajuste de salário para compensar perdas decorrente de uma decisão judicial que determinou a revogação do enquadramento deles no nível superior. O projeto também mantém parte dos servidores que foram enquadrados indevidamente.
De acordo com o documento, publicado no site da ANTC, o projeto de lei é uma tentativa de burla à regra constitucional do concurso público e à Súmula Vinculante 43 do STF, que determina o ingresso na carreira do serviço público exclusiva àqueles aprovados em concurso público.
"Os artigos mencionados, além de conferirem privilégios descabidos, com reajuste apenas para ocupantes de cargo de nível médio, autorizam a permanência em cargos de nível superior de agentes contratados originariamente para cargo temporário enquadrados ilegitimamente antes da edição da Lei nº 3.138/2007″, diz um trecho do documento.
O enquadramento funcional indevido foi feito na gestão do conselheiro Júlio Cabral na presidência do TCE. Ele foi presidente de 2006 a 2007. Depois, em 2010, na gestão do conselheiro Júlio Pinheiro, uma nova mudança foi realizada, com a Lei n° 3.486/2010, concedendo adicional de escolaridade aos servidores de nível médio e promovendo equivalência funcional.
Entenda o caso
O AMAZONAS ATUAL apurou que são cerca de 120 servidores promovidos indevidamente. Diante da decisão de Tribunal de Justiça do Amazonas, que mandou os servidores retornarem ao nível médio, o TCE encaminhou um anteprojeto de lei autorizando o reajuste de salários desses servidores a fim de compensar as perdas salariais e "amenizar o prejuízo financeiro" que os servidores teriam com o cumprimento da medida, segundo a exposição de motivos do projeto.
Além do reajuste, o projeto também mantém parte dos servidores enquadrados indevidamente, como prevê o Artigo 2°: "Fica mentido o enquadramento dos servidores que ocupavam cargo de nível superior e nível médio antes da edição da Lei n° 3.138/2007 e que apenas tiveram a nomenclatura do cargo alterada, permanecendo as atribuições dos cargos de nível fundamental, médio e superior, definidos nas leis 3.138/2007 e 3.486/2010″.
Esses servidores ingressaram como temporários e foram contemplados com um cargo em extinção formado por servidores estáveis admitidos em caráter temporário até dezembro de 1989, que eram conhecidos no tribunal como suplementaristas.
Compensação
Com o reajuste, os salários dos servidores, que no nível médio variam de R$ 3.403,58 a R$ 4.765,83, passariam a valores entre R$ 4.650,00 a R$ 6.511,12. "O quadro que apresentamos inerente ao nível médio é apenas uma maneira de minimizar o impacto nas perdas, a ponto de evitar prejuízos na manutenção das família e procurar, pelo menos, chegar perto de seu poder aquisitivo atual", diz a exposição de motivos.
Na prática, o TCE vai reenquadrar os servidores que foram enquadrados em cargos de nível superior, rebaixando-0s para o nível médio, mas vai manter os salários compatíveis com os servidores de nível superior em início de carreira (nível A), que recebem entre R$ 6.543,16 e R$ 7.082,53.
A exposição de motivos, assinada pelo presidente do TCE, Josué Filho, informa que "para que não haja nenhuma dúvida, impede destacar que essa movimentação de alguns dos servidores do nível superior para o nível médio e o ajuste dos valores constantes na tabela anexa (ao projeto), não ocasionará desequilíbrio no orçamento desta Casa".
Manifestação na ALE
Na manhã desta terça-feira, o deputado José Ricardo também levou o tema ao plenário da Assembleia Legislativa e criticou a iniciativa do TCE. "É lamentável essa situação. Verifiquei o teor desse Projeto de Lei e vou me manifestar contrário a essa proposta, visto que temos que prezar pelo que determina a Constituição Federal. E o Tribunal de Contas do Estado, órgão de fiscalização, deveria ser o primeiro a dar bom exemplo e seguir a Constituição", afirmou José Ricardo.
