NOTA PÚBLICA

A Associação Nacional dos Auditores de Controle Externo dos Tribunais de Contas do Brasil (ANTC) e a Associação dos Auditores de Controle Externo do Tribunal de Contas do Estado da Paraíba (AUD-TCE/PB), com apoio de entidades parceiras signatárias desta Nota Pública, lamentam a sanção do artigo 2º do Projeto de Lei nº 1.434, de 2017, na parte que altera a redação do § 1º do artigo 2º da Lei nº 7.271, de 2002.

Segundo a Lei nº 10.932, publicada no Diário Oficial do Estado desta quinta-feira (6/7), o quadro de pessoal do Tribunal de Contas do Estado da Paraíba passa dispor de 29 cargos de Auxiliar de Auditoria e Contas Públicas, postos em extinção desde 2002, alterada a sua denominação para ‘Técnico de Contas Públicas e o requisito de investidura, que deixa de ser nível médio e passa ser exigido nível superior. As atribuições permanecem as mesmas, de menores complexidade e responsabilidade, compatível com o nível médio que sempre foi exigido para ingresso no cargo.

A medida não considera que a Emenda Constitucional nº 19, de 1998, introduziu elementos de racionalidade para definição dos componentes do sistema remuneratório. De acordo com a redação dada ao artigo 39, § 1º, da Magna Carta, o requisito de investidura é um desses componentes que, ao lado da natureza jurídica, da complexidade e da responsabilidade das atribuições e outras peculiaridades de cada cargo, tem por finalidade assegurar uma equação ajustada e realista entre as responsabilidades exigidas dos cargos e a remuneração percebida pelos agentes que ocupam.

A fixação dos padrões de vencimento e dos demais componentes do sistema remuneratório deve observar não apenas a natureza, o grau de responsabilidade e a complexidade das atribuições dos cargos, mas também os requisitos para a sua investidura, além das peculiaridades do cargo. Permanecendo as atribuições do cargo de complexidade e responsabilidade de nível intermediário, não há razão para alterar o requisito de investidura que deve ser compatível com nível médio.

A nova redação dada pela Lei nº 10.932, de 2017, acarreta graves deformações na engrenagem dos componentes constitucionais do sistema remuneratório. Tais deformações poderiam dizer pouco; mas, entendidas no contexto do regime jurídico-constitucional, as alterações têm importância, sim. E muita!

O requisito de investidura aprovado para ressuscitar um cargo de nível médio posto em extinção há mais de uma década é desproporcional, desprovido de lógica e plausibilidade jurídica quando analisado à luz do artigo 39, § 1º, da Constituição.

Assim sendo, o texto da Lei paraibana rompe com o encadeamento lógico dos componentes do sistema remuneratório, quais sejam, a natureza, o grau de responsabilidade, a complexidade das atribuições, os requisitos de investidura e as peculiaridades de cada cargo.

A alteração do requisito de investidura dos cargos públicos é matéria de índole constitucional, assim decidiu o Supremo Tribunal Federal no Recurso Extraordinário nº 740.008, já reconhecida a repercussão geral da matéria.

A ação judicial discute a constitucionalidade de lei roraimense que, ao aumentar a exigência de escolaridade para ingresso no cargo público - para o exercício das mesmas funções -, determina a gradual transformação de cargos de nível médio em cargos de nível superior e assegura isonomia remuneratória aos ocupantes dos cargos em extinção, sem a realização de concurso público.

A doutrina não deixa dúvida quanto à afronta constitucional decorrente da mudança de requisito de investidura com aproveitamento daqueles que ingressaram para ocupar cargo de nível médio. Em artigo intitulado ‘Limites constitucionais da transformação de cargos públicos’ , o Procurador do Distrito Federal, Carlos Alencar Carvalho, cita que Maria Fernanda Pires de Carvalho Pereira e Tatiana Martins da Costa Camarão formulam os embargos e restrições à transformação de cargos públicos, por nesses casos configurar inconstitucionalidade. Merece destaque a seguinte passagem da referida obra:

 

“Nesses casos, o que a jurisprudência tem apontado é a viabilidade de agrupar sob uma mesma denominação os cargos cujas atribuições, requisitos de qualificação, escolaridade, remuneração, habilitação profissional ou especialização exigidos para ingresso sejam idênticos ou essencialmente similares. ... Em sendo assim, não há que se falar em preterição à exigência de concurso público, porque presente afinidade de atribuições e equivalência de vencimentos, isto é, identidade substancial entre os cargos” (grifou-se)

Como se observa, a alteração do “requisito de qualificação” e da “escolaridade” para investidura no cargo público é elemento essencial para a análise jurídica de mudanças legislativas, de forma a avaliar se configuram hipótese de provimento derivado, o que é rechaçado pela jurisprudência pacífica da Corte Suprema e pelas entidades signatárias desta Nota Pública.

