Nota Pública sobre recebimento de denúncia contra Ministro do TCU e servidor comissionado

A Associação Nacional dos Auditores de Controle Externo dos Tribunais de Contas do Brasil (ANTC) e a Associação de Auditoria de Controle Externo do Tribunal de Contas da União (Aud/TCU) emitiram nesta terça-feira (1º) nota pública sobre denúncia realizada pelo Ministério Público Federal (MPF) contra autoridade do TCU e um dos ocupantes do cargo comissionado de Assistente. O documento esclarece que o servidor denunciado não integra o quadro próprio da Corte de Contas federal, bem como não ocupa o cargo de assessor assistente, função gratificada de natureza técnica e de ocupação restrita aos auditores de controle externo.

As duas entidades também declaram profundo constrangimento e preocupação com a denúncia formalizada pelo MPF e aceita pelo Judiciário contra um magistrado de contas. A nota salienta que a integridade da conduta dos auditores de controle externo e dos membros julgadores é essencial para resguardar a confiança dos cidadãos no resultado das auditorias e julgamento de contas daqueles responsáveis pela aplicação de recursos públicos e que ambos os casos põem em xeque a credibilidade do TCU.

O texto recomenda a criação de uma comissão análoga ao Conselho Nacional da Magistratura para conduzir reclamações contra magistrados de contas e defende ainda a imediata exoneração do servidor comissionado alvo da denúncia do MPF.

Confira a nota pública:

A sociedade assiste com perplexidade aos desdobramentos da Operação Lava Jato, atualmente na 73ª fase. A Operação expõe a denúncia do Ministério Público Federal (MPF) contra autoridade do Tribunal de Contas da União (TCU) e um dos ocupantes do cargo comissionado de Assistente, de livre nomeação e exoneração, um dos poucos existentes no TCU.

Os fatos sequenciados na denúncia, de extrema gravidade, afrontam a ética pública e o bem comum, provocando uma reação de indignação na sociedade brasileira. A Constituição da República abriga as balizas norteadoras da Administração Pública, exigindo daqueles que personificam o Estado postura compatível com o dever irrenunciável de zelar pelas suas instituições.

O primeiro ponto a esclarecer é que o servidor do TCU denunciado pelo MPF não integra o quadro próprio de pessoal exigido constitucionalmente para garantir a higidez do processo de controle externo.

As notícias veiculadas merecem resposta, pois passam a ideia equivocada de se tratar de Assessor de Gabinete, função gratificada de natureza técnica e ocupação restrita aos Auditores de Controle Externo que integram o quadro próprio de pessoal exigido pela Constituição (art. 73, caput) e pela Lei Orgânica do TCU (art. 110) como pressuposto para assegurar as garantias processuais dos jurisdicionados, mediante atuação imparcial, juridicamente conformada e tecnicamente qualificada em todas as fases do processo de controle externo.

Nesse sentido, a Associação da Auditoria de Controle Externo do Tribunal de Contas da União (AUD - TCU) e a Associação Nacional dos Auditores de Controle Externo dos Tribunais de Contas do Brasil (ANTC) vêm a público esclarecer à imprensa e à sociedade em geral que o servidor denunciado pelo MPF é agente ocupante do cargo comissionado de Assistente - de livre nomeação e exoneração - previsto para atividade de assessoramento de menor complexidade e responsabilidade, de atuação restrita nos 14 Gabinetes de Ministros, perfazendo um total de 14 cargos comissionados dessa natureza.

As entidades também recebem, com profundo constrangimento e preocupação, a denúncia formalizada pelo MPF contra um Magistrado de Contas e aceita pelo Poder Judiciário[1], ainda que se refira a situação supostamente ocorrida antes do seu ingresso no cargo vitalício no TCU.

Ressalta-se que, tanto o MPF quanto o Juízo que recebeu a denúncia registram que as respectivas atuações contra autoridade do TCU se deram em cumprimento à decisão do Supremo Tribunal Federal proferida por ocasião da apreciação, em 29/04/2019, da Questão de Ordem suscitada na Ação Penal nº 937, que resultou na determinação da “remessa dos autos do inquérito nº 4261/DF, e das respectivas medidas cautelares, para a 13ª Vara Federal de Curitiba/PR”.

