UMA OUTRA VISÃO DA QUESTÃO DA RECEITA CORRENTE BRUTA X RECEITA CORRENTE LÍQUIDA

Outro trabalho, de igual importância, é trazido aqui para qualificar o debate sobre o tema acima apontado. Trata-se de texto da lavra de Lucieni Pereira da Silva, Auditora Federal de Controle Externo do Tribunal de Contas da União, Professora de Finanças Públicas e Gestão Fiscal do Instituto dos Magistrados do Distrito Federal (IMAG-DF) e outras instituições de ensino, atualmente é Presidente da Associação Nacional dos Auditores de Controle Externo dos Tribunais de Contas do Brasil (ANTC). Boa Leitura a todos! (leia aqui).

Fonte: Ampasa.


FINANCIAMENTO DA SAÚDE: RECEITA CORRENTE BRUTA X RECEITA CORRENTE LÍQUIDA

A AMPASA faz publicar o precioso texto do Prof. Doutor Nelson Rodrigues dos Santos, um dos expoentes da Reforma Sanitária e da Defesa do SUS, no qual é apresentada uma proposta em defesa do financiamento da saúde com base na Receita Corrente Bruta, conforme projeto de lei de iniciativa popular apresentado pelo Movimento Saúde Mais 10". Boa leitura!

"Saúde Menos 10": COMENTÁRIOS E PROPOSIÇÃO ÀS ALTERNATIVAS COM BASE NA RCL (Receita Corrente Líquida)

Nelson Rodrigues dos Santos
07/12/2013

RAÍZES: O DESMONTE E CONSEQUÊNCIAS

O desmonte financeiro do SUS é política de estado desde 1.990: sem os 30% do Orçamento da Seguridade Social indicados nas disposições transitórias da Constituição, sem a contribuição previdenciária (1.993), com a DRU no Orçamento da Seguridade Social (OSS) (1.995), com a CPMF desviada (1.996) e com a variação nominal do PIB (VNP) (2.000) que perdura até hoje, o que manteve a constante queda do financiamento federal do SUS na Receita Corrente Bruta (Arrecadação): 11,7% em 1.995, 8,0% em 2.002, 7,3% em 2.011 e 6,9% m 2.012. Esse desmonte do financiamento federal permite estimar que o orçamento médio real do Ministério da saúde desde 1.990 ficou reduzido a 1/3 do que era esperado.

Revela a estratégia de Estado de impedir o financiamento federal do SUS de refletir a capacidade arrecadadora, crescentemente voltada para o sorvedouro da especulação financeira, hoje por volta de 48% do Orçamento Geral da União, permanecendo o financiamento federal do SUS estabilizado entre 1,75% e 1,85% do PIB. Essa estratégia estende-se às fortes subvenções do Estado ao mercado de planos privados de saúde, bancando sua rentabilidade e "estabilizando" as classes médias e trabalhadoras, na condição de consumidores nesse mercado.

Apesar dos municípios e estados destinarem o mínimo de 15% e 12% das suas arrecadações ao SUS (os municípios chegaram na média de 22%), o sub-financiamento federal "puxa para baixo" nos 23 anos do SUS, com a grande maioria das 45 mil unidades básicas de saúde em más ou péssimas condições prediais e de equipamentos, além da não ampliação dessa rede em muitos milhares, o mesmo acontecendo com a rede pública de ambulatórios especializados, unidades de pronto-atendimento, serviços de diagnósticos e terapias e hospitais regionais, além da não ampliação dessa rede em muitas centenas de unidades. E pior, desde as unidades básicas até os hospitais regionais, a insustentável precariedade das condições de trabalho em saúde e a ausência de concursos públicos e carreiras sérias e atrativas, permanecendo 60 A 70% do pessoal de saúde terceirizado em regra sob relações de trabalho extremamente precarizadas e aviltantes.

