Entrevista do presidente eleito da ANTC, Ismar Viana, ao portal de notícias Só Sergipe

“Não tem no Brasil qualquer instituição mais voltada para prevenir e combater a corrupção que os Tribunais de Contas (TCs)”. Quem garante é o advogado e auditor de controle externo do Tribunal de Contas de Sergipe (TCE-SE), Ismar Viana que, a partir de 1º de janeiro de 2021, será o primeiro sergipano a presidir a Associação Nacional dos Auditores de Controle Externo do Brasil (ANTC Brasil), entidade que representa mais de oito mil auditores e congrega 22 entidades estaduais, municipais e do Distrito Federal e do Tribunal de Contas da União (TCU), além de associados individuais.

O mandato de Ismar será até dezembro de 2022. E até lá, ele terá como um dos desafios aumentar o número de auditores de controle externo, sendo que para isso é necessário concurso público. Em Sergipe, o último concurso aconteceu em 2011.   Ele explica que os Tribunais de Contas fazem o controle da receita e despesas públicas. “Os TCs controlam a legalidade, moralidade e legitimidade e não precisa ser provocado, como ocorre com o Poder Judiciário”, completou.

O futuro presidente da ANTC diz que “a agenda da entidade não é sindical, mas voltada para a regularidade. Tanto que a ANTC participa de grandes debates no Senado, na Câmara e em eventos. Nós não temos uma agenda corporativista, mas constitucional”.

Ismar, também, é o coordenador do Fórum Sergipano de Carreiras Típicas do Estado (Focate-SE), criado no dia 22 de setembro deste ano, que tem como objetivo viabilizar a defesa permanente da preservação das prerrogativas funcionais das carreiras típicas de Estado, notadamente daquelas que atuam nas áreas de fiscalização, investigação, arrecadação, controle e preservação da ordem jurídica.

Esta semana, Ismar conversou com o Só Sergipe e falou sobre os desafios  que terá na presidente da ANTC Brasil.

SÓ SERGIPE – O senhor assumiu esta semana a presidência da ANTC Brasil. Qual o principal desafio da sua gestão?

ISMAR VIANA – O Brasil é um país de dimensão continental e temos 33 Tribunais de Contas (TC). Diferente do Poder Judiciário, nós não temos  uma lei processual nacional que possa reger todos os TCs, então cada um adota sua forma de processualizar suas competências.  Então, isso já é desafio.  A agenda da ANTC  é voltada para defender a regularidade de atuação  dos próprios tribunais. Ele passa, necessariamente, pela questão processual e isso já é um grande desafio.  Nós temos países como Portugal, que é menor que o nosso e tem uma organização diferenciada em relação a sua forma de controlar a administração pública. E você vem para o Brasil, um país que tem uma percepção insatisfatória de combate à corrupção dentro do ranking da  Transparência Internacional. É outra crítica com relação aos TCs, que é essa assimetria. Estados como Sergipe, por exemplo, que dentro do circuito dos TCs não se conformou, ainda, a própria nomenclatura  do cargo em si.  E o desafio maior, hoje, é conseguir, consolidar um projeto nacional de padronização dos Tribunais de Contas.

E o desafio maior, hoje, é conseguir, consolidar um projeto nacional de padronização dos Tribunais de Contas.

SS- O que a entidade defende?

IV– A entidade defende uma padronização, que vai incluir parte estrutural e funcionamento.  Em 2016 ou 2017, o Ibope fez uma pesquisa e revelou que pouco mais de 17% das pessoas conhecem os TCs.  É diferente do modelo judicial, pois todos sabem que a Polícia Judiciária investiga, o Ministério Público faz a denúncia e o Tribunal de Justiça vai julgar. No Tribunal de Contas, nós temos todas essas três funções concentradas num só órgão. E aí você pode se perguntar: quem é o auditor de controle externo, por exemplo?  É aquele agente que faz a função de investigação e acusação, no âmbito dos TCs. Sergipe, por exemplo, ainda não padronizou a nomenclatura, diferente de todos os Estados.  O Supremo Tribunal Federal (STF) em duas Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs) já disse que todos os Estados devem seguir o padrão nacional TCU (Tribunal de Contas da União) que é muito claro a quem fiscaliza e instrui. Lá, no TCU o auditor federal  de controle externo é quem fiscaliza e instrui. Quem faz o juízo de conformação legal é o Ministério Público que atua junto ao TCU  e quem julga é o ministro. Trazendo isso para os Estados, vai ser a mesma coisa. A diferença é que no lugar de ministros, nós temos conselheiros. Em Sergipe, especificamente, é o único Estado do Brasil que temos, por exemplo, cargo de nível médio, que é de analista de controle externo I, para quem fez o concurso para nível médio. E em 2013, o TCE enviou um projeto de lei à Assembleia Legislativa e buscou transformar esse cargo para nível superior para tentar igualar ao cargo de auditor. O que ocorre: à época, o procurador geral da República, Rodrigo Janot, ingressou com uma ADI que está no Supremo para ser julgado ainda.

