BRASÍLIA. Na última terça-feira (24/3), o auditório do Tribunal de Contas da União (TCU) foi palco de um acalorado debate sobre a Lei nº 12.846, de 2013, também conhecida como Lei Anticorrupção, aprovada em resposta às manifestações populares de julho de 2013.
A mesa de abertura foi conduzida pelo Presidente do TCU, Ministro Aroldo Cedraz, e composta pelo Ministro-Chefe da Controladoria-Geral da União (CGU), Valdir Moysés Simão, pelos Senadores João Capiberibe (PSB-AP) e Ana Amélia (PP-RS), pelo Procurador-Geral do Ministério Público de Contas junto ao TCU, Paulo Soares Bugarin, pelo Secretário Nacional de Justiça, Beto Vasconcelos, pelo Presidente da Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR), Alexandre Camanho de Assis, pela Presidente da Associação Nacional dos Auditores de Controle Externo dos Tribunais de Contas do Brasil (ANTC) e Diretora de Assuntos da Área Federal da Confederação Nacional dos Servidores Públicos (CNSP), Lucieni Pereira, pelo Assessor da Presidência da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), José Carlos Kulzer, pelo Diretor da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe), Alexandre Ferreira Infante Vieira, e pelo Presidente do Movimento do Ministério Público Democrático, Roberto Livianu.
O anteprojeto que resultou na Lei Anticorrupção foi apresentado incluindo a proteção da Administração Pública estrangeira, em decorrência da necessidade de atender aos compromissos internacionais de combate à corrupção assumidos pelo Brasil ao ratificar a Convenção das Nações Unidas contra Corrupção (ONU), a Convenção Interamericana de Combate à Corrupção (OEA) e a Convenção sobre o Combate da Corrupção de Funcionários Públicos Estrangeiros em Transações Comerciais Internacionais da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), o que foi lembrado por Cedraz durante seu discurso de abertura.
O Presidente também destacou a relevância da discussão da matéria neste momento em que o País se encontra, e falou sobre as expectativas do encontro: "Espero que este seminário abra caminhos para a atuação convergente dos órgãos, de modo que haja a preocupação em prevenir a ocorrência de ilícitos, e não apenas a de aplicar sanções às empresas que cometeram crimes contra a administração pública", enfatizou.
O evento reuniu autoridades de diversas instâncias do sistema jurídico brasileiro, além de Ministros do TCU, Auditores de Controle Externo do TCU e demais servidores da Casa, do Congresso Nacional e representantes de entidades de classe e organizações da sociedade civil, além da imprensa.
Foto: Bruno Spada (Secom/TCU)
A partir do Seminário, as entidades organizadoras do evento pretendem apresentar proposta de aperfeiçoamento da Lei Anticorrupção com vistas a corrigir o conflito de competências na celebração dos acordos de leniência, um dos temas polêmicos debatido no Seminário.
Quanto a isso, Cedraz ressaltou: "Espero que haja um entendimento comum sobre o conflito de atribuições em acordos de leniência. É papel do TCU promover essas discussões, ainda que sejam árduas e polêmicas".
Após a fala do Presidente, foi exibido um vídeo elaborado pela Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe) com uma série de entrevistas com visões diversificadas sobre quem pode liderar a negociação para fechar um acordo para que a empresa acusada de corrupção colabore com as investigações em troca de abrandamento das punições.
Confira o vídeo da AJUFE transmitido durante o Seminário:
Na sequência, foi promovida a primeira mesa de discussão. Participaram do debate o Ministro emérito do Superior Tribunal de Justiça (STJ), Gilson Dipp, o Presidente da ANPR, Alexandre Camanho de Assis, e o Vice-Presidente da Associação da Auditoria de Controle Externo do Tribunal de Contas da União (AUD-TCU), Carlos Augusto de Melo Ferraz.
Foto: Bruno Spada (Secom/TCU)
Camanho falou da importância de se discutir a regulamentação da Lei Anticorrupção para que não haja distorções em sua aplicação.
Já o Ministro emérito do STJ, Gilson Dipp, destacou pontos polêmicos sobre a regulamentação da Lei Anticorrupção e a celebração de acordos de leniência.
Foto: Bruno Spada (Secom/TCU)
Dipp afirmou que a CGU passou a ter protagonismo exagerado na Lei Anticorrupção. "Na minha visão, o regulamento claramente extrapolou os limites da Lei e não poderia. Se for além da legislação haverá abuso de autoridade e incompetência ou falta de competência para sua aplicação (usurpação de competência)", apontou.
Entre os problemas da regulamentação, Dipp destacou a fato da CGU ter competência de julgar os processos enquadrados na lei anticorrupção, além da exclusividade nos acordos de leniência e na instauração de processos administrativos. Outro ponto é o fato de ter deixado as multas mais brandas em relação ao disposto na Lei.
Para o Ministro, a Lei está sendo distorcida. "Estamos colocando a lei casuisticamente porque examinamos frente à operação Lava-Jato. Isso causa distorção na interpretação e na aplicação da lei, que já é complexa por sua origem", afirmou.
Ferraz, que compôs a mesa na condição de debatedor, fez perguntas ao palestrante, ampliando a discussão.
MINISTRO DO TCU PARTICIPA DO DEBATE
O Ministro do TCU, Benjamin Zymler, acompanhou a palestra magna realizada por Dipp e participou do debate com o palestrante.
Foto: Bruno Spada (Secom/TCU)
Zymler destacou que a competência para fixar o valor do dano ao erário é do TCU por determinação constitucional, que considerará não apenas o suposto valor pago a título de propina, mas o superfaturamento dos contratos da Petrobrás, que nega sua existência.