São fartas as evidências de que esse desmonte do financiamento, da rede física e da política de pessoal, não impediu a grande e inabdicável inclusão social, contudo, desviou o rumo da implementação da Atenção Básica universal, de qualidade e resolutiva para mais de 80% das necessidades de saúde da população, assim como o rumo do reordenamento dos serviços de média e alta densidade tecnológica com acesso seguro para os que deles necessitam; agora o rumo é outro: o SUS pobre para os pobres e complementar para os consumidores dos planos privados (classes médias e classes trabalhadoras sindicalizadas).

A RETOMADA: POSSIBILIDADES

A retomada do rumo do SUS para os direitos universais de cidadania é o grande fundamento de o financiamento federal passar para a mesma lógica do financiamento municipal e estadual, daí os 10% da Receita Corrente Bruta da União. Sem qualquer possibilidade ou ilusão de repor o que foi desmontado e impedido nos últimos 23 anos, mas com a possibilidade de retomar o rumo inicial com metas e etapas pactuadas e assumidas pela política de Estado e dos Governos. Metas anuais e trienais: edificações, equipagens, manutenção, concursos públicos e carreiras, extensão e qualificação da Atenção Básica, implementação das redes de atenção integral nas regiões de saúde, qualificação gerencial na prestação de serviços, planejamento e orçamentação ascendentes, deliberações de prioridades e etapas nos Conselhos de Saúde, rateio equitativo dos repasses federais e estaduais e outras. Somente para investimentos em novas unidades, estimativas confiáveis apontam, além de milhares de unidades básicas, mais 500 ambulatórios de especialidades com serviços de apoio diagnóstico e de terapia, 600 unidades de pronto-atendimento e 200 hospitais regionais.

Também são fartas as evidências de que tal propósito de retomada de rumo, considerando os desvios e interesses acumulados nos 23 anos, requererá medidas de impacto em todos os níveis acima citados. Para tanto, já em 2.014, 8% da RCB trará R$ 41,1 bilhões além dos aproximadamente R$ 105 bilhões previstos pela VNP, e no escalonamento até 10% em 2.018, seriam adicionais de 46,2 bilhões em 2.015, 50,3 bilhões em 2.016, 54,8 bilhões em 2.017 e 59,7 bilhões em 2.018, totalizando R$ 257,1 bilhões em 5 anos. É preciso frisar que parte dos adicionais será inevitavelmente absorvida na rotina da atual lógica de elevação de custos e da produção de serviços, até a plena efetivação do novo modelo. Foi com esse objetivo que 2,2 milhões de eleitores subscreveram o Projeto de Lei de Iniciativa Popular (PLIP), PLC 321/2013, que deu entrada na Câmara dos Deputados Federais e aprovado na Comissão de Iniciativa Popular.

DESVIO DA RETOMADA: POSSIBILIDADES

Diante da resistência radical da área econômica do governo (Fazenda, Casa Civil e Planejamento) à elevação do financiamento federal do SUS, senadores e deputados da base governamental apresentam projetos de Lei e substitutivos com base na RCL, também escalonando de 2.014 a 2.018, iniciando entre 13% e 15% em 2014, até 15,6% a 18,7% em 2.018, o que traria adicionais por volta de R$ 5,9 bilhões em 2.014, R$ 7,5 a 8,93 bilhões em 2.015, R$ 11,6 a 14,1 bilhões em 2.016, R$ 16,4 a 20,9 bilhões em 2.017 e R$ 22,8 bilhões em 2.018, totalizando R$ 64,2 a 72 bilhões em 5 anos.

Para os gestores e estudiosos do SUS, são também fartas as evidências de que os valores adicionais estimados com base nos porcentuais da RCL, sequer bastarão para financiar a rotina da atual lógica de elevação de custos e da produção de serviços, centrada na tabela de remuneração por produção dos prestadores de serviços privados complementares, e mantendo a mesma lógica nefasta do rumo real do SUS, prolongando-a e até estabilizando-a.

