A live encerrou a semana em comemoração aos 8 anos da entidade, celebrado no dia 10 de agosto
A programação de lives em homenagem aos 8 anos da Associação Nacional dos Auditores de Controle Externo dos Tribunais de Contas do Brasil (ANTC) foi encerrada com o quarto webinar, sobre “O dever de probidade na atuação institucional: do controle de atividades ao assédio moral”, nesta sexta-feira (14). O evento teve como participantes a auditora de controle externo, presidente da AudTCE-MS e diretora jurídica da ANTC, Kasla Garcia, a procuradora do MPC-SP e professora da FVG-SP Élida Graziane, a advogada, coordenadora Acadêmica da ESA OAB-RJ e árbitra, Thaís Marçal, e o procurador do trabalho Paulo Douglas Moraes. O debate foi mediado pelo jornalista Erick Mota, do site Regra dos Terços.
Ao abrir o debate, Kasla salientou que o assédio moral não é um tema novo e está diretamente ligado ao cotidiano das relações na administração pública, interferindo na saúde psíquica e física dos indivíduos. Recorrendo ao pensamento filosófico de Michel Foucault, comentou que o problema decorre da manifestação de poder e ocorre tanto no setor público como privado e salientou a importância da probidade como dever. “A probidade é aquilo que se tem de correto e honesto dentro do agir institucional, seja pública ou privada, estabelecendo-se um limite entre o que é efetivamente o controle e o que ultrapassa esse controle”, definiu.
A auditora de controle externo da Corte de Contas sul-mato-grossense destacou a relevância de se debater o assédio institucional. “Quando é de forma institucionalizada, o céu é o limite, porque você tem diversas maneiras de caracterizar o assédio. O problema do assédio nos órgãos de controle é o mesmo da evolução dos processos individuais para os coletivos. O agir individual vai ceder espaço para o agir coletivo”, frisou.
Ao iniciar sua fala, a procuradora Élida Graziane parabenizou a ANTC por trazer à tona uma discussão tão atual e relevante para as relações de trabalho dentro e fora do setor público. Citando o filósofo Max Weber, defendeu que só é legítimo o agir institucional dentro dos padrões racionais de legalidade e definiu o assédio moral como a dimensão primeira de corrupção do sentido da lei. “Não podemos tratar o assédio moral como algo menor que corrupção. Quem usa um cargo público para impor sua vontade privada a um outro agente público que também tem um plexo de competências atribuído em lei corrompe a perspectiva impessoal, republicana de que o gestor público não pode se apropriar privadamente do interesse público”.
A professora da FGV-SP salientou ainda que, quando a lógica de captura de lealdades ocorre dentro de um Tribunal de Contas, deslegitima o próprio controle. “O assédio moral exercido contra servidores concursados esvazia a própria razão de ser do controle. Controle que se deixa tomar por assédio moral já questiona a sua razão de existir, por corrupto que se torna”, cravou. Indo no mesmo sentindo das duas debatores anteriores, a coordenadora Acadêmica da ESA OAB-RJ, Thaís Marçal, enfatizou que poder significa responsabilidade “Quero parabenizar a ANTC pela organização deste debate, muito oportuno no cenário nacional. Vale a pena ressaltar a importância dos poderes exercerem suas competências de maneira a irradiar a probidade para os demais atores. Os órgãos de controle têm um papel fundamental nisso”.
A advogada lembrou que a atuação dessas instituições irá pautar a dos demais integrantes da administração pública e até dos entes privados. “Um controle bem exercido é fundamental que respeite os parâmetros legais e que consiga também dever de obediência aos princípios que norteiam a atuação da administração pública”, comentou.
O procurador do trabalho Paulo Douglas Moraes destacou que a discussão em doutrina do assédio moral é algo recente. “É algo que ganha uma roupagem doutrinária nova, porque as relações de trabalho tanto no setor público como no privado vêm cada vez mais ganhando uma conotação que sai do espaço físico para o imaterial e, nessa transição, nós temos hoje uma intensificação dos conflitos de natureza psicológica”. Ele destacou ainda a carga de subjetividade intrínseca ao tema: “A complexidade do assédio moral já nasce dentro desse caráter extremamente subjetivo da conduta daquele que age e também daquele que recebe a ação”.
No segundo bloco do debate, quando provocada pelo jornalista Erick Mota sobre a definição da Controladoria Geral da União (CGU) de que o servidor público não pode expressar suas opiniões sobre as instituições, Kasla Garcia afirmou que a decisão confirma práticas cotidianas que atentam contra a liberdade e dignidade da pessoa humana. “Isso só trouxe à tona algo muito conhecido dos auditores de controle externo. Dentro dos códigos de ética dos auditores, dos agentes dos Tribunais de Contas, existem proibições também nesse sentido, de criticar ou emitir juízo de valor publicamente sobre voto ou decisão de membros do Tribunal”.
