Debate, disponível no canal da entidade do YouTube, foi mediado pelo vice-presidente da ANTC, Ismar Viana, e contou com participação Odilon Cavallari, José Roberto de Oliveira e Vladimir da Rocha França
O terceiro webinar em comemoração aos 8 anos da Associação Nacional dos Auditores de Controle Externo dos Tribunais de Contas do Brasil (ANTC) foi realizado nesta quinta-feira (13), pelo canal da entidade no YouTube. O encontro foi mediado pelo seu vice-presidente, auditor de controle externo do Tribunal de Contas do Sergipe (TCE-SE) e professor de direito, Ismar Viana, e teve como convidados o auditor de controle externo e doutorando em direito Odilon Cavallari, do TCU, o procurador, coordenador do Núcleo de Combate à Corrupção da PGR da 3ª Região, professor da PUC-SP e presidente da Idasan, José Roberto de Oliveira, e o professor da UFRN, advogado e membro do instituto, Vladimir da Rocha França.
Sob o tema "Direito administrativo sancionador e os Tribunais de Contas", os debatedores discutiram as influências dessa área na atuação das Cortes de Contas. Eles destrincharam conceitos teóricos jurídicos e constitucionais e analisaram a atuação e os desafios, além de apontar caminhos para melhorias, como o aprimoramento e a padronização das instituições, uma das lutas centrais da ANTC.
Odilon Cavallari iniciou a abordagem sobre a influência do direito administrativo sancionador nas Cortes de Contas, tema qualificado por ele como extremamente atual. "Os Tribunais de Contas são órgãos de fiscalização que não se limitam a investigar os fatos. São órgãos judicantes - não jurisdicionais - e imputam responsabilidades a agentes públicos e também privados, pessoas jurídicas. Essa atividade precisa ser pautada pelo direito", introduziu. "O direito administrativo sancionador exerce uma função importante, porque nos traz subsídios, instrumentos jurídicos para que os Tribunais de Contas possam bem exercer as suas atribuições. É um órgão que tem uma estrutura por si só desafiadora", analisou, ao comparar com o Direito Penal, que tem quatro instituições atuantes. "No caso dos Tribunais de Contas, tudo é feito pelo próprio órgão”.
"O grande desafio dos Tribunais de Contas é aplicar esse mundo do dever ser, do direito, à realidade fática, ao mundo dos fatos, sem desconsiderar a realidade, mas também sem passar por cima do direito", acredita Odilon, para quem um grande desafio é discernir o gestor bem-intencionado daquele que erra porque quer errar. Ele grifou que as Cortes de Contas têm, "cada uma a seu ritmo", se aperfeiçoado e destacou a importância da multidisciplinaridade das instituições, com profissionais de distintas formações, como engenharia, contabilidade, administração e economia, cujos conhecimentos e habilidades auxiliam na fase de apuração dos fatos e coleta de provas. "Todos precisam atuar de modo muito aderente a regras e princípios do direito, particularmente do direito administrativo sancionador", cravou.
Professor da UFRN, Vladimir da Rocha França acredita que um dos problemas em torno do âmbito de competências ou alcance dos Tribunais de Contas está na má compreensão ou compreensão açodada a respeito dos modelos jurídicos de ilícitos que devem ser enfrentados pela atuação do sistema. Ele fez uma análise das competências legais atribuídas às Cortes de Contas e opinou que "pode perfeitamente reconhecer a existência da incidência da norma sancionadora veiculada pela Lei 8429, mas não tem competência para aplicar essa norma sancionadora nem usar isso como argumento para tanto", posição apoiada pelos outros debatedores. "Eu acredito que a questão chave dessa questão em torno da prescritibilidade ou imprescritibilidade, ou seja, até que ponto essas sanções civis aplicadas vão influenciar ou não na questão da improbidade administrativa, passa necessariamente pela análise das várias garantias que existem no modelo jurídico-administrativo", posicionou-se.
O professor José Roberto destacou que o fato de o direito administrativo sancionador está sendo revisitado pela importância da temática e necessidade de aprofundamento de estudo das estruturas teóricas se deve em parte à atividade e ao fortalecimento dos Tribunais de Contas, por terem atribuição sancionadora prevista na Constituição e que, portanto, deve ser regulamentada por lei. "Para nós, o direito administrativo sancionador, considerando a realidade brasileira, que às vezes é muito diferente dos países europeus, certamente tem um campo gigantesco de abrangência e certamente inclui, de um lado, o sistema de responsabilidade da improbidade administrativa e, de outro, o sistema de responsabilização de agentes públicos e particulares, pessoas físicas e jurídicas, junto aos Tribunais de Contas", resumiu. Ele elenca como desafio construir um regime próprio dos Tribunais de Contas do ponto de vista da atividade sancionadora, considerando os direitos e garantias fundamentais e também a necessidade de haver eficiência e respeito aos princípios jurídicos.