Para além do agravante de se tratar de fatos associados à CPMI da Petrobras que já levaram à condenação[2], no âmbito da Operação Lava Jato, de um dos integrantes da Comissão, em outubro do ano passado, a Justiça Federal também aceitou outra denúncia[3] formalizada pelo MPF contra ex-Parlamentar que exerceu a função de relator da referida CPMI em 2014.

O dever de zelo se reforça na medida em que a Constituição de 1988 ampliou, substancialmente, as competências e os instrumentos para o TCU fiscalizar a aplicação de recursos públicos, o que tem produzido relevantes trabalhos indutores de maior eficiência na gestão, na prevenção e no combate à corrupção, com ações de relevo envolvendo empresas e pessoas físicas processadas no âmbito da própria Operação Lava Jato.

Para o exercício dessa missão arrojada, a integridade de conduta dos Auditores de Controle Externo e dos Magistrados de Contas é essencial para resguardar a confiança dos cidadãos no resultado das auditorias e julgamento de contas daqueles responsáveis pela aplicação de recursos públicos.

Nesse sentido, a precaução com o grau de acreditação social é fundamental na medida em que, rompido o substrato ético no seio dessas instituições de Estado, o estrago mostra-se irremediável, cujos efeitos se propagam de forma tal que levam ao descrédito no funcionamento e na eficácia das instituições de controle e no sentido mais amplo de justiça.

O teor da denúncia do MPF contra autoridade e ocupante de cargo comissionado da mais Alta Corte de Contas apresenta elevado potencial de colocar em dúvida a credibilidade da instituição centenária, cuja missão institucional é o exercício do controle externo de toda Administração Pública federal, com importante papel de prevenir a corrupção e garantir a eficiência do gasto público.

O oferecimento de denúncia contra integrantes da Magistratura Nacional não pode ser visto com menosprezo ou como algo de menor potencial ofensivo à imagem das instituições da República. Tanto é assim que o art. 29 da Lei Orgânica da Magistratura Nacional (LOMAN) confere ao Tribunal ou a seu órgão especial a competência para afastar o Magistrado denunciado em ação penal.

As precauções com a imagem e a integridade das instituições que exercem função judicante não se restringem à esfera penal. Por acusação sobre fato de menor potencial ofensivo para a Administração Pública e para a credibilidade da Justiça – mas não menos grave, socialmente falando - recentemente, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ)[4] não apenas instaurou processo disciplinar contra o Desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) que humilhou um Guarda Municipal e se recusou a cumprir medidas sanitárias contra a Covid-19, como também determinou o seu afastamento cautelar das funções.

Situações que coloquem “em risco a dignidade, a legitimidade e a credibilidade do Poder Judiciário, constituindo-se em séria ameaça às legítimas aspirações dos jurisdicionados de serem julgados por magistrados que não só sejam, mas também transmitam à sociedade, pelo seu comportamento funcional e social, a imagem de agentes políticos probos e imparciais” podem justificar o afastamento cautelar, conforme se depreende do Voto[5] do Corregedor Nacional do CNJ e Relator, fundamentado na Resolução CNJ nº 135, de 2011, a saber:

“Art. 15. O Tribunal, observada a maioria absoluta de seus membros ou do Órgão Especial, na oportunidade em que determinar a instauração do processo administrativo disciplinar, decidirá fundamentadamente sobre o afastamento do cargo do Magistrado até a decisão final, ou, conforme lhe parecer conveniente ou oportuno, por prazo determinado, assegurado o subsídio integral.

1º O afastamento do Magistrado previsto no caput poderá ser cautelarmente decretado pelo Tribunal antes da instauração do processo administrativo disciplinar, quando necessário ou conveniente a regular apuração da infração disciplinar.

2º Decretado o afastamento, o magistrado ficará impedido de utilizar o seu local de trabalho e usufruir de veículo oficial e outras prerrogativas inerentes ao exercício da função.”

Cumpre observar que aos Magistrados de Contas não são asseguradas apenas as mesmas garantias e prerrogativas da Magistratura Nacional, mas também as restrições e medidas preventivas e corretivas previstas na LOMAN e no Código de Ética da Magistratura para assegurar a honorabilidade da Corte de Contas e a acreditação social em suas decisões.

