Nota Pública sobre o risco de Trem da Alegria no TCU

A Associação Nacional dos Auditores de Controle Externo dos Tribunais de Contas do Brasil (ANTC) vem a público esclarecer os riscos e defender a conquista do concurso público específico e os princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência previstos no art. 37 da Constituição Federal, pelas razões de fato e direito que passa a expor:

  1. A proposta de alteração da regulamentação da Lei do Quadro de Pessoal do TCU, a ser deliberada hoje (6/10), apresenta grave risco moral, ao pavimentar uma via perigosa de politização e conflitos de interesses no TCU com a previsão de nomeação de servidores de órgãos fiscalizados pelo TCU para assessorarem a cúpula da Corte e com a institucionalização do “trem da alegria” ao permitir que funcionários administrativos possam chefiar Unidades de Auditoria. Não é essa a dicção da previsão excepcional do art. 101 da Lei nº 8.443, de 1992.
  2. Está na pauta do dia o processo TC nº 039.335/2020-8, que trata da alteração da Resolução TCU nº 154, de 2002, que versa sobre a especificação das atribuições dos Auditores Federais de Controle Externo-Área de Controle Externo e de outros cargos de natureza administrativa. A proposta atual (art. 35) dá azo a um ímpeto ilegal e inconstitucional de se converter cargos com atribuições e naturezas distintas (conhecido na jurisprudência do STF como provimento derivado e popularmente como “trem da alegria”), permitindo que concursados para cargos de natureza administrativa e de serviços gerais possam chefiar Auditores Federais de Controle Externo-Área de Controle Externo nas unidades finalísticas de controle externo e com isso darem a última palavra, em trabalhos de Auditoria, Inspeções e Instruções. Eis a proposta que será deliberada:

“Art. 35. O provimento de funções de confiança por servidores do Quadro de Pessoal do TCU deve observar as seguintes correspondências entre a natureza da atividade a ser desempenhada, o cargo efetivo e o nível da função de confiança:

I – em qualquer unidade que integra a estrutura organizacional do TCU, as funções de nível FC 3 a FC 1 podem ser exercidas por ocupantes dos cargos de AUFC, TEFC e AUX;

II - nas unidades e subunidades que desempenham atividades privativas da área atividade de Controle Externo, as funções de nível FC 6 a FC 4 devem ser exercidas, preferencialmente, por ocupante do cargo de AUFC da área de atividade de Controle Externo, sendo facultada nomeação de ocupante do cargo de AUFC da área de atividade de Apoio Técnico e Administrativo no interesse da Administração;”

  1. A nova Resolução, se aprovada, permitiria que pessoas que fizeram concurso para Analista de Sistemas, Programador, Bibliotecário, Engenheiro, Médico, Enfermeiro, Nutricionista, Psicólogo, Agente de Portaria, Auxiliar de Enfermagem, Datilógrafo, Digitador, Agente de Cinefotografia e Microfilmagem, Artífice, Auxiliar Operacional de Serviços Diversos, Desenhista, Operador de Computador, Motorista Oficial, Telefonista, possam definir o planejamento de auditorias e chefiar Auditores, que pela Lei e pela Constituição de 1988, fizeram concurso específico.
  2. Esse tipo de flexibilização, que sujeita o fiel cumprimento da Lei e da Constituição “ao interesse da Administração”, é negativo para a credibilidade do TCU e pode causar danos previsíveis e de montas incalculáveis a toda a administração pública, pois, por critérios infralegais, prefeitos, governadores e gestores públicos em geral, também poderiam designar a artífices, auxiliares de serviços diversos, motoristas e telefonistas, à condução de inquéritos policiais, auditorias, fiscalizações tributárias, ambientais e demais atividades com amplo impacto na vida de cidadãos e empresas.
  3. Admitir essa situação seria como colocar o conceito de “interesse da Administração” acima do mandamento constitucional do concurso público. O que o TCU decidir hoje constitui precedente negativo com potencial multiplicador para toda a Administração Pública brasileira, que, por mera decisão administrativa, deslocará servidores para atividades finalísticas, de maior complexidade e responsabilidade, que, por não terem feito concurso para tanto, não estão credenciados sequer a desempenhar, e menos ainda a coordenar, dirigir e chefiar.
  4. Não é demais registrar que a situação no TCU reforça exatamente uma das disfunções que colocam em xeque a qualidade do Serviço Público e serve de argumento aos que defendem a Reforma Administrativa.
  5. Da mesma forma, é motivo de preocupação que TCU, instituição máxima do controle da coisa pública, aumente sua exposição à interferência política e ao conflito de interesses ao permitir que funcionários dos órgãos jurisdicionados possam ser cedidos (ou requisitados) para assessorar a cúpula da Corte de Contas, tal qual previsto no art. 36 da proposta a ser deliberada:

“Art. 36. O Gabinete do Presidente, o Gabinete do Procurador-Geral e os Gabinetes de Ministros podem requisitar um servidor ou empregado público, titular, respectivamente, de cargo efetivo ou de emprego público, mediante cessão, com ônus remuneratório ao órgão ou entidade cedente.

            • 1º A cessão será formalizada mediante ato próprio a ser firmado entre o órgão ou entidade de origem do servidor ou do empregado público e o TCU, que estabelecerá o prazo de sua vigência.
            • 2º A cessão pode ser prorrogada ou encerrada a qualquer momento, mediante juízo de conveniência e oportunidade.
            • 3º Os servidores ou empregados cedidos na forma do caput prestarão assistência e auxílio à respectiva autoridade ou Chefe de Gabinete, sendo vedada a atuação em processos de qualquer natureza.”
  1. A cessão de Auditores do TCU a órgãos jurisdicionados já foi objeto de recomendação na CPI da Covid pela Senadora Simone Tebet. Ademais, qual seria o interesse do órgão de origem ao custear o salário de um servidor cedido ao TCU? Quais os critérios para que essa cessão/requisição seja promovida ou encerrada? Se os comissionados atuais têm acesso a todos os processos do TCU e não há qualquer transparência sobre suas atividades, nem mesmo controle de ponto, como será operacionalizada e controlada a vedação de atuação em processos de Controle Externo dos funcionários cedidos/requisitados?
  2. Cabe destacar que, ao promover a confusão de cargos de naturezas distintas o TCU descumpriria decisão judicial no bojo do Mandado de Segurança Coletivo nº 1005682-11.2015.4.01.3400 do Juízo da 5ª Vara da Justiça Federal, Seção Judiciária do Distrito Federal, transitada em julgado com a decisão do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1) em 2020, que assim estabeleceu:

““Os impetrados não deveriam confundir as atividades e cargos pertencentes às categorias diversas, misturando finalidade finalistíca com atividade administrativa, alterando competências previstas na Constituição Federal e em lei específica.” Dispositivo da Sentença 12/06/2017: “Ante o exposto, confirmo a liminar e CONCEDO A SEGURANÇA nos termos da fundamentação supra, para DETERMINAR a modificação do Edital nº 6/2015, para que conste de maneira clara e objetiva a nomenclatura correta ou denominação própria do cargo em disputa, de Auditor Federal de Controle Externo – Área Controle Externo, de acordo com o disposto no artigo 4º da lei 10.356/2001, com a alteração trazida pelo artigo 4º da Lei nº 11.950/2009, e atribuições respectivas, excluindo-se a especialidade profissional. “Decide a Sexta Turma do Tribunal Regional Federal - 1ª Região, à unanimidade, negar provimento à remessa necessária, nos termos do voto do relator.”  (grifo acrescido)

  1. Com esses elementos, conclamamos todos os 1576 Auditores Federais de Controle Externo-Área de Controle Externo do TCU e os mais de 7 mil Auditores de Controle Externo dos demais Tribunais de Contas para, em conjunto com a sociedade e todos os segmentos da imprensa exerçam seu fundamental controle social para que sejam mantidas as bases constitucionais que asseguram o controle da boa e regular aplicação dos recursos dos pagadores de impostos.

Diretoria da ANTC

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