No mundo contemporâneo, a recusa de um país em utilizar a ferramenta planejamento de forma intensa, significa que ele está planejando fracassar. Nesse sentido, o vazio deixado pela ausência de planejamento de longo prazo no Brasil, nas últimas décadas, vem contribuindo para facilitar a adoção de decisões políticas que impactam, em especial, a administração e as finanças públicas, com efeitos perversos sobre a governabilidade e a governança no setor público.
Apesar da imposição da Constituição de 1988, que estabelece que a União, estados e municípios devem se apoiar no planejamento para dar suporte técnico à gestão fiscal, essa imposição vem sendo desconsiderada na maioria dos entes federados, notadamente pelo governo federal. Esse quadro tem contribuído para a adoção de decisões e medidas políticas e socioeconômicas equivocadas. Esse é o caso das decisões sobre as regras para a criação, fusão e desmembramento de municípios no país.
Depois da promulgação da Constituinte de 1988, foram criados quase dois mil municípios, em decorrência da delegação dada pela Carta Magna às assembleias legislativas estaduais para decidir sobre a criação de novos municípios. Esse descontrole foi coibido pela emenda constitucional no. 15/1996, ao impor que uma lei regulamentasse critérios mínimos para que cidades se desmembrassem de outras, constituindo uma administração própria. Após dezessete anos de tramitação, a citada regulamentação foi aprovada pelo parlamento. Estima-se que a proposta deve permitir, no curto prazo, que cerca de mais duzentos municípios sejam somados aos 5.570 existentes, visto que cumprem as novas regras.
Estudos recentes sobre o perfil dos municípios brasileiros, como por exemplo, o da pesquisa feita pela Federação das Indústrias do Estado do Rio (Firjan), evidenciam que menos de 2% das prefeituras conseguem pagar a folha de pessoal com recursos próprios e que os 98% restantes precisam de transferências da União e dos estados. Registre-se que nesses municípios moravam 35,2% da população brasileira. E que, além do aumento do gasto com pessoal e dos baixos dispêndios com investimento, há comprovada incapacidade de gerar receita própria.
Constata-se que a criação de novos municípios repercute fortemente na administração e nas finanças públicas, considerando que irá provocar aumento de gastos para custear as estruturas dos poderes executivo e legislativo. Estima-se que apenas os novos municípios que serão criados no curto prazo irão consumir cerca de R$ 10 bilhões mensais, considerando o número de prefeitos, vice-prefeitos, vereadores, servidores das prefeituras e câmaras municipais.
É previsível que, no médio e longo prazo, o número de municípios deverá ser ampliado significativamente, o que refletirá na governança pública, agravando a crise fiscal já instalada na grande maioria deles. Registre-se que o desmembramento ou a criação de novos municípios, em geral, tem como principais beneficiários os interesses de partidos políticos, de grupos ou de indivíduos, que irão ocupar um novo espaço de poder, dele se beneficiando ou se locupletando. Por sua vez, as despesas advindas das ineficiências municipais deverão ser pagas pelos cidadãos-contribuintes, por meio da criação ou aumento dos tributos.
Torna-se recomendável, diante desse contexto, que após a criação do novo município, além dos estudos exigidos pela lei que regulamenta o tema, considerem-se os aspectos da organização e funcionamento da gestão pública. Assim, antes de se proceder às eleições, deveria adotar-se uma carência mínima, de pelo menos três anos, para estruturar de forma adequada o sistema de gestão e a infraestrutura municipal, com o apoio do estado onde se localiza e da União.
Essas medidas poderiam contribuir para evitar que os novos entes federados comecem a funcionar sem as condições mínimas de governança, em particular, no âmbito da gestão fiscal, como vem ocorrendo na maioria dos municípios no país.
Fonte: Secom UnB.