NOTA PÚBLICA

Considerações sobre o quadro de pessoal do Tribunal de Contas do Estado do Pará. Excesso de cargos de livre provimento em comissão. Violação dos princípios constitucionais da razoabilidade e da proporcionalidade.

1. A ASSOCIAÇÃO NACIONAL DOS AUDITORES DE CONTROLE EXTERNO DOS TRIBUNAIS DE CONTAS DO BRASIL (ANTC), entidade de classe de âmbito nacional de representação homogênea, afiliada da CONFEDERAÇÃO NACIONAL DOS SERVIDORES PÚBLICOS (CNSP) representativa de mais de 700 mil servidores públicos dos três Poderes e níveis de governo, que no âmbito do Estado do Pará representa exclusivamente os ‘Auditores de Controle Externo’ do Tribunal de Contas do Estado do Pará (TCE-PA), inscrita no CNPJ sob o nº 16.812.795/0001-72, com sede no endereço constante no rodapé desta Nota, vem, por seu representante legal, FRANCISCO JOSÉ GOMINHO ROSA, expor o que segue.

2. Em consulta ao Portal da Transparência do Tribunal de Contas do Estado do Pará, pode-se constatar que o Egrégio Tribunal de Contas paraense dispõe de elevado quantitativo de cargos de livre provimento em comissão, superando a marca de 230 (duzentos e trinta) cargos, não dispondo tais cargos de atribuições e valores remuneratórios descritos em lei, o que revela descompasso com os princípios da razoabilidade e proporcionalidade, ofendendo, ainda, o disposto no artigo 37, I e V da CRFB/1988.

3. Como é cediço, os cargos em comissão destinam-se apenas às atribuições de direção, chefia e assessoramento, desde que sejam compatíveis com a conformação constitucional e a missão institucional do órgão.

4. É assente, no âmbito do Supremo Tribunal Federal (STF), o entendimento de que são inconstitucionais leis que criam cargos em comissão para o exercício de atividades rotineiras da administração, ou de atribuições de natureza técnica, operacional ou meramente administrativa, eis que, por óbvio, não pressupõem a existência de uma relação de confiança entre a autoridade nomeante e o servidor nomeado. (ADI 3.706/MS, rel. Min. Gilmar Mendes, 15.08.2007; ADI 4.125/TO, rel. Min. Cármen Lúcia, 10.06.2010; RE 376.440/DF, rel. Min. Dias Toffoli, 17.06.2010; ADI 3.602/GO, rel. Min. Joaquim Barbosa, 14.04.2011; AI-AgR 309.399/SP, rel. Min. Dias Toffoli, 20.03.2012).

5. Embora prescindível, por ausência de controvérsia, inclusive, transcreva-se o excerto da ADI 3.602/GO:

 

“É inconstitucional a criação de cargos em comissão que não possuem caráter de assessoramento, chefia ou direção e que não demandam relação de confiança entre o servidor nomeado e o seu superior hierárquico, tais como os cargos de Perito Médico, Psiquiátrico, Perito Médico-Clínico, Auditor de Controle Interno, Procurador Jornalístico, Repórter Fotográfico, Perito Psicológico, Enfermeiro e Motorista de Representação. Ofensa ao artigo 37, II e V da Constituição Federal.”

6. Necessário se faz aclarar que a criação de cargos em comissão, no âmbito dos Tribunais de Contas, deve ocorrer por meio de lei. Isso porque o artigo 73 da CRFB/88 é claro ao dispor que “O Tribunal de Contas da União, integrado por nove Ministros, tem sede no Distrito Federal, quadro próprio de pessoal e jurisdição em todo o território nacional, exercendo, no que couber, as atribuições previstas no art. 96”, cujo inciso II, alínea “b” assim preconiza:

 

Art. 96. Compete privativamente:
[...]
II - ao Supremo Tribunal Federal, aos Tribunais Superiores e aos Tribunais de Justiça propor ao Poder Legislativo respectivo, observado o disposto no art. 169:
[...]
b) a criação e a extinção de cargos e a remuneração dos seus serviços auxiliares e dos juízos que lhes forem vinculados, bem como a fixação do subsídio de seus membros e dos juízes, inclusive dos tribunais inferiores, onde houver; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 41, 19.12.2003)

7. Esse artigo dispõe, dentre outras prerrogativas, sobre a iniciativa de lei, pelo Poder Judiciário, para criação dos cargos públicos, devendo ser esta a interpretação, sem qualquer margem de dúvida, para os Tribunais de Contas do Brasil.

