Sob questionamento, Sergipe aprova Lei sobre as coordenações das Unidades Finalísticas de Controle Externo

A nova Lei decorre do julgamento da ADI 6655-SE pelo Supremo Tribunal Federal


Foi publicada na edição do Diário Oficial do Estado de Sergipe da última sexta-feira, 20 de maio, a Lei Complementar n. 371, de 19 de maio de 2022, que altera e acrescenta dispositivos na Lei n. 204, de 06 de julho de 2011. Em síntese, a lei busca resolver a situação das coordenações das unidades finalísticas do TCE de Sergipe diante da inconstitucionalidade de dispositivos da Lei anterior, reconhecida por unanimidade pelo Supremo Tribunal Federal (STF) no âmbito da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) n° 6655-SE, em julgamento encerrado no último dia 06 de maio.

Com as alterações produzidas pela nova Lei sergipana, a Coordenação Jurídica, as Coordenações das seis Coordenadorias de Controle e Inspeção (CCIs), a Coordenação de Engenharia e a Coordenação de Auditoria Operacional passaram a ser privativas de “Analista de Controle Externo”. 

"Entre outros apontamentos cabíveis em face da nova Lei aprovada em Sergipe, destacamos que o Supremo Tribunal Federal decidiu que essas coordenações finalísticas devem ser Funções de Confiança, dada a natureza própria de extensão das atribuições de um cargo efetivo. Porém, o TCE sergipano recriou Cargos em Comissão para essas coordenações, embora restringindo sua ocupação aos Analistas de Controle Externo, cargo que hoje se chama Analistas de Controle Externo II e que, no Brasil, é o Auditor de Controle Externo. Estamos analisando as possíveis medidas", explica o advogado Paulo Freire, do Escritório Cezar Britto Advogados Associados, que representa a ANTC.

O Projeto de Lei n° 11/2022, enviado pelo Tribunal de Contas de Sergipe, foi votado na Assembleia Legislativa última quarta-feira, 18. No dia da votação, durante reunião das comissões, o deputado estadual Georgeo Passos (Cidadania), membro da Comissão de Constituição e Justiça, manifestou-se pela inconstitucionalidade do projeto. 

Em seu pronunciamento, o deputado levantou discussões sobre a necessidade de a Assembleia se debruçar sobre as criações de cargos públicos, diante das recorrentes declarações de inconstitucionalidade dos cargos sergipanos. Ele resgatou que o Ministério Público já havia feito recomendações ao Tribunal de Contas em 2017 sobre a vinculação das Coordenadorias de Controle aos Gabinetes dos relatores: “modelo verdadeiramente inquisitório”.

Em sua análise sobre o PL 11/2022, o deputado afirmou que “para garantir a correta interpretação desse texto normativo, é preciso esclarecer que esse cargo de Analista de Controle Externo que o PL menciona está previsto na LC n. 203, de 06 de julho de 2011, tendo sido redenominado para Analista de Controle Externo II pelo art. 4º  da Lei n. 232, de 2013”.

O deputado solicitou consignação em ata do trecho do seu pronunciamento (em vídeo), a seguir transcrito: 

 Pronunciamento na CCJ, Assembleia Legislativa de Sergipe

O PL 11/2022 foi enviado para esta Assembleia Legislativa em razão da decisão unânime do Supremo Tribunal Federal na ADI 6655 Sergipe, julgada no último dia 6 de maio. A decisão do STF reconheceu que Constituição Federal, prevê no seu art. 73, a existência de “quadro próprio de pessoal” junto ao Tribunal de Contas da União, aplicando-se, nos termos do art. 75 da Constituição, aos Tribunais de Contas Estaduais, pelo princípio da simetria.

O STF reconheceu que os Tribunais de Contas dos Estados devem seguir o modelo de designação de funções de confiança adotado pelo TCU (Tribunal de Contas da União) - e não de cargos em comissão - para coordenar atividades finalísticas de controle externo, pois essas atividades são típicas de cargo efetivo, de acordo com a natureza e complexidade e requisitos de ingresso no cargo. E funções de confiança são justamente acréscimos de atribuições de um cargo de provimento efetivo.

Mesmo assim, no PL 11/2022, o TCE de Sergipe permaneceu mantendo cargos comissionados para coordenar suas unidades de controle externo, embora tenham avançado ao prever que esses cargos da área-fim são de ocupação restrita dos analistas de controle externo.

