Debate sobre 'pedalada fiscal' tem mais de 45 mil acessos na página da
Associação Contas Abertas
'PEDALADA FI$CAL' & SEUS EFEITOS ELEITORAIS
Por Lucieni Pereira*
Nos últimos dias a mídia noticiou que a Caixa Econômica Federal (CEF) tem sido usada para financiar despesas correntes de programas sociais instituídos pelo Governo Federal, prática também conhecida como 'pedalada fiscal'.
Documentos divulgados pela Associação Contas Abertas comprovam que, desde julho, a CEF reclama dos repasses insuficientes do Governo Federal para atender programas sociais como o Seguro Desemprego e o Bolsa Família que integram a Seguridade Social. Os documentos demonstram que a prática conhecida como "pedalada fiscal" não se limitou apenas aos investimentos federais e chegou, também, aos programas sociais.
O Ministério Público junto ao Tribunal de Contas da União representou para que o órgão investigue a suposta prática.
Mas o que haveria de errado na 'pedalada fiscal'?
Qualquer pessoa, física ou jurídica, que não usa seu salário/receita para pagar suas despesas correntes, e mesmo assim essa conta é paga pelo banco, contrai uma obrigação financeira ou dívida que, no plano econômico-financeiro, configura o conceito clássico de operação de crédito. Na linguagem popular, é o mesmo que 'entrar no limite do cheque especial' para evitar o calote, dívida portanto.
Na Administração Pública, porém, essa prática é vedada pelo artigo 36 da Lei de Responsabilidade Fiscal, que proibe que os bancos públicos financiem os entes controladores.
A razão da proibição é simples: evitar o uso indevido de instituições financeiras para alavancagem fiscal em ano eleitoral, prática comum que marcou a gestão pública nas décadas de oitenta e noventa, e que obrigou a União a refinanciar dívidas de Estados e Municípios, que hoje beiram a casa de R$ 500 bilhões.
A importância dessa proibição é indiscutível, afinal não há 'almoço grátis'. Para evitar o calote dos benefícios sociais, a instituição financeira federal paga a conta que é do Governo e depois apresenta a fatura, com ou 'sem juros' explícitos. Esse descompasso entre o pagamento da despesa e o dispêndio efetivo dos recursos do Tesouro Nacional configura o tipo clássico de operação de crédito. Traduzindo para linguagem popular: é entrar no limite do 'especial'.
Só que 'entrar no limite do especial' significa empréstimo para cobrir insuficiência de caixa, é assim que ocorre com todos, pessoas físicas e jurídicas, inclusive o Governo.
Esse tipo de operação é denominada antecipação de receita na Administração Pública, proibida pela Lei de Responsabilidade Fiscal no último ano de mandato do Presidente da República, Governador e Prefeitos (artigo 38, inciso IV, alínea 'b').
A razão dessa vedação fiscal não é outra senão impedir que, para garantir a perpetuação no poder - do próprio governante ou do sucessor que se queira patrocinar indiretamente -, o Chefe do Poder Executivo desequilibre as contas públicas e deixe uma herança maldita para as gerações futuras.
A preocupação com desajustes fiscais em ano eleitoral é marca presente em várias passagens da Lei de Responsabilidade fiscal. São três as principais proibições no campo das finanças públicas com esse propósito específico: contratação de pessoal e de operação de crédito por antecipação de receita e contrair obrigação financeira (para inauguração de obras públicas em especial) sem deixar disponibilidade de caixa suficiente para o pagamento de restos a pagar no exercício seguinte. Esses são casos recorrentes de uso indevido da máquina pública que tem o potencial de alavancagem eleitoral, com elevado risco de desequilibrar o pleito.
Em suma: de um lado a 'pedalada fiscal' mantém os benefícios sociais em dia, evitando reações dos cidadãos-eleitores beneficiários, de outro o Governo adia a queda substancial do 'colchão financeiro' do Tesouro Nacional, sinalizando para o mercado financeiro um suposto 'cumprimento' das metas fiscais.
Tais subterfúgios - típico do 'jeitinho' brasileiro -, todavia, afrontam o princípio da gestão fiscal responsável, alicerçado na ação planejada e transparente em que se previnem riscos e corrigem desvios capazes de afetar o equilíbrio das contas públicas, mediante o cumprimento de metas de resultados entre receitas e despesas e a obediência a limites e condições referentes à renúncia de receita, geração de despesas com pessoal, da seguridade social e outras, dívidas consolidada e mobiliária, operações de crédito, inclusive por antecipação de receita, concessão de garantia e inscrição em restos a pagar.
Esses são os pilares da gestão fiscal sustentável e responsável, cuja estrutura no Brasil é corroída pela 'criatividade contábil e financeira' que, nos últimos tempos, tem sido a marca da condução da política fiscal na esfera federal, contrariando toda a lógica e a ordem natural das finanças públicas.
*Lucieni Pereira é Auditora Federal de Controle Externo do Tribunal de Contas da União, Professora de Finanças Públicas e Presidente da Associação Nacional dos Auditores de Controle Externo dos Tribunais de Contas do Brasil (ANTC). Brasília, 24 de agosto, 2014.