8. Além do elevado quantitativo de cargos em comissão, provocou a nossa atenção a variação de valores de remuneração para os cargos de iguais nomenclaturas. Ao acessar o site www.tce.pa.gov.br, especificamente o PORTAL DE TRANSPARÊNCIA e os campos destinados à disponibilização das Leis afetas à estrutura e ao funcionamento do Tribunal de Contas do Estado do Pará, não foi possível localizar as leis que criaram os cargos de provimento em comissão.

9. Ora, se as leis não descrevem as atividades dos cargos, como aferir se as atribuições deles são mesmo de direção, chefia ou assessoramento?

10. Se o posicionamento do Supremo Tribunal Federal é consolidado no sentido de que são inconstitucionais leis que criam cargos em comissão com atribuições rotineiras da administração pública, o que dirá de leis que não descrevem sequer as atribuições?

11. O contexto fático leva esta Associação a concluir pela manifesta inconstitucionalidade da situação, e assim o faz com base nos precedentes do Supremo Tribunal Federal em situações do mesmo jaez, como nas ADI,s 3232 e 4125:

 

EMENTAS:

1. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. Condição. Objeto. Decreto que cria cargos públicos remunerados e estabelece as respectivas denominações, competências e remunerações. Execução de lei inconstitucional. Caráter residual de decreto autônomo. Possibilidade jurídica do pedido. Precedentes. É admissível controle concentrado de constitucionalidade de decreto que, dando execução a lei inconstitucional, crie cargos públicos remunerados e estabeleça as respectivas denominações, competências, atribuições e remunerações.

2. INCONSTITUCIONALIDADE. Ação direta. Art. 5° da Lei n°. 124/2000, do Estado do Tocantins. Administração pública. Criação de cargos e funções. Fixação de atribuições e remuneração dos servidores. Efeitos jurídicos delegados a decretos do Chefe do Executivo. Aumento de despesas. Inadmissibilidade. Necessidade de lei em sentido formal, de iniciativa privativa daquele. Ofensa aos arts. 61, § 1°, inc. II, “a”, e 84, inc. VI, “a”, da CF. Precedentes. Ações julgadas procedentes. São inconstitucionais a lei que autorize o Chefe do Poder Executivo a dispor, mediante decreto, sobre criação de cargos públicos remunerados, bem como os decretos que lhe dêem execução. (grifos nossos)

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. EXPRESSÃO “CARGOS EM COMISSÃO” CONSTANTE DO CAPUT DO ART. 5º, DO PARÁGRAFO ÚNICO DO ART. 5º E DO CAPUT DO ART. 6º; DAS TABELAS II E III DO ANEXO II E DAS TABELAS I, II E III DO ANEXO III À LEI N. 1.950/08; E DAS EXPRESSÕES “ATRIBUIÇÕES”, “DENOMINAÇÕES” E “ESPECIFICAÇÕES” DE CARGOS CONTIDAS NO ART. 8º DA LEI N. 1.950/2008. CRIAÇÃO DE MILHARES DE CARGOS EM COMISSÃO. DESCUMPRIMENTO DOS ARTS. 37, INC. II E V, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA E DOS PRINCÍPIOS DA PROPORCIONALIDADE E DA MORALIDADE ADMINISTRATIVA. AÇÃO JULGADA PROCEDENTE.


1. A legislação brasileira não admite desistência de ação direta de inconstitucionalidade (art. 5º da Lei n. 9.868/99). Princípio da Indisponibilidade. Precedentes.

2. A ausência de aditamento da inicial noticiando as alterações promovidas pelas Leis tocantinenses ns. 2.142/2009 e 2.145/2009 não importa em prejuízo da Ação, pela ausência de comprometimento da essência das normas impugnadas.

3. O número de cargos efetivos (providos e vagos) existentes nos quadros do Poder Executivo tocantinense e o de cargos de provimento em comissão criados pela Lei n. 1.950/2008 evidencia a inobservância do princípio da proporcionalidade.

4. A obrigatoriedade de concurso público, com as exceções constitucionais, é instrumento de efetivação dos princípios da igualdade, da impessoalidade e da moralidade administrativa, garantidores do acesso aos cargos públicos aos cidadãos. A não submissão ao concurso público fez-se regra no Estado do Tocantins: afronta ao art. 37, inc. II, da Constituição da República. Precedentes.

5. A criação de 28.177 cargos, sendo 79 de natureza especial e 28.098 em comissão, não tem respaldo no princípio da moralidade administrativa, pressuposto de legitimação e validade constitucional dos atos estatais.

6. A criação de cargos em comissão para o exercício de atribuições técnicas e operacionais, que dispensam a confiança pessoal da autoridade pública no servidor nomeado, contraria o art. 37, inc. V, da Constituição da República. Precedentes.