Mediador do debate, Ismar Viana fez uma provocação sobre a necessidade, no âmbito dos Tribunais de Contas, de mecanismos mais fortes para garantir a imparcialidade de atuação dos atores processuais, por concentrarem as três funções processuais dentro de um só órgão. "No que tange aos atos de improbidade, pontuados pelo Prof. Vladimir, uma coisa é a incidência do ato, outra coisa é aplicação. Uma coisa é reconhecer que houve a incidência. A Lei 8429, em momento algum, conferiu competência para que o Tribunal de Contas aplique as sanções previstas, por mais que possa ter sanções similares que sejam de competência do Tribunal de Contas". Ele salienta que a execução das sanções de natureza pecuniárias são levadas para o poder judiciário no exercício da jurisdição civil. "Eu acho que o sistema de controle de contas que temos no Brasil deveria ser aperfeiçoado. A interdisciplinaridade permite que o Tribunal de Contas tenha a possibilidade de fazer um controle mais eficiente da administração pública que o poder judiciário, até pela intensa participação que o Tribunal de Contas tem tanto na formulação como no controle de políticas públicas", disse ele, defendendo ainda a separação das funções.
Sobre a função cientificadora, Ismar destacou ser crucial individualizar condutas e definir responsabilidades, para não banalizar a cientificação. "Quando o MP recebe uma cientificação do Tribunal de Contas de um suposto ilícito de improbidade, já se sabe que aquilo foi dialogado na perspectiva do controle externo. Por ser um órgão que adentra a vida pulsante da administração pública, tem acesso a dados e informações e aquilo pode instrumentalizar uma ação de improbidade e uma ação penal", declarou. Nesse contexto, Odilon destacou a não produção de provas após apresentada a defesa do gestor: "Quando o Tribunal decide por citar alguém, toda a matéria probatória tem de estar concluída. Não dá para citar no 'achismo'. (...) Caso contrário, o processo corre um grande risco de nulidade".
O auditor de controle externo do TCU reforçou a necessidade de haver uma nítida separação entre que investiga, quem julga e que é o fiscal da lei, à luz da Norma P50 da Organização Internacional das Entidades Fiscalizadoras Superiores (Intosai). "Em alguns Tribunais de Contas ela é absolutamente nítida. No TCU, ela decorre da nossa própria Lei Orgânica, mas muitos Tribunais de Contas não têm", levantou ele, sobre a separação de funções e independência dos auditores das Cortes de Contas. A opinião foi reforçada pelo professor José Roberto: "A segregação de funções é fundamental. Não há como julgar se uma conduta é ilícita tendo participado da investigação ou instrução dos atos. Essa questão da segregação de funções me parece que, naturalmente, deveria ser muito bem trabalhada pelos regimentos internos dos Tribunais de Contas de modo a assegurar a imparcialidade no momento anterior e a imparcialidade no momento posterior.
As discussões acerca de dolo e culpa na atuação judicante das Cortes de Contas também foram incluídas no debate. "A voluntariedade não se confunde com dolo ou culpa, que diz mais respeito à questão da finalidade da conduta. O dolo vai ter uma presença diferente no ato ilícito administrativo disciplinar, no ato de improbidade administrativa e no ato ilícito que seja objeto de competência sancionadora do Tribunal de Contas", pontuou o professor Vladimir. Odilon destaca que o objetivo do Tribunal de Contas é descobrir a verdade. Para ele, fazer uma auditoria e chegar à conclusão de que está tudo dentro da lei não é motivo de frustração, mas de alegria.
“Entre a consensualidade e a sanção, é necessário um meio-termo difícil de ser encontrado e com o cuidado de "não fazer da letra da lei uma letra morta", acredita Odilon Cavallari. "Parece que de uma hora para a outra, a consensualidade vai resolver todos os nossos problemas. Como tudo no Brasil, a gente precisa de alguma entidade ou criatura que nos salve dos problemas. E agora escolhemos a consensualidade, inclusive no contexto da pandemia, que é uma lente de aumento", provocou José Roberto, que aproveitou para elogiar o Sistema Único de Saúde (SUS) e concordar com a proposta de um meio-termo entre as duas condutas.
O vídeo está disponível no canal da ANTC no YouTube e pode ser acessado pelo link https://www.youtube.com/watch?v=6oUi0GpMvAE, assim como o webinar "Um diálogo sobre o Fundeb e a educação no Brasil", realizado na quarta-feira. Acompanhe nossas redes sociais e comemore conosco usando a hashtag #ANTC8anos.
Fonte: Comunicação ANTC.