Evento online foi organizado em parceria com a AudTCU, ANPR e o Instituto Não Aceito Corrupção na segunda-feira (17)
A Associação Nacional dos Auditores de Controle Externo dos Tribunais de Contas do Brasil (ANTC) promoveu, nesta segunda-feira (17), a live "Retrocessos decorrentes do 'balcão único' da leniência", em parceria com a Associação da Auditoria de Controle Externo do Tribunal de Contas da União (AudTCU), Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR) e o Instituto Não Aceito Corrupção (Inac).
O evento online teve como debatedores o auditor de controle externo e vice-presidente da AudTCU, Nivaldo Dias Filho, o presidente do Inac e procurador de Justiça em São Paulo, Roberto Livianu, o procurador do Ministério Público de Contas junto ao TCU Júlio Marcelo de Oliveira e a subprocuradora-geral da república e coordenadora da comissão de assessoramento em leniência do MPF, Samantha Chantal Dobrowolski.
O foco da live girou em torno da discussão sobre o Acordo de Cooperação Técnica (ACT) entre Controladoria-Geral da União (CGU), Advocacia-Geral da União (AGU), Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP) e o Tribunal de Contas da União (TCU) que impõe retrocessos aos acordos de leniência da Lei 12.846/2013. A ANTC assinou nota pública em conjunto com outras sete entidades de âmbito nacional contra o acordo no dia 12 de agosto. Confira o documento através deste link.
A subprocuradora-geral da república, Samantha Dobrowolski, iniciou o debate levantando três pontos negativos da proposta atual. O primeiro diz respeito à redução da amplitude, a partir da restrição aos órgãos do poder Executivo, pois a atratividade para a assinatura de um acordo de leniência, defende ela, está não apenas no grau de benefícios possíveis, mas também na segurança e amplitude que o acordo possa oferecer. "A submissão do Ministério Público, órgão autônomo, a órgãos do Executivo é um retrocesso. (...) Há uma subversão do sistema, que contraria o princípio democrático da separação dos poderes", opina. Para ela, pode crescer ainda o risco de captura dos organismos que podem celebrar os acordos, através de relatos menores, menos específicos, sem entregar toda a matéria ou mesmo sobre um assunto que o Ministério Público já esteja investigando.
Quando perguntado sobre como evitar que a realidade da Operação Mãos Limpas, da Itália, se reproduza no Brasil, o procurador do MPC-TCU Júlio Marcelo afirmou que o caso italiano representa um alerta para o país. “Serve de manual de História em que, por um lado, os que vivem da corrupção estão tentando usar para repetir o que aconteceu na Itália. Por outro lado, um time que quer combater a corrupção, os organismos de transparência usam esse manual como alerta”, frisou.
Sobre a ideia de um “balcão único”, Julio Marcelo destacou que deve estar centrado no Ministério Público Federal e não em instâncias do Executivo ou Judiciário. “A ideia de um ‘balcão único’ é em si sedutora, só que não pode ser com a ausência do MPF, no caso da jurisdição federal. Na verdade, o ‘balcão único’ devia ser no MPF e só. Não tem por que órgãos do Poder Executivo participarem dessa negociação. Nós temos um órgão que tem a competência para fazer a persecução penal, portanto, esse órgão, o MP, é o que está mais qualificado para avaliar se a empresa está trazendo informação relevante ou não”, defendeu. Ele caracterizou o ACT assinado no dia 6 de agosto como uma “gambiarra jurídica”.
Roberto Livianu lamentou o julgamento do procurador Deltan Dallagnol, coordenador da Lava Jato no Paraná, marcado para esta terça-feira (18). "Amanhã, quem estará no banco dos réus é o Ministério Público Federal", cravou, lembrando que seria o primeiro afastamento compulsório feito pelo Conselho Nacional do Ministério Público em virtude de um posicionamento. Ele fez uma crítica sobre a falta de legitimidade do poder judiciário para celebrar os acordos de leniência. "Qualquer problema será submetido ao judiciário. O tribunal é um organismo que dirime as questões relacionadas à leniência. É um absurdo ver o Supremo assinando esse acordo", focou. Ele alertou que a ausência do Ministério Público provoca uma fragilidade jurídica.
O vice-presidente da AudTCU e auditor de controle externo, Nivaldo Dias, desmistificou a ideia de que a responsabilização de empresas corruptas que atuam no mercado público afeta a geração de empregos. “Primeiro ponto, empreiteiras de obras públicas não geram empregos. O que gera empregos é o dinheiro público. Acabou o dinheiro público acabam os empregos em obras públicas. Porém, não estou dizendo aqui que mais dinheiro público em obras significa necessariamente mais empregos. E digo mais: salvar empresas corruptas no mercado público gera desemprego, falência de empresas honestas, subdesenvolvimento, mortes", explicou.
Nivaldo destacou que o objetivo dos acordos de leniência é criar um ambiente de desconfiança entre empresários envolvidos em corrupção, que ficariam receosos de serem delatados por comparsas da corrupção. “A mensagem que os acordos precisam passar é que colaborar é melhor do que não colaborar, mas o bom mesmo é ser honesto. O segundo ponto é que a empresa infratora precisa perceber que, ao colaborar, vai ter algumas vantagens e que o Estado como um todo vai ser sensível a essa colaboração sincera. O terceiro ponto é que os acordos podem aumentar a capacidade investigativa dos órgãos e entidades de combate à corrupção”, declarou, citando o exemplo da Operação Lava Jato.
O mediador Erick Mota recordou que o Acordo de Cooperação Técnica remete à MP 703, editada em 2015, que já caducou e foi mote para um intenso debate na sociedade civil, entre especialistas e também no Congresso Nacional. "Se vingar, o ACT é um retrocesso jurídico e um grave problema de hierarquia normativa. Para além da questão formal, houve uma questão procedimental, porque o debate sobre os termos do ato ficou muito restrito ao ambiente da CGU, TCU, Supremo e Ministério da Justiça", elencou a subprocuradora-geral, considerando as experiências já consolidadas no MPF de seis anos de Lei Anticorrupção.
Nivaldo Dias salientou a importância do debate para pontuar o outro lado do acordo de cooperação técnica e apresentar os riscos envolvidos para a sociedade. “Tentamos ser o mais didáticos possível para que o cidadão possa entender o que está acontecendo. Este problema só pode ser resolvido com ampla discussão o que não aconteceu à época da edição da Lei 12.846/2013”.
“Essa foi uma oportunidade de pontuar o outro lado desses acordos, dar uma satisfação à sociedade. Os auditores de controle externo, assim como todos os outros profissionais que atuam no combate à corrupção e na lisura dos gastos públicos podem e devem participar desta discussão para que nós possamos ter um modelo que efetivamente funcione”, acrescentou o auditor de controle externo do TCU.
Também na intenção de tornar o assunto acessível ao público em geral, Livianu fez uma metáfora com o dito popular de deixar uma raposa tomando conta do galinheiro: "Você não pode entregar esse assunto nas mãos do governo sem que alguém esteja fiscalizando de fora, porque as empresas que estão negociando podem ter entre os sócios doadores de campanha".
A subprocuradora-geral Samantha concluiu dizendo que o ACT violou procedimentos de diálogo e confiança que havia entre as instituições, que não é cogente, que para ter efeito precisaria observar a legislação e que deveria produzir linhas de melhoria da atuação interinstitucional, mas o resultado está sendo totalmente o oposto.
Fonte: Comunicação ANTC