O que Ruy Barbosa diria sobre indicações em tribunais de contas?

*Ismar Viana

Em novembro de 1890, o advogado e político Ruy Barbosa publicou uma exposição de motivos para a criação de um Tribunal de Contas no Brasil, norteado pelos princípios da autonomia, da fiscalização, do julgamento e da vigilância. Ainda antes de a instituição ser fundada, ele anunciava um cuidado necessário para que ela não nascesse maculada: que a escolha dos julgadores das contas públicas não sofresse “a invasão do nepotismo”.

Agora, 132 anos depois desse alerta, a imprensa tem noticiado casos de ex-governadores indicando suas respectivas mulheres ao cargo de conselheira nos Tribunais de Contas de seus Estados. Certamente, isso ensejaria uma crítica contundente de Ruy Barbosa.

A preocupação com a moralidade e impessoalidade dessas indicações já integrava o radar de Ruy Barbosa, há mais de 1 século. Hoje, parece-me não se ter mais dúvida de que elas agravam consideravelmente a credibilidade social na atuação dessas instituições de indiscutível importância para o controle das receitas e despesas públicas.

De igual modo, também não há dúvida de que a Constituição exige para a indicação de ministros e conselheiros de tribunais de contas que seja não apenas um brasileiro com mais de 35 e menos de 70 anos de idade, mas também que a pessoa escolhida comprove ser detentora de idoneidade moral e reputação ilibada, com notórios conhecimentos jurídicos, contábeis, econômicos, financeiros ou de administração pública, e que comprove, também, ter mais de 10 anos de exercício de função ou de efetiva atividade profissional que exija os conhecimentos mencionados anteriormente.

Reconheça-se, contudo, que sem regulamentações mais específicas, os critérios de idoneidade moral, reputação ilibada e notórios conhecimentos são peneiras furadas, incapazes de barrar indicações alheias ao interesse público e aos princípios republicanos. Por isso, começaram a surgir pelo país iniciativas no sentido de explicitar melhor o sentido e alcance desses requisitos.

Em 2021, o TCU (Tribunal de Contas da União) publicou uma resolução que instituiu regras e procedimentos para a apreciação dos requisitos constitucionais para a posse no cargo de ministro do Tribunal. Em 2022, o TCE de Rondônia disciplinou o processo de vacância do cargo de conselheiro, inclusive a aferição dos requisitos constitucionais pela corregedoria do tribunal, para então dar posse ao indicado.

Em dezembro de 2022, foi a Assembleia Legislativa do Ceará que alterou seu Regimento Interno e incluiu critérios de aferição dos requisitos. Para a comprovação de “notório conhecimento jurídico, contábeis econômicos e financeiros”. Agora, em terras alencarinas, passa a ser exigida a apresentação de diploma de graduação ou pós-graduação nessas áreas. Já o entendimento de “idoneidade moral” e “reputação ilibada” demanda a apresentação das mesmas certidões negativas exigidas para ingresso na magistratura, resultando-se necessário concluir que reputação ilibada e presunção de inocência têm sentido e alcance distintos.

Disseminar essa ideia pelo Brasil é um caminho possível para avançarmos no sentido de tribunais de contas norteados pelos princípios da autonomia, da fiscalização, do julgamento e da vigilância, como projetou Ruy Barbosa.

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*Ismar Viana é doutorando em direito administrativo pela PUC-SP, professor, Auditor de Controle Externo e advogado. Integra o Instituto de Direito Administrativo Sancionador Brasileiro (Idasan) e a Comissão de Direito Administrativo Sancionador da OAB Nacional. Também é presidente da Associação Nacional dos Auditores de Controle Externo dos Tribunais de Contas do Brasil.

** Artigo originalmente publicado no site Poder360



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