Em resumo, o STF decidirá sobre a constitucionalidade do aproveitamento de servidor público ocupante de cargo em extinção, cujo requisito de investidura seja a formação no ensino médio, em outro, relativamente ao qual exigido curso superior, sem prévia aprovação em concurso público destinado ao respectivo provimento.

A Lei que acaba de ser sancionada também não considera que a estruturação dos cargos no serviço público estadual deve considerar o princípio constitucional da eficiência, substancialmente abalado em cenários de distorções na fixação dos componentes do sistema remuneratório, quando não se observa a justa equivalência.

O resultado esperado não é outro senão a criação de um cenário fértil para desvios de função no órgão de auditoria de controle externo, o que pode gerar passivos contingentes para o Estado da Paraíba e comprometer a legitimidade das decisões do Tribunal de Contas, e, por consequência, esvaziar os efeitos da Lei da Ficha Limpa nos casos de inelegibilidade por rejeição de contas.

Não se pode desconsiderar o risco de efeito multiplicador da alteração em questão para toda Administração Pública estadual, quiçá para municipal, que têm a gestão do Tribunal de Contas como espelho, em razão de sua missão institucional de fiscalizar e registrar os atos de pessoal consoante o disposto no artigo 71, inciso III da Carta Política.

Isso cria um ambiente de pressões políticas para equiparações remuneratórias futuras, com impactos de ordem orçamentária, fiscal e previdenciária incompatíveis com a realidade fiscal do País e, por certo, do Estado da Paraíba. Cite-se a título de precedente o pleito formalizado por Técnicos do Tribunal de Contas da União no Mandado de Segurança nº 30.692 impetrado no Supremo Tribunal Federal em 2011 para buscar equiparação salarial. No âmbito do Poder Executivo federal, também há pleitos semelhantes, com ações na Justiça Federal que demonstram haver uma clara intenção de servidores de nível médio do controle interno e da previdência de alcançarem a equiparação salarial com os cargos de nível superior.

O modelo de gestão inaugurado pelo TCE-PB torna em vão todo esforço empreendido para equilibrar o resultado do regime próprio de previdência de todos os servidores públicos do Estado da Paraíba, que em 2016 apresentou um deficit financeiro-previdenciário de R$ 1,116 bilhão. O valor corresponde a 13,18% da receita líquida anual do Estado, que atingiu R$ 8,467 bilhões no ano passado e que deve custear todas as políticas públicas. Com a medida adotada pelo TCE-PB e seu elevado efeito multiplicador, esse deficit pode ser agravado, comprometendo serviços públicos essenciais aos cidadãos, tais como educação, saúde, segurança pública, saneamento básico, dentre outros.

A iniciativa aprovada demonstra-se inequivocamente ofensiva a princípios básicos que regem a Administração Pública, notadamente os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, razão pela qual não merece lograr êxito, sob risco de não apenas desarticular a engrenagem constitucional insculpida no artigo 39, § 1º, da Lei Maior, mas de impor restrição injustificável às chances de conquista de um emprego público que também devem ser oportunizadas aos jovens paraibanos.

A ANTC e sua afiliada AUD-TCE/PB estudam as medidas jurídicas a serem adotadas para impugnar o artigo 2º do Projeto de Lei nº 1.434, de 2017, na parte que altera a redação do § 1º do artigo 2º da Lei nº 7.271, de 2002.


Brasil, 6 de julho de 2017.


MATHEUS DE MEDEIROS LACERDA
Auditor de Contas Públicas do Tribunal de Contas do Estado da Paraíba
Presidente da AUD-TCE/PB


FRANCISCO JOSÉ GOMINHO ROSA
Presidente da ANTC


Apoiam esta Nota Pública

ASSOCIAÇÃO NACIONAL DOS ANALISTAS DO JUDICIÁRIO E DO MINISTÉRIO PÚBLICO DA UNIÃO
ANAJUS


UNIÃO DOS ANALISTAS LEGISLATIVOS DA CÂMARA DOS DEPUTADOS
UNALEGIS


ASSOCIAÇÃO DA AUDITORIA DE CONTROLE EXTERNO DO TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO
AUD-TCU


Fonte: Comunicação ANTC.

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