PRESIDENTE DA ANTC CONCEDE ENTREVISTA AO JORNAL O GLOBO SOBRE RESULTADO FISCAL DO GOVERNO CENTRAL

DÉFICIT RECORDE NAS CONTAS PÚBLICAS

Resultado fiscal fica negativo em R$ 25,5 bi e governo admite que não cumprirá meta anual

Resultado em setembro foi o pior desde 1997. Planalto admite que não cumprirá meta anual e, para não descumprir Lei de Responsabilidade Fiscal, pedirá ao Congresso para alterar a Lei de diretrizes orçamentárias.


As despesas de União, estados, municípios e estatais superaram as receitas em R$ 25,5 bilhões em setembro, um déficit recorde. No ano, as contas públicas estão negativas em R$ 15,3 bilhões, enquanto a meta era economizar ao menos R$ 49 bilhões. O governo adiou a divulgação do resultado, prevista para a semana passada, para depois das eleições. E, ontem, reconheceu que terá que pedir ao Congresso para mudar a Lei de diretrizes orçamentárias (LDO) de 2014. Para o secretário do Tesouro, Arno Augustin, "o governo optou pelo melhor para o país".

BRASÍLIA. O setor público registrou em setembro um déficit primário de R$ 5,5 bilhões, completando cinco meses consecutivos com contas no vermelho. O principal responsável pelo desempenho pífio das contas, que superou as previsões mais pessimistas do mercado, foi o governo central (composto por Tesouro Nacional, Previdência Social e Banco Central), que registrou um déficit primário de R$ 21 bilhões no mês, o pior resultado mensal da história. No acumulado de janeiro a setembro, o déficit primário foi de R$ 15,3 bilhões, outro recorde, que sepultou de vez as chances de o governo atingir a meta de superávit primário (economia feita para o pagamento de juros da dívida pública) com a qual havia se comprometido, de R$ 99 bilhões, ou 1,9% do Produto Interno Bruto (PIB, soma de bens e serviços produzidos no país), ou mesmo a meta com descontos das despesas do programa de Aceleração do Crescimento (PAC) e desonerações, de R$ 49 bilhões.

Por isso, o secretário do Tesouro, Arno Augustin, admitiu ontem que o governo terá que pedir ao Congresso que mude a Lei de diretrizes orçamentárias (LDO) de 2014 para reduzir a meta fiscal sob o risco de descumprir a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF). Embora já soubesse dessa necessidade, o governo deixou para dar a notícia oficialmente só depois do fim do processo eleitoral.

DESPESAS SUBIRAM MAIS QUE RECEITAS

Augustin informou que o governo vai propor uma ampliação do abatimento que o governo pode fazer na meta com desonerações e investimentos, que hoje é de R$ 67 bilhões. Ele não informou o novo valor.

No acumulado do ano, as despesas subiram num ritmo muito mais forte que as receitas. Isso porque o governo optou por uma estratégia de manter as despesas elevadas e de fazer desonerações bilionárias sem previsão de compensá-las, como manda a LRF. Enquanto a arrecadação líquida do ano somou R$ 755,18 bilhões (alta de 7,2%), os gastos chegaram a R$ 755,2 bilhões, com um crescimento de 13,2%.

Somente os desembolsos com custeio cresceram 15,9%. Já os investimentos subiram 34,1%. Os gastos do governo com a Conta de Desenvolvimento Energético (CDE) até setembro chegam a R$ 8 bilhões, o que equivale ao dobro do registrado no mesmo período do ano passado.

Apesar dos diversos recordes negativos nas contas, o secretário afirmou que o Brasil é um país que tem solidez fiscal e atribuiu os problemas de 2014 a uma queda na arrecadação decorrente do fraco desempenho da economia e das desonerações dadas pelo governo para tentar turbinar o PIB.

Segundo ele, a frustração das receitas em relação ao início do ano foi de R$ 40 bilhões (sendo R$ 35 bilhões do baixo crescimento e R$ 5 bilhões das desonerações).

— O governo acha que optou pelo melhor para o país. (...) Fizemos a opção de ser um país que tem solidez fiscal. Não vai deixar de ter isso por causa de um resultado específico. (...) — disse o secretário sobre os números de setembro.