7. A delegação de poderes ao Governador para, mediante decreto, dispor sobre “as competências, as atribuições, as denominações das unidades setoriais e as especificações dos cargos, bem como a organização e reorganização administrativa do Estado”, é inconstitucional porque permite, em última análise, sejam criados novos cargos sem a aprovação de lei.

8. Ação julgada procedente, para declarar a inconstitucionalidade do art. 5º, caput, e parágrafo único; art. 6º; das Tabelas II e III do Anexo II e das Tabelas I, II e III do Anexo III; e das expressões “atribuições”, “denominações” e “especificações” de cargos contidas no art. 8º da Lei n. 1.950/2008.

9. Definição do prazo máximo de 12 (doze) meses, contados da data de julgamento da presente ação direta de inconstitucionalidade, para que o Estado faça a substituição de todos os servidores nomeados ou designados para ocupação dos cargos criados na forma da Lei tocantinense n. 1.950. (grifos nossos)

12. Ad argumentandum tantum, com o propósito tão somente de demonstrar que situações menos gravosas do que as aqui narradas foram tratadas como graves pelo STF, transcrevam-se precedentes daquela Corte:

 

“EMENTA: AGRAVO INTERNO. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. ATO NORMATIVO MUNICIPAL. PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE. OFENSA. INCOMPATIBILIDADE ENTRE O NÚMERO DE SERVIDORES EFETIVOS E EM CARGOS EM COMISSÃO. I - Cabe ao Poder Judiciário verificar a regularidade dos atos normativos e de administração do Poder Público em relação às causas, aos motivos e à finalidade que os ensejam. II - Pelo princípio da proporcionalidade, há que ser guardada correlação entre o número de cargos efetivos e em comissão, de maneira que exista estrutura para atuação do Poder Legislativo local. III - Agravo improvido. STF – Recurso Extraordinário n 365368 aGr/SC - Relator: Ministro Ricardo Lewandowski – Publicado no Dje em: 29/06/2007)”

“EMENTA: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI ESTADUAL QUE CRIA CARGOS EM COMISSÃO. VIOLAÇÃO AO ART. 37, INCISOS II E V, DA CONSTITUIÇÃO. 2. Os cargos em comissão criados pela Lei nº 1.939/1998, do Estado de Mato Grosso do Sul, possuem atribuições meramente técnicas e que, portanto, não possuem o caráter de assessoramento, chefia ou direção exigido para tais cargos, nos termos do art. 37, V, da Constituição Federal. 3. Ação julgada procedente. (STF – Ação Direta de Inconstitucionalidade – ADI nº 3706/MS – Relator: Ministro Gilmar Mendes – Publicado no Dje em: 05/10/2007)”

13. Observa-se que o TCE-PA possui uma altíssima quantidade de servidores em cargos comissionados, o que é um inequívoco excesso, tanto em números absolutos, cerca de 238 cargos comissionados, quanto em números relativos, pois existem cerca de 391 servidores efetivos, o que remete a quantidade de comissionados a 60,87% da quantidade de efetivos. Isso coloca o TCE-PA nas primeiras posições com mais servidores comissionados entre os Tribunais de Contas brasileiros. Por outro lado, percebe-se também que os valores das remunerações dos servidores comissionados do TCE/PA estão entre as maiores do país. Esta combinação de fatores, extraídos a partir do portal da transparência de março/2019, projeta um gasto mensal com servidores comissionados no TCE-PA em cerca de R$3.100.000,00 (três milhões e cem mil reais), o que remete a um gasto anual estimado de R$40.300.000,00 (quarenta milhões e trezentos mil reais), só com esta espécie de servidores.

14. Diante disso, é com o espírito de colaboração que a ANTC torna pública a presente Nota Pública, com vistas a subsidiar o debate aberto, no âmbito do Estado do Pará, com as lições doutrinárias e jurisprudenciais sobre a matéria, e acredita ser possível, a partir do diálogo franco e respeitoso pautado nas balizas estabelecidas pela Constituição da República, chegar ao consenso quanto às propostas de criação de cargos de direção, chefia e assessoramento, evitando, assim, que a criação de tais cargos comprometa o regular desempenho das atividades finalísticas de controle externo, que tem por missão constitucional combater às ocupações indevidas de cargos públicos.


Brasília-DF, 03 de junho de 2019.


FRANCISCO JOSÉ GOMINHO ROSA
Auditor de Controle Externo do Tribunal de Contas do Estado de Pernambuco
Presidente da ANTC


NOTA PÚBLICA CONTRA AMPLIAÇÃO DE CARGOS EM COMISSÃO NO TCE-PA.


Fonte: Comunicação ANTC.

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