A seguir a nota de repúdio da ANTC:
NOTA DE REPÚDIO
A ASSOCIAÇÃO NACIONAL DOS AUDITORES DE CONTROLE EXTERNO DOS TRIBUNAIS DE CONTAS DO BRASIL (ANTC), afiliada à Confederação Nacional dos Servidores Públicos (CNSP) – entidade do terceiro grau que representa mais de 800 mil servidores dos três Poderes das esferas de governo, vem a público manifestar repúdio a mais uma tentativa de burla à regra constitucional do concurso público específico, materializado pela inclusão dos artigos 1º, 2º e 3º no Anteprojeto de Lei nº 163/2015, que altera dispositivos das Leis Ordinárias nº 3.138/200 e 3.486/2010, como consequência dos recentes julgados do TJ – AM (Ação Direta de Inconstitucionalidade – Processo nº 0006845-80.2011.8.04.0000 e Ação Direta de Inconstitucionalidade – Processo nº 4000566-73.2012.8.04.0000), possibilitando que servidores de nível médio e fundamental, que ingressaram no Tribunal de Contas para desempenho de funções temporárias em caráter excepcional (Lei n° 1.624/1984), sejam enquadrados em cargos efetivos de nível superior para exercício das atividades finalísticas exclusivas de Estado relativas à fiscalização na esfera de controle externo dos órgãos e entidades do Estado do Amazonas e seus Municípios.
Os artigos mencionados, além de conferirem privilégios descabidos, com reajuste apenas para ocupantes de cargo de nível médio, autorizam a permanência em cargos de nível superior de agentes contratados originariamente para cargo temporário enquadrados ilegitimamente antes da edição da Lei nº 3.138/2007.
Ocorre que os referidos agentes – tanto os enquadrados antes da Lei nº 3.138/2007, quanto aqueles enquadrados pelas Leis nºs 3.486/2010 e 3.627/2011 -, contratados temporariamente para o exercício de atividades de auxiliar de serviços gerais (nível fundamental), não foram aprovados em concurso público específico para provimento em cargo efetivo de nível superior, quiçá foram admitidos para funções análogas e exercício de atribuições de natureza finalística, complexidade e responsabilidade sequer parecidas.
A despeito disso, o Projeto de Lei em discussão pretende estabilizar, em flagrante afronta à Constituição de 1988 e à jurisprudência pacífica do Supremo Tribunal Federal, os agentes contratados temporariamente (ditos 'suplementaristas'). Pior, ainda, é tentar conferir a tais agentes egressos de contratação temporária a competência para o exercício de atribuições privativas do atual cargo efetivo de'Analista Técnico de Controle Externo', cujos titulares foram concursados especificamente para o desempenho de atribuições finalísticas, de complexidade e responsabilidade de nível superior, referentes às atividades exclusivas de Estado de planejamento, coordenação e execução de auditoria, inspeção, instrução processual e demais procedimentos fiscalizatórios nos órgãos e entidades da Administração Pública estadual e municipal.
Nessas bases, a Proposta desrespeita a Súmula Vinculante STF nº 43, que assim dispõe: "É inconstitucional toda modalidade de provimento que propicie ao servidor investir-se, sem prévia aprovação em concurso público destinado ao seu provimento, em cargo que não integra a carreira na qual anteriormente investido".
Importante esclarecer, que ao ajuizar a Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 5.128 contra Lei Sergipana que, sob pretexto de reestruturar o quadro de pessoal, restabeleceu formas de provimento derivado de cargo efetivo, o Procurador-Geral da República foi categórico no sentido de rechaçar essa prática. A ação foi ajuizada em atendimento ao pleito da ANTC, e conta com a manifestação favorável da Advocacia-Geral da União.
Nenhuma das diretrizes propostas pelo APLO nº 163/2015, entretanto, pode ser confundida com vontade social de permitir que agentes que sequer prestaram concurso público para a titularidade de cargo efetivo sejam considerados estáveis e efetivos no quadro permanente de pessoal do Tribunal de Contas.
A ANTC tem como princípio a defesa do Estado Democrático de Direito, da Constituição da República e das normas que não lhe forem conflitantes, princípio que se traduz nos fundamentos e objetivos fundamentais que movem a entidade de caráter nacional, dentre os quais merecem destaque a "dignidade do cargo de Auditor de Controle Externo, que decorre das atribuições legais que lhe são conferidas para o exercício de fiscalizações, auditorias governamentais e demais ações típicas de controle externo inseridas na competência dos Tribunais de Contas" e a defesa do "concurso público como única forma de ingresso no cargo de Auditor de Controle Externo".
Por todo o exposto, a ANTC expressa seu profundo repúdio aos artigos questionados e conclama a sociedade civil a se posicionarem pelo fiel cumprimento da Carta Política de 1988, exigindo dos representantes eleitos pelo povo que cumpram seu dever e dignifiquem seus mandatos, manifestando-se contrariamente à aprovação da Proposta quando da votação no Plenário da Assembleia Legislativa do Estado do Amazonas.
Brasília, 1º de junho de 2015.
LUCIENI PEREIRA
Auditora Federal de Controle Externo do Tribunal de Contas da União
Diretora da Confederação Nacional dos Servidores Públicos (CNSP)
Presidente da ANTC
Fonte: amazonasatual.com.br.