PRESIDENTE DA ANTC ANALISA RISCOS DO ACORDO DE LENIÊNCIA

BRASÍLIA. Na última quarta-feira (11/2), o Tribunal de Contas da União aprovou a Instrução Normativa (IN) nº 74, de 2015, determinando a remessa ao Tribunal de todos os acordos de leniência firmados na esfera administrativa pela Controladoria-Geral da União (CGU) com pessoas jurídicas envolvidas em fraude de licitação e contratos celebrados com a administração pública.

O acordo está disciplinado na Lei nº 12.846, de 2013, também conhecida como ‘Lei Anticorrupção’, que dispõe sobre a responsabilização administrativa e civil de pessoas jurídicas pela prática de atos contra a administração pública, nacional ou estrangeira.

Além de reduzir em até 2/3 a multa, os acordos de leniência celebrados pelo próprio Poder Executivo e as empresas envolvidas em fraude podem isentar ou atenuar as sanções administrativas previstas nos artigos 86 e 88 da Lei de Licitações (Lei nº 8.666, de 1993).

Mais grave, ainda, é a previsão do artigo 16, § 2º da ‘Lei Anticorrupção’, que retira do Poder Judiciário a possibilidade de proibir o recebimento, pelo prazo de um a cinco anos, de incentivos, subsídios, subvenções, doações ou empréstimos de órgãos ou entidades públicas e de instituições financeiras públicas ou controladas pelo poder público.

Por essa previsão, as empresas envolvidas em fraude de licitações apuradas na ‘Operação Lavajato’ que celebrarem acordo de leniência com o Poder Executivo podem continuar recebendo empréstimos subsidiados pelo BNDES com dinheiro público. Nos últimos seis anos, o Tesouro Nacional emprestou mais de R$ 514 bilhões para o BNDES financiar projetos a juros subsidiados, dos quais cerca de 87% são remunerados pela Taxa de Juros de Longo Prazo (TJLP), conforme notícia publicada pela ANTC recentemente (http://www.antcbrasil.org.br/?secao=noticias&visualizar_noticia=398)

Embora, à primeira vista, o regulamento do TCU tenda a inibir eventuais desvios no âmbito do Poder Executivo, a IN até o momento gera apreensão. Para a Presidente da Associação Nacional dos Auditores de Controle Externo dos Tribunais de Contas do Brasil (ANTC) e Auditora Federal de Controle Externo do TCU, Lucieni Pereira, há aspectos não muito claros do processo de controle externo que precisam ser mais bem discutidos com a classe de Auditores de Controle Externo de forma a prever garantias na norma específica que será elaborada.

Lucieni também é de opinião de que tais medidas, se observados os ajustes necessários e feitos os esclarecimentos devidos, servirão apenas para evitar danos maiores que podem ser causados por acordos de leniência sombrios celebrados no âmbito do próprio Poder Executivo, sem qualquer controle externo.

Porém, na visão da representante, há que se discutir até que ponto os acordos celebrados administrativamente, ainda que homologados na esfera de controle externo, podem ursurpar a competência do Poder Judiciário.

Esclarece que o acordo de leniência está para as pessoas jurídicas assim como a delação premiada está para as pessoas físicas.  Dessa forma, em se tratando de prática de ilícito contra a administração pública, deveriam ambos instrumentos ser conduzidos pelo Magistrado do Poder Judiciário, competente para aplicar as sanções mais severas na esfera penal a partir da provocação privativa dos membros Ministério Público, agentes que dispõem de garantias constitucionais necessárias para fazer enfrentamentos de ordem econômico-política que marcam singularmente as fraudes contra a administração pública.

Lembra que modelo semelhante é adotado com relativo sucesso no âmbito do subsistema penal disciplinado pela Lei nº 9.605, de 1998, a qual regulamenta outra passagem constitucional que prevê responsabilização de pessoa jurídica envolvida em crimes ambientais (artigo 225, § 3º).

