Alicerçada no ordenamento jurídico nacional e no modelo escolhido pelo Brasil de Entidade de Auditoria do Setor Público, no último dia 14, a Associação Nacional dos Auditores de Controle Externo dos Tribunais de Contas (ANTC) encaminhou ofício ao Instituto Rui Barbosa solicitando alterações na tradução feita pelo instituto no pronunciamento “INTOSAI-P 50- Principles of jurisdicional activities of SAI”.
As Normas Internacionais das Entidades Fiscalizadoras Superiores (International Standards of Supreme Audit Institutions - ISSAI) desenvolvidas pela International Organization of Supreme Audit Institutions (INTOSAI) – traduzida para o Português-BR como “Organização Internacional de Entidades Fiscalizadoras Superiores" – regulamentam normas de auditoria do setor público para todo o mundo e devem ser adaptadas e aplicadas de acordo com o mandato e a realidade jurídica do país.
Para a ANTC, no caso do Brasil, o Instituto Rui Barbosa cometeu alguns “equívocos” ao traduzir a INTOSAI-P-50. Segundo o ofício enviado, a tradução das “normas internacionais deve ser procedida a partir da plena e devida observância do ordenamento jurídico de cada país, amoldando-se ao modelo de Supreme Audit Institution (SAI) adotado”.
No documento, a entidade explica que “causou estranheza a leitura da Resolução 05/2021 deste IRB, que visa a traduzir a INTOSAI-P–50 e aprovar a NBASP 50, tanto porque se afasta das discussões mantidas sobre uma tradução preliminar, mas principalmente em razão de trechos não apropriados ao nosso modelo/ordenamento jurídico”. Junto ao ofício, a ANTC encaminhou um arquivo com as sugestões de alterações, por tópico, requeridas na NBASP-50.
A entidade reafirma, ainda, “a importância do esforço de padronização, uniformização e regularidade de atuação dos Tribunais de Contas do Brasil, encampado pelas entidades privadas relacionadas ao referido sistema – como a ANTC e o Instituto Rui Barbosa (IRB) –, no qual se insere a aderência procedimental às Normas Internacionais aplicáveis à Auditoria do Setor Público”.
O presidente da ANTC, Ismar Viana, ressalta a importância de fazer as alterações apontadas e devidamente justificadas.
“Reconhecemos que é importante traduzir essas normas de auditoria, mas em nenhuma hipótese a tradução pode contrariar a Constituição Federal e as leis do país. Elas têm que ser traduzidas de acordo com o ordenamento jurídico brasileiro”, pondera Ismar.
Seguindo a ordem que aparece na NBASP 50, a ANTC aponta incoerência na adequação do texto quando o Instituto afirma que os Tribunais de Contas podem julgar “relatórios transmitidos por terceiros” (2.2.1). “Isso não se aplica ao Brasil. O Tribunal de Contas não pode julgar relatórios transmitidos por terceiros. O tribunal só pode julgar os relatórios elaborados pelos auditores do seu quadro próprio. Isso foi outra coisa que pedimos para ser alterado”. No ofício, a entidade relembra que a Lei Orgânica do TCU prevê expressamente que as conclusões obtidas na fase de instrução são parte essencial das decisões dos Tribunais de Contas.
Na sequência, a entidade solicita ajustes da definição do termo “Investigadores” e suas responsabilidades (2.2.1). O Instituto Rui Barbosa, ao traduzir o documento, usou equivocadamente a expressão “investigação preliminar”, mas não há preliminaridade nessas atividades, uma vez que os auditores de controle externo são os titulares legais da fase de auditoria e instrução processual e responsáveis pelas conclusões instrutórias. “Os auditores são responsáveis pela ‘investigação’ conclusiva. Não existe preliminaridade. Investigam por meio de auditorias, inspeções, instruções processuais e demais procedimentos de fiscalização e entregam uma conclusão instrutória baseada em evidências. A Lei Orgânica do TCU, paradigma constitucional, traz isso expressamente. Sem conclusividade, não há a necessária segregação entre a função de investigação/instrução e a função de julgamento, comprometendo a imparcialidade dos processos”, declara.
Na mesma definição, sugere-se a substituição do termo “funcionários” por “integrantes do quadro próprio”, como trata a Constituição Federal: “Essa alteração visa a contribuir com a qualidade da norma. O termo funcionários pode até se aplicar na realidade de outros países, mas, como diz o ilustre administrativista José dos Santos Carvalho Filho, já não é um termo que se aplica aqui no Brasil, sobretudo após 1988.”, esclarece.
A tradução do Instituto Rui Barbosa (3.2) restringe a independência, a observância da legislação para a nomeação e a aplicação das disposições éticas aos “membros (conselheiros e ministros dos Tribunais)”. No ofício, a ANTC explica que essa tradução não condiz sequer com a norma original, que não restringiu esses preceitos apenas aos julgadores.
“Também ofende o ordenamento jurídico brasileiro. A independência, as disposições éticas e a observância das disposições legais específicas para a nomeação são preceitos que se aplicam tanto aos auditores de controle externo quantos aos conselheiros e ministros, sob pena de admitir que o Tribunal incorra em ilegalidades ou desvios, o que não é o objetivo”, pontua o presidente da entidade.
A ANTC também alerta para a expressão “audiência pública” (4.1), usada na tradução, pontuando que seja substituída por “exercício do contraditório e ampla defesa”. Na justificativa, a ANTC destaca que “o procedimento legal garantido é o exercício do contraditório e da ampla defesa, indispensável ao julgamento justo e sem o que ele pode ser anulado”.
Por fim, a entidade reafirma que “ainda que seja óbvio que a NBASP 50 deve ser lida, traduzida, compreendida e aplicada em conjunto com os demais princípios da INTOSAI e, sobretudo, de acordo com o ordenamento jurídico nacional (1.2.1 e 1.2.2), tendo em vista seu caráter infralegal e sob pena de induzirem condutas ilegais ou inconstitucionais nos Tribunais de Contas, sua institucionalização, por meio de Resolução, com preceitos normativos incondizentes com o ordenamento jurídico pátrio, além de não contribuir com a transparência e a comunicação eficaz com a sociedade, pode também depor contra a própria imagem do Sistema Tribunais de Contas do Brasil”.
A diretoria da ANTC vai acompanhar os desdobramentos do pedido de ajustes e republicação da NBASP 50, momento a partir do qual será recomendável sua observância pelos Auditores de Controle Externo dos Tribunais de Contas do Brasil.
Confira os documentos enviados:
Ofício n° 051/2021
Anexo 1 - Síntese das alterações requeridas
Anexo 2 - Quadro com alterações por tópico
Acesse a INTOSA P-50 original: https://www.issai.org/pronouncements/intosai-p-50-principles-of-jurisdictional-activities-of-sais/