DECISÃO DO STF QUE ESVAZIAR COMPETÊNCIAS DO TCU E DEMAIS TRIBUNAIS DE CONTAS PODE AUMENTAR IMPUNIDADE E INCENTIVAR CORRUPÇÃO

Chefes do Executivo que ordenarem despesas irregulares poderão ficar impunes. Prefeitos que figuram na lista do TCU serão os principais beneficiados se STF desconsiderar, para fins da Lei da Ficha Limpa, o julgamento irregular quando atuarem como ordenadores de despesas.

BRASÍLIA. Questão importante que tem despertado especial atenção dos juristas brasileiros diz respeito à diferença entre contas de gestão (ou de ordenador de despesa) e contas de governo prestadas anualmente pelo Chefe do Poder Executivo.

Essa distinção tornou-se emblemática após a publicação da Lei da Ficha Limpa, a qual, além de ampliar de 5 (cinco) para 8 (oito) anos o período de inelegibilidade daqueles que tiverem contas julgadas irregulares, dispôs sobre a inelegibilidade decorrente do julgamento irregular das contas de quaisquer administradores que atuarem como ordenadores de despesas - inclusive os Chefes do Poder Executivo - e demais responsáveis por dinheiros públicos, conforme competência exclusiva reservada aos Tribunais de Contas nos termos do artigo 71, inciso II da Constituição de 1988.

Desde a edição da principal Lei de Iniciativa Popular, não são poucas as pressões políticas para impedir a inelegibilidade decorrente do julgamento irregular das contas de gestão dos Chefes do Poder Executivo. A discussão também chegou ao Supremo Tribunal Federal, que deverá decidir a matéria, o que pode ocorrer no âmbito das Reclamações nºs 10.445, 10.456, 10.551, 13.292 e 15.902.

Recentemente, o colunista da IstoÉ noticiou no site que parecer de Ministro do STF “procura tirar do TCU a prerrogativa de ­condenar agentes públicos que ocupem cargos no Executivo”.

Para a Presidente da ANTC, Lucieni Pereira, o tema é preocupante e merece atenção de toda sociedade, pois o que está em jogo não é a penas a aplicação da Lei da Ficha Limpa, mas todo um arcabouço constitucional previsto para garantir a probidade administrativa no trato do dinheiro público.

Glória Merola, Auditora Federal de Controle Externo do Tribunal de Contas da União e Diretora de Defesa de Controle Externo da ANTC, alerta que a decisão de retirar os Chefes dos Poderes Executivos ordenadores de despesa do alcance de julgamento pelos Tribunais de Contas inviabiliza o exercício do controle externo na sua função mais essencial, que é a de preservar o patrimônio público contra atos ilícitos praticados por quaisquer ordenadores de despesas, inclusive os Chefes dos Poderes Executivos da União, Estados e Municípios que pratiquem tais atos.

Isso porque a Constituição de 1988 conferiu aos Tribunais de Contas a competência exclusiva para julgar as contas de quaisquer gestores-ordenadores de despesa, independentemente do cargo público ocupado. "Quem ordena despesa diretamente, seja ele quem for, deve responder diretamente pelos seus atos nas esferas de controle externo, civil e criminal", destaca a Presidente da ANTC.

"Na União, não é comum o Presidente da República andar com talão de cheque no bolso e ordenar despesa diretamente, prática comum nos Municípios brasileiros. Mas se a Presidente da República ordenar despesa diretamente, deve ser responsabilizada pelo TCU, pois julgamento de contas de ordenador de despesa não se confunde com julgamento de contas de governo", frisa Lucieni.

Para as representantes de classe, o desvio de recursos por parte de qualquer agente público deve ser apurado imediatamente por meio de tomada de contas especial. "Trata-se de instrumento processual essencial que possibilita os Tribunais de Contas apurar, tempestivamente, irregularidades praticadas pelos ordenadores de despesas e julgar as contas de qualquer agente que der causa a perda, extravio ou outra irregularidade de que resulte prejuízo ao erário público", ressaltam.

Para recuperar os recursos desviados dos cofres públicos, os Tribunais de Contas podem julgar contas e aplicar multas, cujas decisões têm eficácia de título executivo por previsão constitucional, o que permite a cobrança imediata dos recursos.

Lucieni destaca que a redução desses poderes sobre os Prefeitos e demais Chefes de Executivo que ordenarem diretamente despesas pode não apenas aumentar a impunidade como incentivar práticas de corrupção.

De acordo com o Capítulo Brasileiro da Organização Mundial de Parlamentares contra a Corrupção (GOPAC), o custo da corrupção no Brasil pode chegar a R$ 85 bilhões este ano, sendo este um dos grandes desafios dos Tribunais de Contas. As cifras bilionárias justificam a classificação do Brasil, que ocupou a 72ª colocação no índice de percepção da corrupção mundial em 2013.

Merola lembra que, em 2014, a União gastará com saúde R$ 96,6 bilhões, dos quais cerca de 70% são transferidos a Estados, Distrito Federal e Municípios, ou seja, R$ 67 bilhões, não sendo poucas as irregularidades na aplicação desses recursos federais.

Por isso, as representantes de classe entendem que a decisão que eventualmente vier afastar a competência do TCU e demais Tribunais de Contas para julgar ordenadores de despesa, em razão do cargo eletivo exercido pelo agente político, acarretará não apenas ineficiência da ação de controle externo, mas também poderá constituir incentivo a mais desvios de recursos públicos e aumento da corrupção.

Confira o artigo de autoria da Presidente da ANTC e do Vice-Presidente da AMPCON, Júlio Marcelo de Oliveira.


REPERCUSSÃO DESSE ARTIGO NA MÍDIA:

Site jornalístico Congresso em Foco:
A nova ameaça à Lei da Ficha Limpa.

A Voz do Cidadão no Programa Agito Geral:
Decisão do STF pode enfraquecer os Tribunais de Contas e a Lei da Ficha Limpa.
Ouça a íntegra do comentário:


Fonte: Comunicação ANTC.

Imprimir   Email