Diferentemente dos órgãos de fiscalização, a exemplo do IBAMA que dispõe de legitimidade para aplicar as multas administrativas decorrentes do exercício regular do poder de polícia tal como previsto na Lei nº 9.605, de 1998, os mais de 11 mil órgãos de controle interno, órgãos e entidades executivos da administração pública federal, estadual e municipal não são dotados de poder poder de polícia para aplicar multas administrativas em particulares (pessoas físicas e jurídicas) como foi disciplinado na Lei nº 12.846, de 2013, para regulamentar o artigo 173, § 5º da Constituição. "Esse, sem dúvida, é um dos erros primários que constitui vício insanável da "Lei Anticorrupção", que deveria ter inserido a multa no rol de competências do Poder Judiciário", diz Lucieni.

A doutrina é farta e alguns problemas da modelagem engendrada podem ser constatados nos relatos da reportagem da Revista Veja de 2011 (http://veja.abril.com.br/blog/reinaldo/geral/controladoria-geral-da-uniao-se-transforma-na-controladoria-geral-do-pt-nem-os-aliados-incomodos-escapam/) sobre a atuação da Controladoria-Geral da União, merecendo destaque a seguinte passagem da notícia:

"... Existe um semáforo ideológico que organiza e orienta as ações dos auditores. Dependendo da direção para que aponta determinada investigação, tem-se luz verde para ir em frente. Mas há casos em que se acende a luz vermelha – e isso, mais do que qualquer número, diz muito sobre a qualidade do trabalho da controladoria.

 

“É comum surgirem pressões para retardar ou amenizar certas investigações”, disse a VEJA um auditor da CGU. Essas ordens normalmente ocorrem quando o alvo é alguém ligado ao PT ou algum funcionário graduado com poder de criar constrangimentos ao governo. Um dos exemplos mais contundentes sobre o que pode ser encontrado nos escaninhos da controladoria se revela no caso de um auditor que apurava irregularidades em um acordo de cooperação envolvendo o Ministério da Integração Nacional, o Itamaraty e a ONU. Havia a suspeita de desvio de 3 milhões de reais. Como a controladoria não tem poder de polícia, o procedimento-padrao, depois de constatados indícios de fraude, é a elaboração de um relatório detalhado, encaminhado posteriormente à Polícia Federal. Prevendo os problemas que uma investigação como aquela causaria, a cúpula pediu ao funcionário que alterasse suas conclusões. O auditor requereu que a ordem fosse encaminhada por escrito. E assim foi feito. Só que, para não deixar dúvidas sobre o ocorrido, o auditor anexou o documento ao processo e escreveu que suas conclusões deveriam ser esquecidas, mas que estava fazendo aquilo para cumprir ordens superiores." 

No âmbito do controle das contas públicas, pode o TCU, por previsão expressa na Constituição, aplicar aos responsáveis, em caso de ilegalidade de despesa ou irregularidade de contas, as sanções previstas em lei, que estabelecerá, entre outras cominações, multa proporcional ao dano causado ao erário (artigo 71, VIII). E somente as decisões do TCU - jamais as manifestações dos milhares de órgãos de controle interno da administração pública federal, estadual e municipal - de que resulte imputação de débito ou multa terão eficácia de título executivo (§ 3º) que lhe permite execução direta na Justiça.

 

 

Dessa forma, levar a figura do acordo de leniência com pessoas jurídicas para a esfera administrativa, ainda que homologada na esfera de controle externo, pode, no mínimo, criar óbices para a atuação do Ministério Público e do Poder Judiciário na condução das ações cíveis de improbidade administrativa e, em especial, nas ações penais.

Esse é um aspecto importante que pouco se fala, mas que já passou da hora de entrar na pauta de discussão dos especialistas, sob pena de se instaurar um quadro de insegurança jurídica e causar um mal maior para toda sociedade, tal como colocar em risco a ‘Operação Lavajato’ e outras importantes que estão por vir sempre que houver enfrentamento político-econômico de grandes proporções.