O momento, pois, é de fazer cumprir a Constituição, as leis e os regulamentos que regem a Magistratura Nacional, na qual se inserem os Magistrados de Contas por imperativo constitucional (art. 73, § 3º). Trata-se de mandamentos de observância imperiosa por instituições de controle autônomas com a envergadura do TCU, pois são instituições que funcionam  como espelho para todos os órgãos jurisdicionados, quiçá para toda Nação.

A necessidade de cultivar os princípios éticos, em especial os elencados no preâmbulo do Código de Ética da Magistratura, é essencial para a própria honorabilidade do cargo e da Corte de Contas, que têm o dever/missão de defender os valores constitucionais. 

A autoridade moral do Magistrado de Contas vitalício é indispensável ao Estado Democrático de Direito, que condiciona a legitimidade de seu ingresso à reputação ilibada, a qual deve considerar toda a história ética da pessoa, seja no campo profissional, seja na vida privada, pois disso depende a neutralidade e a honorabilidade do cargo e, por via de consequência, da própria instituição, que deve dispor de mecanismos eficazes para zelar pela sua independência e imparcialidade.

Diante dos precedentes verificados no Poder Judiciário - este definido constitucionalmente como espelho para o funcionamento do TCU - as  entidades signatárias pugnam para adoção de medidas análogas às que vêm sendo adotadas pelo CNJ. Para tanto, poderia o TCU instituir instância colegiada, à semelhança do Conselho Nacional da Magistratura de que trata o art. 50 da LOMAN, previsto para conduzir reclamações contra Magistrados antes da instituição do CNJ, ao qual os Ministros do TCU não se sujeitam, embora estejam sob a regência da LOMAN e gozem dos benefícios regulamentados pelas Resoluções do CNJ.

Além de observar o necessário equilíbrio de forças e a imparcialidade que o caso exige, a medida cria as condições necessárias na esfera disciplinar para avaliação dos possíveis riscos à necessária neutralidade na relatoria e participações em julgamento de quaisquer processos de controle externo, notadamente aqueles que se relacionem com pessoas físicas e jurídicas que figurem ou tenham figurado na CPMI mencionada na denúncia.

Iniciativa nesse sentido demonstra-se essencial, não apenas para viabilizar a instauração de procedimento preliminar no âmbito do TCU, mas para preservar a higidez de seu Referencial de Combate à Corrupção e da imagem da Corte de Contas perante os jurisdicionados, os Auditores de Controle Externo do Brasil, os organismos internacionais os quais integra na condição de representante do Brasil em matéria de controle externo (Intosai e OLACEFS) e, acima de tudo, os cidadãos brasileiros.

Em face disso, as entidades signatárias, atentas à inquietação social e dos integrantes da classe que representam, vêm a público pugnar pela instauração de procedimento, no âmbito do TCU, visando a constituir uma instância colegiada específica, integrada pelos membros da Corte de Contas, para condução da apuração na esfera administrativo-disciplinar, com a independência e a isenção que a matéria exige.

Não se prega, com isso, nenhum tipo de prejulgamento ou de justiçamento sobre os fatos reunidos na denúncia formalizada pelo MPF ao Poder Judiciário, já que a presunção de inocência vale para todos e só se pode falar em culpa após o devido processo legal, pautado em acusação fundamentada, defesa altiva e julgamento imparcial.

Todavia, respeitados tais preceitos constitucionais, é preciso que as instituições de controle sejam céleres nas apurações em todas as esferas de responsabilização, que se processam independentes entre si, de forma a preservar a necessária imparcialidade do julgamento em matéria de controle externo, pois a acreditação social na Corte de Contas depende de medidas nesse sentido, essenciais à defesa do patrimônio público, ao combate à corrupção e à consolidação da democracia.

Quanto ao comissionado, por se tratar de cargo de livre nomeação e exoneração, não há razão plausível, sob o ponto de vista gerencial ou jurídico, para o Tribunal comprometer sua imagem e credibilidade com a manutenção de agente formalmente denunciado pelo MPF por fatos incompatíveis com a noção de ética e de controle externo independente e imparcial em Países civilizados.

Brasília, 31 de agosto de 2020.

FRANCISCO JOSÉ GOMINHO ROSA - Presidente da ANTC

LUCIENI PEREIRA -  Presidente da AUDTCU

 

Fonte: Comunicação ANTC

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