CARTA DA ANTC AO PRESIDENTE DO TCU

Ao Excelentíssimo Ministro AUGUSTO NARDES
Presidente do Tribunal de Contas da União

A Associação Nacional dos Auditores de Controle Externo dos Tribunais de Contas do Brasil (ANTC) acaba de tomar conhecimento, por meio do INFO-CCG nº 002, de 2013, da extinção da "Lista Discussão Servidores", criada pelo Tribunal de Contas da União (TCU), na Administração do Ministro Benjamin Zymler, para democraticamente promover e fomentar a interação dos servidores, sem uso das caixas postais institucionais mantidas para a comunicação entre as Unidades do TCU.

Segundo o Informativo em questão, as principais regras que entraram em vigor são as seguintes:

a. os tipos de caixas postais que passam a ser admitidos são: i) individual, destinada a servidor ativo, servidor aposentado ou usuário colaborador; ii) de unidade, destinada à unidade ou subunidade do TCU; e iii) de uso coletivo, destinada a grupo de trabalho, comitê, comissão, projeto ou a atividade específica de interesse do TCU;

b. em consequência, todas as caixas postais e listas estáticas criadas anteriormente e que não se enquadram nessa definição foram desativadas, incluindo a "Lista Discussão Servidores", exceção feita apenas àquelas referentes às entidades associativas (ANTC, AUDITAR, SINDILEGIS etc.), as quais foram mantidas, visando o relacionamento entre seus integrantes, desde que servidores ativos pertencentes ao quadro de pessoal da Secretaria do TCU, visando a discussão de temas pertinentes à interação com a Administração da Casa;

c. as caixas postais individuais passam a ter a limitação de constituição de lista de envio de 50 (cinquenta) destinatários por vez; e

d. a criação de outras caixas postais coletivas, além das natas, passa a ser precedida de solicitação e autorização prévia, a ser atendida pela Setic, ouvida a Assig e a CCG no caso de situações omissas. " (grifos no original)

De início, vislumbram-se os seguintes custos da decisão do TCU:

1. Custo social: dificultar o debate e a troca de experiência entre os Auditores de Controle Externo do TCU prejudica a formação de opinião coletiva sobre matéria de interesse público, com prejuízo à sociedade inclusive;

2. Custo operacional: limitar o debate e a troca de experiência entre os servidores prejudica a criatividade coletiva que poderia subsidiar o planejamento estratégico da instituição, a exemplo do debate sobre o Projeto de Regionalização/Especialização do TCU, entre outros temas.

A despeito dos motivos - justos ou injustos - que levaram o TCU a trilhar esse caminho, não parece razoável tentar limitar a atuação de entidades associativas e sindicais à "discussão de temas pertinentes à interação com a Administração da Casa", já que nem sempre os interesses dos associados de entidades representativas em prol do controle externo e das prerrogativas dos Auditores de Controle Externo convergem com os interesses dos dirigentes e autoridades que, no momento, estão no comando da Administração.

Diante dessa previsão expressa no normativo da CCG, convém rememorar que a Constituição da República, nos incisos XVII e XVIII, do seu artigo 5º, garante a liberdade de associação e veda a intervenção estatal em seu funcionamento. No plano internacional, a Declaração Universal dos Direitos Humanos proclama que toda pessoa tem direito à liberdade de reunião e associação pacíficas.

Não se verifica, pois, histórico de agressão de Auditores Federais de Controle Externo-Área Controle Externo do TCU na "Lista Discussão Servidores", os quais em geral são vítimas de violência difamatória e intimidação, na tentativa desesperada de disseminar a cultura do medo e impor o silêncio, por parte de integrantes de outras classes profissionais que não se demonstram com maturidade suficiente para debater ideias sobre controle externo e prerrogativas profissionais necessárias aos agentes de Estado concursados especificamente para o exercício das atividades finalísticas de controle externo a cargo do Órgão de Instrução do TCU previsto nos artigos 11 e 40 da Lei nº 8.443, de 1992.

Lamenta-se a adoção de medida extrema de extinção do mencionado canal de discussão pela atual Administração do TCU, na oportunidade do início do recesso de final de ano, antes de adotar dosadas medidas administrativas para corrigir eventuais desvios cometidos, entre as quais o bloqueio de envio de mensagem por usuário que tivesse ignorado a advertência pessoal por abuso verificado.