QUESTIONAMENTOS : A QUESTÃO MAIOR

A insistência dos senadores e deputados em propor alternativas com base em porcentual da RCL, desconsidera que:

- a dotação federal ao SUS nos seus 23 anos, vem caindo perante o crescimento da arrecadação federal expressa na RCB e também perante o crescimento das dotações municipais e estaduais, o que revela uma política de Estado que confronta os postulados constitucionais para a saúde,

- a RCB que reflete diretamente a capacidade arrecadatória da União cresceu em 65,5% entre 2.000 e 2.012, enquanto a RCL, mais vulnerável às oscilações econômicas e casuísmos governamentais, cresceu no mesmo período em apenas 56,6%. (Hoje, 10% da RCB = 18,7% da RCL),

- O rumo real da implementação do SUS nos seus 23 anos não vem atendendo o modelo de atenção expresso nos postulados constitucionais e sim coonestando fortes e crescentes subsídios públicos à expansão do mercado de planos privados de saúde,

- O grande movimento "Saúde Mais 10" que colheu assinaturas de 2,2 milhões de eleitores, as entidades da sociedade civil ligadas ao movimento da Reforma Sanitária Brasileira, os colegiados gestores e do controle social do SUS, perfilam historicamente à retomada do rumo inicial do SUS, com base no financiamento federal de no mínimo 10% da RCB,

- As citadas entidades e movimentos sequer foram consultadas e convencidas para a substituição da RCB pela RCL, e as justificativas pela RCL constituem um elaborado e insistente sofisma de equivalência.

- A questão maior em causa reside no comportamento arcaico da área econômica do Governo nos últimos 23 anos, que se auto-investe em política de Estado, inculca à sociedade e aos governos um único mecanismo de conter a inflação: elevação draconiana de juros que alimenta monumental dívida pública, com encargos que hoje encostam em 48% do Orçamento Geral da União. Nessa trajetória inculcam também o dogma da austeridade radical para os gastos públicos com políticas sociais e desenvolvimento econômico, e da perdularidade para os gastos públicos com os serviços da dívida (juros, refinanciamento, spreads, etc). Para esse arcaísmo da área econômica (Fazenda, Casa Civil e Planejamento), os demais Ministérios não são Estado, nem o Legislativo e mesmo o Judiciário, são "Correias de Transmissão e Coonestação".

HÁ SAÍDA A VISTA?

A saída política verdadeiramente republicana e democrática, reside na assunção das responsabilidades de Estado, de forma plena, também pelo Legislativo, incluindo a base do governo, assim como o Judiciário, os demais Ministérios, as unidades federadas e a Sociedade. Com a assunção dessas responsabilidades, a busca da austeridade também para os gastos públicos com os serviços da dívida, iniciando-se por auditorias, emergirá na sequência como conquista possível. Se nas mesas de decisões entrar o processo eleitoral, certamente descortinarão amplas possibilidades e alternativas, com potencialidades bem maiores que as até agora reveladas pelas pesquisas de opinião. E não vemos melhor "start" que o "Saúde Mais 10": PLIP/PLC 321/2013. Que os parlamentares e militantes das bases governamentais no Congresso Nacional e das bases partidárias de situação e oposição, sinceramente engajados na construção do Estado Democrático de Bem Estar Social, objeto do Capítulo da Ordem Social da nossa Constituição, divirjam e tensionem o debate interno democrático no parlamento, no governo, no partido e na coligação, e demonstrem à atual hegemonia que a grande "esperteza" no exercício do poder é a de somar ao lado dos movimentos sociais já iniciados e os latentes. A começar dos compromissos eleitorais em 2.014. É oportuno lembrar a reflexão de Carlos Matus, citada no preâmbulo da tese de doutorado de Adriano Massuda, atual secretário de saúde de Curitiba:

"EL PUEBLO APARECE Y DESAPARECE EN EL BOSQUE URBANO, TAL COMO IRRUMPE RUGIENTE A PRIMER PLANO EM ELECCIONES Y SE HACE INVISIBILE DURANTE LOS GOBIERNOS, PERO SIMPRE VUELVE A COBRAR SU DEUDA COM PACIENCIA Y ESPERANZA; HASTA QUE CANSADO DE ESPERAR, 'DESPIERTA CADA CIEN AÑOS' COMO DICE NERUDA Y ENTONCES LA TIERRA TIEMBLA".

Carlos Matus – Adios Senõr presidente

- 14/12.

Fonte: Ampasa.

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