Há divergência de entendimento sobre a matéria, uma vez que a CGU insiste em apurar o valor integral do dano e inscrevê-lo em dívida ativa da Fazenda Pública com base no artigo 13 da Lei Anticorrupção quando não houver o pagamento por parte da empresa. Essa é uma informação importante para a celebração de acordos de leniência.
O Ministro do TCU frisou, ainda, que a Constituição insere na competência da Corte de Contas a fixação do valor do ressarcimento do dano ao erário. Essa apuração se processa por tomada de contas especial cuja decisão tem eficácia de título executivo, sem que haja necessidade de inscrever o valor do débito na dívida ativa. A partir do julgamento das contas, pode o TCU aplicar as sanções previstas em lei, sendo uma delas a declaração da empresa inidônea com base na medida restritiva prevista no artigo 46 Lei Orgânica da Corte de Contas.
O Presidente do Tribunal de Contas do Estado de Pernambuco e da Associação dos Membros dos Tribunais de Contas do Brasil (Atricon), Conselheiro Valdecir Pascoal, prestigiou o evento. "Podem contar com a Atricon nesse debate", disse.
EMBAIXADA AMERICANA ACOMPANHA DEBATE NO TCU SOBRE A LEI ANTICORRUPÇÃO BRASILEIRA
A Secretária de Política da Embaixada Americana no Brasil, Richa Bhala, também acompanhou as discussões durante o Seminário sobre a Lei Anticorrupção ao lado da Presidente da ANTC.
Foto: Bruno Spada (Secom/TCU)
O interesse da Embaixada Americana se justifica porque, primeiro, a Petrobrás – envolvida no escândalo da Operação Lava-Jato – negocia ações na Bolsa de Nova York e por essa razão está sujeita à investigação e a punições aplicadas pela Securities and Exchange Commission (SEC), órgão dos Estados Unidos equivalente à Comissão de Valores Mobiliários (CVM).
Segundo, a Lei Anticorrupção prevê responsabilização da pessoa jurídica privada instalada no Brasil que pratica ato ilícito contra a Administração Pública estrangeira, o que, pelo artigo 9º da norma, será apurado, processado e julgado pelo órgão de controle interno do Poder Executivo federal.
A previsão, porém, é questionável do ponto de vista jurídico, já que o órgão de controle interno federal é competente para exercer a fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial da União e das entidades da administração direta e indireta, quanto à legalidade, legitimidade, economicidade, aplicação das subvenções e renúncia de receitas, conforme estabelecem os artigos 70 e 74 da Constituição.
"Tanto a CGU quanto o TCU só têm competência constitucional para atuarem se houver recursos federais. Fraude nas transações comerciais entre empresa privada com sede no Brasil e o Estado estrangeiro é caso de polícia, que deve ser processado e julgado pela Justiça Federal", relembra Lucieni. "Esse dispositivo da Lei Anticorrupção exorbita a competência da CGU, configurando medida 'para inglês ver' como se diz popularmente, pois não será efetiva para dar cumprimento aos acordos ratificados pelo Brasil com a comunidade internacional (ONU, OEA e OCDE) no sentido de combater fraudes nas transações comerciais internacionais entre empresas com sede no Brasil e a Administração Pública estrangeira", denuncia a representante de classe.
Para Lucieni, se as instituições brasileiras não forem capazes de combater, de fato, esse tipo de corrupção que está sob investigação na Lava-Jato, a SEC americana punirá a Petrobrás e o Brasil ficará desacreditado no plano internacional.
ORGANIZAÇÃO DO EVENTO E AGRADECIMENTOS
O Seminário sobre a Lei Anticorrupção foi uma realização do Ministério Público de Contas junto ao TCU em conjunto com a ANTC, AUD-TCU, AMPCON, ANPR, AJUFE, AMB, MPD, Associação Nacional dos Membros do Ministério Público (CONAMP), em parceria com a Associação Contas Abertas e a CNSP, além do apoio institucional da Confederação Nacional da Indústria (CNI).
As Diretorias da ANTC e AUD-TCU agradecem a parceria das associações de classe e organizações da sociedade civil. Igualmente agradecem e parabenizam o Ministério Público de Contas junto ao TCU pelo trabalho de organização do evento, assim como aos integrantes das equipes do Gabinete do Procurador Júlio Marcelo de Oliveira e das unidades da Administração do TCU que colaboraram para que este importante Seminário fosse realizado.
Agradecem, ainda, as presenças dos Parlamentares, Ministros e Auditores de Controle Externo do TCU, demais servidores da Casa e participantes que contribuíram para realização desse importante debate.
Confira a repercussão do Seminário na imprensa:
TCU decide nesta quarta-feira (25) se aceita acordo para reduzir punição de empresas envolvidas em corrupção;
TCU adia análise de acordos de leniência de investigados na Lava Jato;
Cinco empresas investigadas tentam acordo de leniência com a CGU;
MPF pede para TCU não autorizar acordos de leniência de empresas envolvidas em corrupção;
MPF pede que TCU não autorize acordos de leniência com empresas investigadas;
Bons ventos do TCU;
Acordos de leniência não podem comprometer investigações da Lava Jato, afirma presidente da Ajufe;
Lei Anticorrupção: procuradores também criticam regulamentação;
Promotor de justiça explica o que é acordo de leniência;
Reunião de pauta;
Lei Anticorrupção: procuradores também criticam regulamentação;
Ministro da AGU afirma que não existe "acordão" de leniência com empresas;
Procurador diz que acordos de leniência atrapalharam investigações da Lava Jato;
Promotor de justiça explica o que é acordo de leniência;
Fonte: Comunicação ANTC com informações do União/TCU.