NOTA PÚBLICA

A ASSOCIAÇÃO NACIONAL DOS AUDITORES DE CONTROLE EXTERNO DOS TRIBUNAIS DE CONTAS DO BRASIL (ANTC), entidade de classe de âmbito nacional de representação homogênea, integrada por 23 entidades afiliadas de todas as regiões do Brasil e representativa exclusivamente dos ocupantes de cargos de provimento efetivo de Auditor de Controle Externo dos 33 Tribunais de Contas brasileiros, tomou conhecimento de retrocesso e risco institucional no âmbito do Tribunal de Contas do Estado do Rio Grande do Norte (TCE-RN), em razão da nomeação de pessoas alheias ao seu quadro próprio de pessoal para o exercício de funções específicas finalísticas de Controle Externo da Administração Pública.

1. É cediço que, para o regular desempenho das funções de auditoria no âmbito do Controle Externo da Administração Pública, o Legislador Constituinte Originário exigiu dos Tribunais de Contas um “quadro próprio de pessoal” (art.73 da CF/88), visando evitar ingerências no âmbito fiscalizatório ao guarnecer o Auditor de Controle Externo de vínculo institucional efetivo que viabilize a independência funcional e a qualificação adequada para o desempenho de suas funções típicas de Estado. Com efeito, a independência no exercício da função fiscalizadora não é somente um direito dos integrantes deste quadro, mas um dever institucional que alicerça o devido processo legal, exigido não só pelo Código de Ética do TCE-RN (art. 4º da Resolução nº 026/2016) e normas mais básicas de Auditoria, mas pela própria Lei Maior da República que, inclusive, determina aos Tribunais de Contas a observância às normas de processo e garantias processuais das partes (art. 73 c/c art. 96, I, a).

2. Não por outra razão a ATRICON (Associação dos Membros dos Tribunais de Contas do Brasil) editou a Resolução[1] n° 13/2018, que reza que as “atividades de auditoria sejam exercidas exclusivamente por auditores de controle externos (ou denominação equivalente), integrantes de seu quadro próprio de pessoal.” – item 22, resguardando, ainda, as atividades de direção, coordenação, chefia e assessoramento das áreas finalísticas de controle externo para os integrantes do seu quadro próprio de pessoal, in verbis:

 

Art. 23. Assegurar que as atividades de direção, coordenação, chefia e assessoramento das áreas de fiscalização, auditoria e instrução processual sejam desempenhadas exclusivamente por ocupantes de funções de confiança, cujas designações sejam atribuídas aos servidores públicos concursados das carreiras finalísticas de controle externo integrantes de seu quadro próprio de pessoal”.

3. Ora, se é a aprovação em concurso público que credencia o agente para a ocupação do cargo e desempenho das atribuições legais a ele vinculadas, investindo-o do atributo da competência legal para o exercício da auditoria no âmbito do controle externo, por maior motivo não se reveste de regularidade e constitui um retrocesso indubitável querer designar para dirigir ou coordenar referidas atividades um terceiro alheio ao quadro próprio de pessoal do Tribunal de Contas, que sequer possui ordinariamente as atribuições legais do cargo efetivo, ou seja, que não foi submetido ao crivo do concurso público para credenciá-lo como legalmente competente e apto para o desempenho da função, com vínculo precário de livre nomeação e exoneração que não confere segurança e prerrogativas funcionais para viabilizar independência, que é um pressuposto da imparcialidade que alicerça o devido processo legal.

4. Isso porque, embora no âmbito do TCE-RN as atividades de direção e chefia no âmbito da Auditoria sejam formalmente cargos em comissão, esta é outra questão que urge corrigir, visto que tais atividades, em essência, possuem natureza de funções de confiança, pois se tratam, em verdade, de acréscimos de responsabilidade nas atribuições legais do cargo efetivo de Auditor de Controle Externo, atribuições estas que, portanto, não são franqueadas a ocupantes de cargos exclusivamente em comissão, dada a já mencionada exigência constitucional expressa de um "quadro próprio de pessoal", expressão que, aliás, o Constituinte utilizou apenas para os Tribunais de Contas. Assim, sem congregar atribuições legais, não há como se falar em regular desempenho de atividades em nome do Estado, muito menos há como imaginar um incremento de responsabilidade naquilo que não se possui.

5. Registre-se que funções de confiança não são meros cargos em comissão de ocupação restrita a servidores públicos: a natureza dos dois institutos não se confunde. A função de confiança não possui rol de atribuições próprio, sendo as atribuições aquelas que o agente possui em seu cargo efetivo, acrescidas de responsabilidades gerenciais (de direção, chefia ou assessoramento) - caso em tela. Os cargos públicos, por sua vez, sejam efetivos ou em comissão, são “conjunto de atribuições e responsabilidades previstas na estrutura organizacional”[2], ou seja, correspondem a um rol próprio de atribuições legalmente estabelecidas. É assente esse entendimento no âmbito do Supremo Tribunal Federal (STF), vide repercussão fixada no julgamento do recurso extraordinário 1.041.210, que entendeu serem inconstitucionais leis que criam cargos em comissão sem preverem as respectivas atribuições, ou para atividades rotineiras, ou de natureza técnica, operacional ou meramente administrativa, que não pressuponham a existência de relação de confiança entre a autoridade nomeante e o servidor nomeado.

6. Desde 2015, o TCE-RN vinha evoluindo no resguardo das funções de direção e chefia no âmbito do Controle Externo para os titulares deste “quadro próprio de pessoal”, atendendo as diretrizes constitucionais e a própria Resolução nº. 13/2018-ATRICON. Este zelo institucional deve ser notadamente potencializado nos Tribunais de Contas em face da extrema necessidade de viabilizar independência plena aos que exercem Auditoria e impedir completamente interferências externas, eis que o contrário impõe elevados riscos de nulidades processuais pela inobservância das garantias processuais das partes, inclusive decorrentes da prática de atos processuais eivados de vício de competência, e que podem, ainda, ensejar responsabilizações àqueles que a isso derem causa.

7. A nomeação de terceiros para atividades finalísticas de auditoria de Controle Externo ocorrida no TCE/RN não somente menospreza a Resolução nº. 13/2018-ATRICON, mas também não se coaduna com os preceitos constitucionais, representa iniludível risco institucional para uma atuação independente e regular, e se reveste de patente retrocesso na organização do Tribunal de Contas, na contramão de vetores básicos trazidos pela Lei Maior da república, que traçou todos os comandos para a regularidade de atuação dessas instituições, cuja efetividade, contudo, depende daqueles que podem evitar que sua organização e funcionamento sejam vulnerabilizados.

8. Assim, dada a inegável crise de legitimidade por que passam os Tribunais de Contas, faz-se imprescindível que seus integrantes, por maior motivo no atual contexto, primem pela sua credibilidade e regularidade de atuação, pela garantia ao devido processo legal e à segurança jurídica, inclusive na vertente voltada à proteção da confiança dos cidadãos nas instituições democráticas, que tem como postulado o princípio da vedação do retrocesso.


Brasília-DF, 05 de fevereiro de 2020.


FRANCISCO JOSÉ GOMINHO ROSA
Presidente da ANTC


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[1] http://www.atricon.org.br/normas/resolucao-atricon-no-132018

[2] http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8112cons.htm

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Fonte: Comunicação ANTC.

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