Em período eleitoral, os órgãos públicos lançam cartilhas para orientar seus agentes sobre condutas em conflito com a norma. A necessidade desse cuidado não se restringe aos órgãos públicos, alcançando as entidades representativas, organizações da sociedade civil, dentre outras.
Isso porque a Lei Eleitoral prevê vedações expressas a essas entidades privadas, cujo descumprimento pode acarretar aplicação de multa pela Justiça Eleitoral. A propaganda de candidatos feita por entidades privadas também merece atenção, embora não haja vedação explícita no Código Eleitoral.
Para esclarecer esses e outros aspectos, a Presidente da ANTC, Lucieni Pereira, concedeu entrevista à Comunicação. Confira!
ANTC: AS ENTIDADES ASSOCIATIVAS E SINDICAIS PODEM MANIFESTAR PREFERÊNCIAS PARTIDÁRIAS EM PERÍODO ELEITORAL?
LUCIENI: Os limites da atuação de entidades representativas no contexto eleitoral não é matéria fácil, dada a necessidade de ponderar o princípio da liberdade de expressão com outros princípios constitucionais impressos no Código Eleitoral.
Entidades de classe não podem distribuir material impresso aos associados/filiados conclamando-os a apoiar determinado candidato, tendo em vista a vedação do artigo 24 da Lei Eleitoral que impõe a imparcialidade de algumas entidades e organizações. Há estudos apontando que a vedação da propaganda deve seguir as mesmas premissas da proibição de doações.
Dessa forma, é bom ter cuidado com esse tema.
ANTC: AS ASSOCIAÇÕES E SINDICATOS ESTÃO PROIBIDOS DE FAZER QUALQUER MANIFESTAÇÃO SOBRE CANDIDATOS EM PERÍODO ELEITORAL?
LUCIENI: Segundo os estudos que tenho visto, as associações e sindicatos têm todo o direito manifestar o seu "pensamento institucional" a respeito de candidatos em disputa, mas se o conteúdo de sua manifestação configurar peça de propaganda eleitoral em benefício de candidatos ou partidos, pode incorrer em irregularidade de acordo com a legislação eleitoral.
A ANTC receia manifestações de entidades representativas dos Auditores de Controle Externo que possam passar, ainda que veladamente, a ideia de que esse ou aquele candidato seja mais apto para o êxito dos interesses da classe.
ANTC: COMO A ANTC VÊ A PARTIDARIZAÇÃO DE INSTITUIÇÕES DE CONTROLE?
LUCIENI: Corolário da impessoalidade do Estado é a "apartidariedade", já que Estados partidários são próprios dos totalitarismos e não das democracias. Por essa razão, ANTC tem como princípio a defesa do Estado Democrático de Direito e como fundamento defender a imprescindibilidade do Tribunal de Contas independente, imparcial e apartidário, como instância julgadora e garantidora do devido processo legal na esfera do controle externo.
A concretude do caráter apartidário dos Tribunais de Contas requer - não apenas dos Ministros e Conselheiros, mas também dos Auditores - o devido cuidado com manifestações que possam ter ou parecer ter algum viés partidário no exercício das atribuições.
ANTC: O QUE ISSO INTERFERE NA ATUAÇÃO DAS ENTIDADES DE CLASSE DOS PROFISSIONAIS DA ÁREA DE CONTROLE EXTERNO?
LUCIENI: Embora as Associações e Sindicatos representativos dos Auditores sejam plenamente autônomos para a representação política, é prudente que tais entidades considerem os princípios e valores intrínsecos à atuação profissional de seus representados, sob pena de abalo na credibilidade da classe perante os gestores jurisdicionados dos Tribunais de Contas e a sociedade civil.
Diante disso, a atuação suprapartidária e de neutralidade de entidades que representam os Auditores de Controle Externo destaca-se como pressuposto desejável para a defesa, no plano político, dos reais interesses da classe.
ANTC: COMO OS TRIBUNAIS DE CONTAS TRATAM ESSA QUESTÃO?
LUCIENI: Não conheço os Códigos de Ética de todos os Tribunais de Contas. Sei que o Código de Ética do Tribunal de Contas da União prevê princípios e valores fundamentais a serem observados pelos seus servidores no exercício do seu cargo ou função, merecendo destaque a "neutralidade político-partidária, religiosa e ideológica" (artigo 3º, VII).
O Código do TCU traduz o sentido desse valor fundamental para a credibilidade das ações finalísticas de controle externo, fixando o seguinte dever: "manter neutralidade no exercício profissional – tanto a real como a percebida – conservando sua independência em relação às influências político-partidária, religiosa ou ideológica, de modo a evitar que estas venham a afetar – ou parecer afetar – a sua capacidade de desempenhar com imparcialidade suas responsabilidades profissionais" (artigo 5º, XVI).