Essa medida extrema impõe recordar a sabedoria de simples lavrador que diz: "em toda lavoura existem ervas daninhas a serem controladas, não se coloca fogo na lavoura por causa destas, para não prejudicar a prosperidade que dos frutos dela virão". Protesta-se, assim, contra a fundamentação da medida que generaliza e pune todos os servidores do TCU, como se os fundamentos estivessem vinculados a todos os apenados.

Entretanto, a preocupação maior da ANTC consiste em tomar conhecimento e contribuir na implementação da solução de tecnologia da informação planejada pela atual Administração do TCU para que se viabilize o debate entre os 1.558 Auditores Federais de Controle Externo-Área Controle Externo, assim como entre esta entidade e potenciais interessados em temas pertinentes ao controle externo e ao regime democrático das finanças públicas no Estado brasileiro, que certamente não fica adstrito aos temas que possam interessar aos breves gestores em qualquer Administração do TCU.

Impende registrar que se confia na boa-fé dos Auditores Federais de Controle Externo-Área Controle Externo signatários da medida, especialmente no compromisso desses agentes públicos em não usar a máquina administrativa contra o interesse público de modo a obstaculizar o debate político acerca do reconhecimento e valorização do Órgão de Auditoria de Controle Externo e de seus Auditores de Controle Externo, assim como sobre o risco de "trem da alegria" que pode ocorrer no Órgão de Instrução do TCU caso sejam acolhidas defesas, sem o devido debate, que constituem verdadeira transposição que o Supremo Tribunal Federal já rechaçou em decisões recentes.

Também não se acredita que a atual Administração do TCU pretenda criar regime de exceção criticável nacional e internacionalmente, com restrição nas comunicações entre os servidores. Nesse sentido, é oportuno ressaltar que, para além das mencionadas garantias constitucionais e internacionais, o Tribunal de Contas da União (TCU) é signatário e representa o Brasil na Organização Internacional de Instituições Fiscalizadoras Superiores (INTOSAI), cujas Normas Gerais de Fiscalização Pública e Normas sobre Direitos e Comportamento dos Auditores (INTOSAI - ISSAI 200) orientam tais Instituições a incentivar seus Auditores a integrarem organismo profissional relacionado com seu trabalho e participar das atividades deste.

O conceito de associação profissional petrificada na Constituição é detalhado tanto no Código Civil Brasileiro como na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), sendo que a análise conjunta dos referidos Diplomas leva à definição de que associação profissional é a pessoa jurídica de direito privado que se organiza pela reunião de pessoas que exercem a mesma atividade funcional, com a finalidade de estudo, defesa e coordenação dos seus interesses profissionais, o que busca a ANTC em prol do interesse dos Auditores de Controle Externo dos 34 Tribunais de Contas do Brasil.

Como se verifica, a criação de mecanismos que propiciem a comunicação dos Auditores de Controle Externo do TCU com as entidades representativas e com a própria instituição coloca a Corte de Contas em sintonia com as diretrizes internacionais traçadas para as Entidades Fiscalizadoras Superiores.

Por outro lado, tem-se que o sistema democrático e o modelo republicano não admitem, nem poderiam tolerar, a existência de instituições sem a correspondente visibilidade da atuação, por se tratar de elemento indissociável da noção de Estado de Direito. Assim sendo, não é saudável que as instituições da República pretendam ser excluídas da crítica social, eis que a legitimidade político-jurídica da ordem democrática, impregnada de necessário substrato ético, somente é compatível com um regime do poder visível.

Ocorre que, enquanto o TCU não for capaz de absorver e gerenciar as críticas internas, dificilmente estará verdadeiramente aberto para processar as críticas externas da sociedade civil, a despeito dos esforços empreendidos para realizar o Projeto "Diálogos Públicos".

Dessa forma, o debate e as críticas ventiladas pelos próprios Auditores de Controle Externo têm o potencial, inclusive, de preparar e até mesmo proteger o TCU de críticas externas, já que as reflexões internas podem conduzir à correção de rumo e evitar desgastes perante a opinião pública.

Também não é demais relembrar que foram os sindicatos de trabalhadores que assumiram parcela fundamental no movimento de redemocratização nacional, por meio, em especial, da greve de 1978 que desafiou o regime militar e deu início a uma luta política que se estendeu por todo o País. Esse é um exemplo da importância da representação política das entidades de classe.