Para garantir a correta interpretação desse texto normativo, é preciso esclarecer que o cargo de Analista de Controle Externo que o PL menciona está previsto na LC 203, de 2011, tendo sido redenominado para Analista de Controle Externo II pela Lei n. 232, de 2013[1]

Outro ponto a destacar é que a criação de um cargo de Diretor Jurídico comissionado também não observa a decisão do STF. De acordo com o Supremo, considerando as competências do cargo de Diretor Jurídico ora criado, esse cargo precisa ser restrito aos Analistas de Controle Externo II do quadro próprio do TCE de Sergipe que possuem essas mesmas atribuições, são bacharéis em direito selecionados em concurso público em 2011, especificamente, para atuação na referida coordenadoria jurídica, inclusive, com registro na Ordem dos Advogados do Brasil.

Assim, é necessário que todas essas funções sejam exercidas e coordenadas por esses servidores do quadro próprio do TCE, como decidiu o Supremo Tribunal Federal, e não por servidores comissionados.

 Diante disso, senhores deputados, manifesto-me pela inconstitucionalidade do projeto.

 

CARGOS NO TCE DE SERGIPE


O cargo de Analista de Controle Externo, previsto no art. 1º da LC 203, de 06 de julho de 2011 – que teve o Anexo único revogado – foi redenominado para Analista de Controle Externo II pelo art. 4º da Lei n. 232, de 2013: Art. 4º Os cargos de provimento efetivo de Analista de Controle Externo – Área de Controle Externo, e Analista de Controle Externo – Área de Apoio Técnico e Administrativo, exceto, quanto a este último, para as atividades relacionadas à Tecnologia da Informação, ficam transformados no cargo, de igual forma de provimento, de Analista de Controle Externo II, preservando-se as mesmas referências em que se encontrem os atuais titulares, é o que explica o presidente da Associação dos Auditores de Controle Externo do Tribunal de Contas do Estado de Sergipe (AudTCE/SE), Joan Soares.

A entidade enviou ofícios de esclarecimentos aos Gabinetes do TCE-SE na última sexta-feira, 20. Os esclarecimentos, segundo o presidente da AudTCE/SE, “têm o objeto de demonstrar que a opção do legislador em restringir as coordenações aos Analistas de Controle Externo deu-se em razão da necessidade de se garantir o efetivo diálogo que é ínsito às atividades de auditoria, possibilitando aos Coordenadores de CCI, COJUR, CAOP e COENGE, inclusive, divergirem das instruções realizadas pelos Analistas de Controle Externo II e Analistas de Controle Externo I, o que não seria possível se referida atribuição de 'encerramento da instrução processual' viesse a ser conferida a um agente que não tivesse a competência para praticar todos os atos instrutórios, em seu cargo originário”.

A função de “encerrar a instrução processual” conferida aos referidos coordenadores, conforme literalidade dos artigos 19, §5º e 6º, 19-C, §2º, e 30-A, parágrafo único, somente pode ser exercida pelos ocupantes do cargo de Analista de Controle Externo II (Área de Auditoria Governamental e Área de Engenharia), pois são os únicos dotados de competência plena para o desempenho das atividades de auditoria, instrução processual, abrangendo todas as espécies de recursos e rescisórias.

A entidade justifica ainda que “a despeito das mudanças operadas pela Lei n. 371, de 2022, não foram alteradas as atribuições dos cargos públicos que integram a estrutura do quadro próprio de pessoal do Tribunal de Contas do Estado de Sergipe, não tendo, nessa estrutura, com exceção do cargo de Analista de Controle Externo II, nenhum outro cargo com atribuição finalística de controle externo relacionada à instrução de pedidos de reexames, recursos de reconsideração, embargos de declaração, agravo contra decisão monocrática, agravo contra decisão colegiada, rescisórias. Para além disso, as mudanças promovidas pela LC 371, de 2022, não alteraram a LC 232, de 2013, no que que tange a prioridade dos Analistas de Controle Externo II de coordenar as auditorias (na ADI 866, o STF confere sentido e alcance ao termo “preferencialmente”)”.