Durante a live, a diretora jurídica da ANTC apresentou exemplos de campanhas de Cortes de Contas que ferem o direito à manifestação de pensamento. “Dentro da perspectiva dos auditores de controle externo, o grande problema do assédio institucional é que o dano é ainda maior, porque o nosso trabalho está umbilicalmente ligado a prestar um bom serviço à coletividade. Assim, as consequências são deletérias para a sociedade. Além dos agentes públicos sofrerem demasiadamente com as consequências, ainda vamos passar para a coletividade essas consequências”, declarou.
Dialogando com Kasla, Élida Graziane destacou a importância de reunir um lastro probatório para uma eventual representação por improbidade administrativa e defendeu a necessidade de se resguardar a independência funcional dos atores que atuam nos órgãos de controle. “Precisamos resguardar a autonomia e independência interpretativa de quem vai in loco fazer a fiscalização. Se quem faz primeiro o levantamento de dados de auditoria não tiver essa proteção legal, esse anteparo analítico, efetivamente o Tribunal de Contas não vai conseguir cumprir o seu papel, não vai ter a capacidade de dar a resposta que a sociedade espera deles. Os auditores de controle externo precisam dessa proteção”.
Perguntada sobre a indenização em caso de assédio, Thaís Marçal enfatizou o vasto respaldo jurisprudencial que legitima uma condenação dessa natureza. “Temos diversos precedentes do Superior Tribunal de Justiça (STJ) em que reconhece a possibilidade de reconhecimento de improbidade administrativa em se tratando de assédio moral praticado em face de servidores por agente superior hierárquico. O assédio é uma violação ao princípio da legalidade, como bem colocaram Kasla e Élida”.
Ela acrescentou a necessidade de implementação de mecanismos de compliance e criticou a prática de criação por conselheiros de códigos de conduta. “O compliance tem um papel muito interessante em relação a mecanismos de prevenção e até mesmo de repressão desse tipo de irregularidade”. Ainda sobre a reparação por dano em caso de assédio, Thaís ressaltou o papel das associações de classe na representação dos associados.
Ao abordar o tema da interferência entre funções, Douglas Moraes destacou como inadmissível dentro do sistema Tribunal de Contas, salientou que é indispensável separar o que é invasão do mérito da atividade do auditor de controle externo e o mérito da atuação do próprio conselheiro. “Isso pode evoluir para um assédio moral”. Ele apontou como solução para o problema a garantia do caráter democrático da gestão. “Pouco vale uma comissão de ética se ela não é democrática. O componente democrático chama um outro aspecto que é diretamente ligado à missão das associações, da ANTC neste caso, que é o elemento corporativo”, defendeu.
O assédio sexual contra as mulheres foi outro tópico abordado na live, tema analisado pela auditora de controle de externo Kasla Garcia. “Não é incomum e é mais grave. Ultimamente, as mulheres estão entrando pesado em todos os cargos públicos e a propaganda de que mulher não se une vem sendo superada nos últimos tempos. As mulheres estão reagindo a esse tipo de assédio de forma coletiva e as associações têm um papel fundamental de defesa das mulheres”.
A presidente da AudTCE/MS voltou à questão da independência entre as funções nas instituições de contas. “Dentro da função finalística, não existe hierarquia entre as três carreiras dentro dos Tribunais de Contas. Existe uma horizontalidade nas suas relações. Isso é postulado da ANTC, do qual nós não abrimos mão”, citando a campanha de oito metas lançada na semana de 8 anos da entidade.
Élida Graziane relatou no debate experiências pessoais de assédio moral e concordou com Kasla que apenas questionar a ilegalidade não é suficiente. “Não se constrói democracia se nós não fizermos cotidianamente a antítese contra as arbitrariedades. Hegel dizia que, se não fizermos a antítese, a síntese, ao final, é de uma gestão patrimonialista, de autoridades hierarquicamente superiores se acharem no direito de deturpar o sentido da lei para apenas extrair a máxima vantagem privada. A nossa antítese é um dever republicano de ampliação da efetividade da Constituição de 1988. Reitero o meu apoio a que os auditores de controle externo sejam reconhecidos e valorizados, de modo que consigamos aprimorar o controle”, finalizou.
O público da live parabenizou o alto nível da discussão e as falas dos convidados sobre uma tema tão urgente e atual. “Não foi um debate, foi uma aula de direitos humanos. Agradeço a todos que contribuíram. Parabéns pelos 8 anos da ANTC, que venham no mínimo mais 80”, elogiou o expectador Fernando Insaurralde.
O webinar está disponível no canal da ANTC no YouTube e pode ser acessado pelo link https://www.youtube.com/watch?v=XJQ5E4HWi28.
Fonte: Comunicação ANTC