Preenchidas por apadrinhados, as vagas de conselheiros no estado e no município servem para acomodar aliados, com salários de R$ 26,5 mil mensais
Por Constança Rezende.
O que era para ser um órgão de controle, virou uma moeda de troca de políticos para negociar cargos. Para ser conselheiro de tribunais de contas dos estados e municípios, não basta ter mais de 35 anos, idoneidade moral, reputação ilibada e notório conhecimento. Deve-se possuir boa influência na política.
Nos bastidores da Assembleia Legislativa do Rio (Alerj) circula a informação de que o conselheiro Aluisio Gama, do Tribunal de Contas do Estado (TCE), anteciparia sua aposentadoria para "dar lugar" ao deputado Paulo Melo (PMDB), atual presidente da Alerj. Melo abriria mão de concorrer à Presidência da Casa com Jorge Picciani, presidente do PMDB do Rio. A solução poria fim à briga interna no partido pelo comando da Assembleia.
Pelo regimento interno do TCE, a Alerj tem direito de escolher cinco dos sete conselheiros. Os outros dois são indicados pelo governador. A mesma regra é seguida pelo Tribunal de Contas Municipal (TCM). Tanto Gama quanto Melo negam a articulação para acomodar o atual presidente da Alerj na vaga do TCE. Mas se isso realmente vier a ocorrer não será novidade. Afinal, a maioria dos conselheiros do TCE e TCM teve ligação ou atuação na área política.
Para o presidente do TCE, o conselheiro Jonas Lopes, o Tribunal é visto pela população como uma espécie de "geni". "O Tribunal é um órgão técnico, não há ingerência política. Quando há vaga, abre-se um edital e qualquer pessoa que comprove os requisitos do regimento pode concorrer", defende Lopes. Contrário à emenda constitucional que altera as normas de preenchimento das vagas nos tribunais de contas, Lopes argumenta que o atual modelo é adotado em todo o país. "É tudo processo político", diz.
Pela proposta de emenda constitucional, que está na Câmara, os conselheiros seriam escolhidos entre os auditores concursados do Tribunal, depois de pelo menos dez anos de serviços prestados. A Constituição hoje é ambígua porque não deixa claro se o conselheiro precisa ter Nível Superior completo e se é ficha limpa.
Atualmente, 25% dos membros dos tribunais de contas estaduais não possuem a formação adequada para exercer a função, e cerca de 15% dos conselheiros do país são investigados por crimes ou atos de improbidade.
Na opinião do presidente do Tribunal de Contas do Município, Thiers Montebello, os órgãos não estão imunes à corrupção. Para ele, cabe aos parlamentares e aos membros do poder Executivo analisar se a pessoa que deseja ocupar a vaga preenche os requisitos da Constituição. "Se indicar mal, não vai ter jeito. Todos os indicados são sabatinados. Se essa sabatina é feita com rigor, é outra coisa", admite. "Se botar um cara que não é sério, ele não vai ser sério em nenhum lugar."
Emenda propõe mudanças
Neste mês, a Câmara dos Deputados fará a primeira audiência pública da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 329/13, que muda a forma de indicação dos conselheiros dos tribunais de contas. Ela determina que quatro das sete vagas sejam rotativas e preenchidas por auditores concursados do tribunal, e o restante eleito pelos auditores de controle externo, pela classe do Ministério Público do Tribunal de Contas e por conselhos profissionais.
A emenda exige que os indicados tenham curso superior e impede que condenados pela Justiça ingressem no tribunal. Para o deputado federal Francisco Praciano (PT-AM), autor da proposta, o sistema atual está falido. “O modelo esgotou. Hoje, tem médicos, veterinários e farmacêuticos sendo conselheiros. O perfil é resultado da indicação das influências políticas. O governador tem maioria na Câmara, e determina o indicado. Esses conselheiros passam a atender os seus padrinhos políticos, prejudicando toda a função fiscalizadora dos tribunais”, diz.
Quase nenhuma reprovação
Até hoje, o Tribunal de Contas do Estado (TCE) só reprovou uma vez a prestação de contas de um governo: foi em 2000, durante a gestão de Anthony Garotinho (hoje, no PR) e Benedita da Silva (PT). “Quando o Tribunal julga irregular a conta de algum gestor, é a Justiça Eleitoral, e não o TCE, que o torna inelegível. Poderíamos nós mesmos cobrarmos as multas e as imputações de débitos de um gestor”, diz o presidente do TCE-RJ, Jonas Lopes.
Para o presidente do TCM, Thiers Montebello, “as pessoas só veem os maus feitos que acontecem nos tribunais”. “Sei disso porque tenho 13 anos só na presidência do Tribunal. A mídia só mostra o lado ruim”, afirma. Os tribunais de contas também têm a tarefa de avaliar a evolução patrimonial de diretores de escolas e hospitais públicos, além de verificar o cumprimento de metas dos programas de governo e de orçamentos e a legalidade da gestão financeira e patrimonial.
Mordomias
Não é à toa que as vagas de conselheiro dos tribunais de Contas do Estado e do Município são tão disputadas. Além do prestígio, o apadrinhado tem direito a várias mordomias, equivalentes às usufruídas pelos desembargadores dos Tribunais de Justiça. O salário é um dos mais altos da administração pública: R$ 26,5 mil mensais, além de férias de 60 dias ao ano. O cargo é vitalício e a aposentadoria integral, a partir dos 70 anos de idade. Os conselheiros podem, no entanto, se aposentar com todas as vantagens e benesses do cargo com apenas cinco anos de exercício efetivo na função.
Soma-se às mordomias, o direito a carro oficial com motorista. Tudo bancado, é claro, pelos cofres do tribunal. Os conselheiros também têm suas contas de celular pagas pela Corte. Os salários dos presidentes dos tribunais são ainda mais polpudos: eles ganham mais R$ 4 mil por mês. Já os vice-presidentes recebem R$ 2,6 mil extras de gratificação.
Pela Constituição Federal, o conselheiro precisa ter formação superior e notórios conhecimentos jurídicos, contábeis, econômicos e financeiros ou de administração pública. Além disso, deve ter mais de dez anos de exercício de função ou de efetiva atividade profissional.
Para o presidente da Associação Nacional do Ministério Público de Contas, Diogo Ringenberg, os cargos de conselheiro nos tribunais de contas não deveriam ser usados politicamente. “Muitos dos nomeados se distanciam demais dos padrões mínimos requeridos pela Constituição”, disse.
Relator da emenda à Constituição que muda as regras para preencher os cargos, o deputado federal Alessandro Molon (PT-RJ) diz que, na época em que estava na Alerj, sempre votou contra as indicações políticas para conselheiros, dando preferência a técnicos. “O tribunal deve ter atuação somente técnica, e não ser um lugar para fazer acomodação política. Isso faz com que o órgão não cumpra a sua função e a sociedade deseja essa mudança. Vimos isso nas ruas”, afirmou.
Fonte: Jornal O Dia, Política - 03 de novembro de 2014.