Para a Vice-Presidente da ANTC, Thaisse Craveiro, pesquisadora de cargos públicos no Brasil, a decisão unânime do STF foi clara. “Por unanimidade, o Supremo disse que as atividades finalísticas são exercidas ‘a depender da natureza, complexidade e requisito de ingresso’. Isso afasta dessas coordenações finalísticas aqueles que ocupam cargos de natureza administrativa, ou de complexidade intermediária ou que não tenham cumprido o requisito de ingresso no cargo mediante aprovação em concurso público”, argumenta. Ela explica ainda que, no caso do TCE-SE, sequer há Analista de Controle Externo I, pois não houve concurso público para esse cargo com exigência de nível superior como requisito de ingresso. “Somente os Analistas de Controle Externo II cumprem simultaneamente os atributos previstos na Constituição e que o Supremo fincou na decisão: ocupam cargo de natureza finalística, de complexidade superior e cumpriram o requisito de investidura de nível superior exigido no concurso específico em que foram aprovados. Não há qualquer espaço para dúvida, independente da Lei, pois é matéria de ordem constitucional”, diz Thaisse.

A Vice-Presidente Nacional assevera que os Tribunais de Contas não devem se esquivar da regularidade, da Constituição e das decisões do STF. “Ao nos depararmos com esses debates ou quando somos contactados pela imprensa, sempre nos questionam como pode um órgão de controle resistir à Lei. Também não entendemos! Como pode um Tribunal de Contas estimular desvios de função, depender de entidades de classe e do Poder Judiciário para determinar que ele atue corretamente? Tribunais de Contas deviam dar o exemplo, mas a gente chega lá, pois um Tribunal disfuncional descredibiliza todo o Sistema”, conclui.

Não é de hoje que se discute a situação disfuncional do quadro de Pessoal do TCE de Sergipe. Conforme Acompanhamento Processual TCE-SE compilado pela Diretoria Jurídica da ANTC, além da ADI 6655-SE julgada pelo STF, tramitam mais 5 (cinco) Ações Judiciais relacionadas ao assunto: Uma Ação Direta de Incostitucionalidade no STF ajuizada pela Procuradoria-Geral da República e mais 4 (quatro) Civis Públicas, uma ajuizada pela OAB/SE e as demais pelo Ministrério Público de Sergipe.

 

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE N° 6655-SE

Por unanimidade, o STF decidiu, no dia 06 do corrente mês, pela inconstitucionalidade de normas do Estado de Sergipe cuja interpretação, pelo Tribunal de Contas local (TCE-SE), tem levado agentes exclusivamente comissionados ou sem competência legal plena a exercerem a coordenação de Unidades Orgânicas finalísticas do Tribunal, inclusive comissionados livremente escolhidos, indicados e dispensados pelo relator dos processos.

A ADI 6655 foi ajuizada pela ANTC, representada pelo escritório Cézar Britto Advogados Associados. Além da legitimidade da ANTC em ingressar no STF com ação de controle concentrado, o relator, ministro Edson Fachin, reconheceu a procedência total da ação, “declarando a inconstitucionalidade material do art. 9, caput, e §3º da LCE 232/2013, na redação dada pelo art. 1º da LCE 256/2015 e dos arts. 17, §3º, 19, §§ 5º e 6º, 27 e, parcialmente, do art. 34”.

Na decisão unânime, o voto do ministro relator decidiu que “a Constituição prevê, no art. 73, a existência de “quadro próprio de pessoal” junto ao Tribunal de Contas da União, aplicando-se, nos termos do art. 75 da Constituição, aos Tribunais de Contas Estaduais, pelo princípio da simetria”. Ele relembra que as leis de regência do Tribunal de Contas da União determinam que a coordenação das atividades finalísticas de controle externo são funções de confiança, o que pressupõe o provimento efetivo, de acordo com a natureza e complexidade e requisitos de ingresso no cargo, “não podendo a administração pública valer-se de cargos em comissão para desempenho de atividades típicas de cargo efetivo”.

O ministro reforçou ainda que “as atividades concernentes às competências constitucionais dos Tribunais de Contas são exercidas por servidores efetivos: analistas, técnicos e auxiliares de controle externo a depender da natureza e complexidade e requisitos de ingresso”, ou seja, somente podem coordenar essas atividades/unidades aqueles que ocupam cargo efetivo de natureza finalística, de complexidade superior e que tenham sido aprovados em concurso público que exigiu nível superior como requisito de ingresso.

 

TV Justiça - cobertura do STF

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