E foi no contexto das mobilizações populares, desencadeadas a partir dessa atuação sindical, que surgiram manifestações em defesa das liberdades democráticas e contra a ditadura militar, entre elas, a luta pela anistia e pelas Diretas Já. Tais movimentos resultaram na Carta Política que completou 25 anos e consagrou a liberdade de comunicação e de atuação associativa, que deve ser franqueada aos Auditores de Controle Externo do TCU.

A medida que extingue a "Lista Discussão Servidores", sem apresentar outra alternativa que viabilize a livre comunicação e a reflexão por parte dos 1.558 Auditores de Controle Externo do TCU lotados em todo Brasil, não contribui em nada para consolidação de cardeais princípios constitucionais.

A ponderação dos princípios não pode ser a tal ponto que venha anular um deles, como colocar "fogo em toda lavoura e prejudicar a prosperidade que dos frutos poderão vir", parafraseando o pensamento simples e óbvio de um lavrador. Ainda mais quando se trata de mecanismos de livre comunicação e de inclusão de Auditores lotados em locais distantes da sede do TCU na Capital Federal.

É princípio básico que o indivíduo ou grupo tenha a possibilidade de expressar pontos-de-vista dissonantes sem prévia censura ou "moderação", mesmo que tal medida desagrade quem quer que seja, ainda mais quando o exercício dessa liberdade visa proteger prerrogativas profissionais e a própria credibilidade da instituição a qual se está vinculado. Isso constitui elemento necessário para qualquer sociedade livre e democrática.

A decisão, à revelia de qualquer debate com as entidades representativas e com os principais interessados, quais sejam, os servidores do TCU, se não inviabiliza ao menos cria obstáculos significativos à mobilização da classe dos Auditores de Controle Externo do TCU contra propostas perigosas a exemplo da "Mordaça Collor", de alteração da Ficha Limpa para reduzir as competências dos Tribunais de Contas, inclusive do TCU, da recente investida de empreiteiros, que financiam parlamentares por meio de associação, com vistas à apresentação e à aprovação de proposta de emenda constitucional para criar um conselho com poderes de rever as decisões de obras proferidas pelo TCU.

Além disso, pode-se dizer que a medida praticamente inviabiliza discussões de alto relevo para os Auditores de Controle Externo lotados em todo Brasil, tais como a adoção ou não do subsídio como padrão remuneratório, o Projeto do TCU de Regionalização/Especialização, a "PEC DO PADRÃO MÍNIMO", a proposta de regulamentação da organização e funcionamento do Órgão de Instrução do TCU no Regimento Interno, entre outros debates relevantes sobre controle externo, gestão pública, controle social e prerrogativas profissionais dos Auditores de Controle Externo.

Em face de tudo que se expôs, venho à presença de Vossa Excelência para requerer em nome da ANTC que:

1) o e-mail institucional destinado à ANTC (Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo.) não seja submetido a limite de destinatários por vez, especialmente para os Auditores Federais de Controle Externo-Área Controle Externo do TCU, pois isso criaria óbices injustificáveis à atuação da Associação Nacional que demonstra zelo pelo controle externo, defende os Tribunais de Contas e suas competências constitucionais e protege as prerrogativas dos Auditores de Controle Externo;

2) o TCU crie espaço na sua página eletrônica, o que poderia ser na intranet, para fórum de debate sobre temas referentes ao controle externo, gestão pública, controle social e promoção da cidadania, a exemplo do que ocorre com Blog.

Para além do alinhamento dessas práticas às diretrizes internacionais da INTOSAI, tais medidas têm o potencial de estimular a reflexão e o debate entre os Auditores de Controle Externo a partir da provocação do próprio TCU ou das entidades representativas, de modo que soluções podem ser alcançadas sem maiores desgastes e baixo custo de manutenção do referido espaço virtual que permitirá a participação de todos os Auditores de Controle Externo do TCU, independentemente de ser filiado/associado a essa ou aquela entidade representativa.

Caso haja algum óbice de ordem orçamentária, a ANTC se coloca à disposição para buscar apoio dos parlamentares no Congresso Nacional com vistas a viabilizar a criação de mecanismos de comunicação democrática no âmbito do TCU.


Cordialmente,

LUCIENI PEREIRA
Presidente da ANTC


Fonte: Comunicação ANTC.

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