Essas são diretrizes importantes, tanto para nortear o desempenho das atribuições finalísticas de controle externo, como também para nossa atuação associativa de entidades verdadeiramente engajadas com a defesa e preocupadas em preservar a imagem dos Auditores de Controle Externo.
ANTC: QUAL A IMPORTÂNCIA DA DEFINIÇÃO DESSAS DIRETRIZES EM CÓDIGOS DE ÉTICA?
LUCIENI: É importante que as instituições sinalizem algumas condutas que não se alinham aos valores e princípios institucionais, para que todos os Auditores possam seguir a mesma diretriz e evitar transtornos no exercício das atribuições.
ANTC: OS AUDITORES TÊM CONHECIMENTO DESSE CÓDIGO DE ÉTICA?
LUCIENI: Os Auditores lidam com uma infinidade de normas no seu dia a dia. Então, é natural que normas de conduta como essas sejam publicadas e a maioria não se atenha a certos detalhes.
Por isso, é importante que os Tribunais de Contas disponham de diagnóstico dos maiores riscos e façam campanhas permanentes para divulgar as principais diretrizes definidas nos respectivos Códigos de Ética. Além de chamar a atenção para o tema, abre-se um canal de aperfeiçoamento dos regulamentos de forma mais participativa.
ANTC: COMO AS INCLINAÇÕES PARTIDÁRIAS DOS AUDITORES PODEM COMPROMETER A ATUAÇÃO INSTITUCIONAL DOS TRIBUNAIS DE CONTAS?
LUCIENI: O resultado das fiscalizações realizadas pelos Auditores de Controle Externo tem elevado potencial de afetar direitos subjetivos de terceiros, podendo resultar em aplicação de multa, afastamento temporário do cargo, declaração de inidoneidade dos licitantes e julgamento de contas irregulares com a consequente inelegibilidade por 8 anos em decorrência da Lei da Ficha Limpa.
Diante desses efeitos, não é raro gestores lançarem mão de todos os recursos para se livrarem de punições severas. E não raras vezes eles se valem do ataque aos Auditores e às fiscalizações.
Daí a importância da neutralidade político-partidária, senão o gestor descontente pode usar esse aspecto para atacar o trabalho, toda a classe e a instituição também.
ANTC: HÁ EXEMPLOS DE ATAQUE NESSE SENTIDO?
LUCIENI: Os ataques são permanentes e o episódio mais recente foi contra o Relatório Setorial sobre os programas de assistência social realizado pelo TCU (FiscAssistência/2014). Na tentativa de desqualificar o trabalho dos Auditores, o Ministério de Desenvolvimento Social (MDS) publicou nota oficial em que faz acusações explícitas acerca da existência de caráter partidário da fiscalização.
A ANTC repudiou prontamente as falácias do MDS. O TCU também publicou nota oficial, nota de repúdio e seus Ministros fizeram manifestações na Sessão Plenária do dia 17 de setembro em atenção ao pedido da ANTC. Confira aqui.
Também são frequentes ataques dos Governos às fiscalizações do TCU que resultam em paralisação de obras públicas, sobre política econômica e avaliação de programas sociais, temas sensíveis e que são naturalmente explorados no plano político-partidário, em especial em período eleitoral. Daí a necessidade de redobrar os cuidados com as manifestações.
ANTC: QUE OUTRAS REPERCUSSÕES AS FISCALIZAÇÕES DOS TRIBUNAIS DE CONTAS PODEM ACARRETAR?
LUCIENI: Os Tribunais de Contas responsabilizam gestores na esfera de controle externo, mas as constatações podem ensejar o ajuizamento de ações nas esferas cível e criminal, a exemplo do Inquérito Civil Público instaurado pelo Ministério Público Federal a partir de informações consignadas no Relatório Setorial dos programas de saúde (FiscSaúde/2014), informações essas que vêm, naturalmente, sendo exploradas nos debates entre os presidenciáveis.
Saiba mais sobre o Inquérito:
ANTC participará de audiência pública promovida pelos Ministérios Público Federal e de Contas do Estado de São Paulo.
ANTC: COMO A ANTC SE POSICIONA EM PERÍODO ELEITORAL?
LUCIENI: O Estatuto da ANTC estabelece que a Associação Nacional não apoiará manifestações de natureza político-partidária de caráter eleitoral ou fundada em crença religiosa. Essa previsão estatutária inspira-se fundamentalmente no princípio da impessoalidade da Administração Pública - destinatária das fiscalizações - e em razão da laicidade do Estado.
A finalidade desse dispositivo estatutário é, exatamente, evitar que os membros da Diretoria atuem de forma que possa, ainda que de forma reflexa, comprometer a credibilidade das fiscalizações realizadas pela classe que representa.
O melhor caminho, a meu ver, é atuar de forma suprapartidária na representação política, em especial no Congresso Nacional e nas relações com o Poder Executivo. Essa é a conduta da Diretoria da ANTC.
Fonte: Comunicação ANTC.