Segundo analistas, a questão agora é saber se o governo vai conseguir terminar o ano com um resultado fiscal zerado ou se ele será negativo, o que nunca aconteceu após a estabilização da economia e, principalmente depois da LRF, de 2000.

Estados e municípios e empresas estatais, que também compõem o setor público, tiveram déficits de R$ 3,1 bilhões e R$ 1,4 bilhão, respectivamente, em setembro.

Foi a primeira vez que o setor público registrou resultados negativos por cinco meses seguidos.

Na opinião do economista-chefe da Sul América Investimentos, Newton Rosa, o governo deve fazer de tudo para que não haja déficit neste ano. A expectativa é conseguir fazer, pelo menos, um superávit pequeno, avaliou.

— O governo vai tentar fazer um superávit primário em torno de 0,5% do PIB. Apesar das dificuldades, ele sempre pode adiar algumas despesas do fim do ano para 2015, antecipar dividendos de estatais e até sacar recursos do Fundo Soberano — prevê o economista-chefe da agência de classificação de risco Austin Rating, Alex Agostini.

Segundo o Banco Central, a dívida pública fechou setembro em 35,9% do PIB, estável em relação ao mês anterior. Embora o governo não esteja conseguindo poupar nenhum centavo para pagar os juros desse endividamento, como o Brasil é credor líquido em dólares, o estoque cai quando a moeda americana sobe. Já a dívida bruta subiu de 60,1% para 61,7% do PIB, maior percentual desde 2009.

Considerando todas as despesas do governo e os juros da dívida pública, o setor público registrou um déficit nominal de R$ 224,4 bilhões até setembro.

Mesmo assim, o secretário disse não acreditar que o Brasil será rebaixado pelas agências de classificação de risco em função da deterioração fiscal:

Augustin informou que o governo não estuda mexer nas metas fiscais de 2015. Segundo Augustin, entre as medidas que o governo vai adotar estão reduções de gastos, como os de seguro desemprego e abono salarial, promessa já feita anteriormente e que não foi cumprida, já que esses gastos são obrigatórios e dependem dos pedidos de seguro.

— É possível fazer reduções de despesas que não sejam negativas para o crescimento da economia — disse o secretário.

AMEAÇA DE DESRESPEITO À LRF

BRASÍLIA - Com o Congresso em turbulência no clima pós-eleição, o governo tem como desafio aprovar até 22 de dezembro, quando encerra o ano legislativo, as mudanças na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2014 para adequar a meta de superávit primário à realidade das contas públicas. Caso contrário, estará descumprindo a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), o que pode resultar em punições aos gestores da política econômica e à própria presidente da República.

A LRF prevê que o gestor público deve ajustar as contas a cada bimestre, cortando gastos, se necessário, para assegurar o cumprimento da meta de superávit (economia para o pagamento dos juros da dívida) fixada na LDO.

Em caso de descumprimento dessa recomendação, o que ficará evidenciado se a meta não for revista nem cumprida, as punições estão previstas na lei 10.028, de 2000, que regulamentou a LRF e ficou conhecida como lei de crimes. O artigo 5° prevê que o gestor pagará multa de 30% dos vencimentos anuais, aplicada pelo Tribunal de Contas da União (TCU).

A presidente da Associação Nacional dos Auditores de Controle Externo do Brasil, Lucieni Pereira, especialista em LRF, critica a decisão do governo de alterar a LDO para ajustá-la ao resultado das contas públicas, ao invés de ajustar as contas e cumprir a meta prevista em lei.

— É uma temeridade. Compromete a credibilidade do Brasil no plano interno e internacional o fato de a União propor a alteração da meta, quando deveria se ajustar à LRF. Esvazia o artigo 9º da lei, que prevê o corte de gastos sempre que houver risco de descumprimento das metas fiscais — afirmou.


O governo ainda não informou qual é a nova meta que vai incluir na emenda que proporá ao Congresso para alterar a LDO de 2014. (Regina Alvarez)

Leia o artigo de Lucieni Pereira sobre déficit fiscal nas contas públicas.


Fonte: Jornal O Globo, Economia - 1º de novembro de 2014.

Imprimir   Email