PRESIDENTE DA ANTC QUER GARANTIA DE QUE ACORDOS DE LENIÊNCIA PASSARÃO PELO CRIVO DOS AUDITORES DO TCU

Na visão pessoal da Presidente da ANTC, a IN gera preocupação. A norma não prevê, por exemplo, a obrigatoriedade de os acordos de leniência serem submetidos ao crivo do Órgão de Instrução (ou Fiscalização) previsto na Lei Orgânica do TCU, para que os Auditores de Controle Externo possam estabilizar o processo, analisando os termos do acordo com conhecimento técnico em matérias que não são triviais (como obras públicas, concessões, licitações de medicamento, etc), independência funcional e imparcialidade. Tampouco prevê a manifestação obrigatória do Ministério Público de Contas no processo.

Segundo dispõe o artigo 5º da IN, os procedimentos para apreciação dos acordos de leniência devem ser estabelecidos em normativo específico que ainda será editado, assegurada a participação do Ministério Público de Contas apenas em sua formulação, sem nada dispor sobre a participação do Órgão de Instrução.  

Enquanto não for publicado o referido normativo, em tese, o relator sorteado poderia conduzir o processo como lhe conviesse.  A Presidente vê com preocupação eventual possibilidade de acordo celebrado pela CGU ser diretamente apreciado pelo relator, sem passar pelo crivo do Órgão de Instrução previsto na Lei Orgânica do TCU.

Sem as digitais dos Auditores de Controle Externo e dos Procuradores de Contas, a previsão do sigilo em várias etapas do processo acende o sinal amarelo de alerta, em especial quando se trata de processos que investigam os envolvidos na ‘Operação Lavajato’ e assemelhados.

A representante de classe lembra que os processos de controle externo, assim como os judiciais, em regra são públicos e qualquer pessoa pode ter acesso, inclusive às sessões, salvo nas hipóteses excepcionais de segredo conforme as previsões legais dos artigos 5º, LX, e 93, IX da Constituição da República.

A publicidade dos processos e das decisões judiciais e de controle externo visa exatamente garantir o controle público sobre a atividade da Justiça e dos Tribunais de Contas, o que deve ser a regra não exceção.

Para Lucieni, é preciso analisar com especialistas a necessidade do grau de sigilo previsto na norma recém-editada pelo TCU e disciplinar, com clareza, em que momento as informações serão levadas a público e disponibilizadas ao Ministério Público Federal, uma vez que a Constituição da República elege o Poder Judiciário como espelho de organização e funcionamento da Corte de Contas.

Conforme estabelece o artigo 73 da Constituição, deve o TCU, como os Tribunais do Poder Judiciário, elaborar seu regimento interno “com observância das normas de processo e das garantias processuais das partes, dispondo sobre a competência e o funcionamento dos respectivos órgãos jurisdicionais e administrativos” (artigo 96, I).

No âmbito do TCU, o Órgão de Instrução e os Órgãos Colegiados são os que dispõem de competência para tocar diretamente na jurisdição de controle externo, além do Ministério Público de Contas. Tais órgãos devem atuar de forma integrada, pois são todos essenciais à função controle externo do Estado, cada qual com seu papel específico, com competências intransferíveis e insubstituíveis.

Lucieni também adverte que a Nota publicada pela Associação dos Juízes Federais do Brasil (AJUFE), em outubro do ano passado, aponta que as 10 (dez) ações penais da ‘Operação Lavajato’ que tramitam na 13ª Vara da Justiça Federal do Paraná não estão em segredo de justiça, inclusive a ação penal na qual foram realizados os interrogatórios de vários réus.

Inspirada nas declarações do Juiz Federal Sérgio Moro sobre a ‘Operação Lavajato’, a Presidente da ANTC ressalta que o TCU, enquanto apreciar os acordos de leniência, deve seguir o exemplo da Justiça e jamais se prestar a ser o guardião de segredos sombrios.

“Os mandamentos constitucionais impõem que processo de supostos ilícitos contra a administração pública deve ser feito com transparência e publicidade”, diz a classista. “Exceções são cabíveis apenas quando há risco de comprometer o curso da investigação, e apenas no curso da investigação na esfera de controle externo”, finaliza.

Fonte: Comunicação ANTC

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