SS – E isso implica em quê?

IV– Se você for gestor público não vai querer ser fiscalizado, auditado por alguém que não seja auditor. Porque a depender daquela auditoria, você pode ter os seus direitos políticos suspensos, pois o julgamento de contas pode repercutir na área eleitoral. Por isso que, a cada eleição, o pessoal fica esperando a relação de gestores que tiveram suas contas julgadas irregulares, que acabam sendo considerados inelegíveis. Veja a importância do cidadão ser auditado por um auditor de controle externo. Segundo a lógica constitucional, é a aprovação concurso público específico que comprova a qualificação adequada do agente para aquela função. Se você é auditado por alguém que não fez o concurso público específico, você não tem garantias de qualificação adequada e nem de competência legal, que são garantias processuais básicas. Imagine você ser auditado nessas condições e isso ainda comprometer sua capacidade eleitoral.

SS – Há também outra questão: um bom advogado observa que a pessoa não tem qualificação e entra com os recursos, não é?

IV– Sim, ele vai buscar o Judiciário para tornar nula a instrução. Digamos que o Ministério Público Estadual não perceba isso aí, por exemplo, é possível que o cidadão ajuíze uma ação popular, ele pode invocar o artigo segundo, que deixa bem claro que o ‘vício de competência torna nulo o ato’. Qualquer gestor público que tiver um advogado minimamente dotado de expertise nessa seara vai judicializar buscando a anulação da instrução. E mais além: se for um advogado especializado na área de Controle, pode até ir a nova lei de abuso de autoridade, a depender das circunstâncias do caso concreto. É que o artigo tipifica como abuso de autoridade a obtenção de provas por meios ilícitos. Qualquer gestor público vai buscar isso. É visível, então, a importância do auditor de controle externo, aquele que se submeteu a concurso específico de nível superior. Seguindo esse conceito de auditor de controle externo adotado na Bahia, Pernambuco, TCU e demais estados, quem seria o auditor de controle externo, aqui em Sergipe? Aqueles que se submeteram a concurso público específico de nível superior, para o desempenho, de forma plena, das atividades de fiscalização e instrução processual, os analistas de controle externo II.

SS– Aqui em Sergipe há quantos auditores?

IV – Nós temos 86 cargos. Embora a tecnologia tenha facilitado a realização de auditorias e inspeções, há um desafio que precisa ser superado, que é a transformação de dados em informações, o que é feito por Auditores de Controle Externo. É preciso se ter em mente que todos devem ser controlados, mas nem todos devem ser fiscalizados. Isso depende de critérios técnicos a serem seguidos no planejamento das auditorias. Em Sergipe, o último concurso que tivemos aqui foi em 2011, portanto, há 10 anos que tivemos concurso para o desempenho das atividades de fiscalização e instrução processual.

SS- E quantos são de nível médio e de nível superior?

IV –Que ingressaram por concurso que exigiu o nível médio como requisito de escolaridade, temos em torno de 70. O nível médio, em todos os tribunais, pode auxiliar o auditor, mas não podem titularizar a auditoria. Exatamente em razão disso que existe uma ADI no Supremo, pois uma auditoria feita por quem não é qualificadamente apto pode colocar em risco o direto subjetivo dos gestores públicos. Não é o fato de ter nível superior que vai credenciar alguém para fazer auditoria. Mas é o fato de o concurso público ter exigido o curso superior para o cargo. Hoje, a defesa da ANTC é a regularidade de funcionamento, não apenas do órgão de instrução e fiscalização processual, mas do próprio sistema Tribunais de Contas. Defendemos que o procurador do Ministério Público seja imparcial, concursado, que sejam respeitados os requisitos mínimos para investidura de ministro, para que o cidadão venha a ter o seu recurso público efetivamente protegido. Nossa agenda não é sindical, mas voltada para a regularidade. Tanto que a ANTC participa de grandes debates no Senado, na Câmara e em eventos. Nós não temos uma agenda corporativista, mas constitucional.

Não é o fato de ter nível superior que vai credenciar alguém para fazer auditoria. Mas é o fato de o concurso público ter exigido o curso superior para o cargo. Hoje, a defesa da ANTC é a regularidade de funcionamento, não apenas do órgão de instrução e fiscalização processual, mas do próprio sistema Tribunais de Contas.

 

SS – A ANTC fomenta uma discussão para que, no futuro, o cargo de conselheiro dos TCs seja por concurso público? Ouvimos muitas críticas sobre o funcionamento dos TCs, já que existe o Poder Judiciário. Além de que os ministros do TCU e conselheiros dos TCEs são indicados politicamente. Na União, pelo presidente da República; nos Estados, pelos governadores.

IV- Primeiro, desde 1891 a nossa Constituição já previa o Tribunal de Contas, que difere do Poder Judiciário. Ele faz o controle das receitas e despesas públicas. No Brasil, como em qualquer lugar do mundo, há um órgão de controle. O TCE controla a legalidade, a moralidade, a legitimidade. Diferente do Poder Judiciário que, para agir, precisa ser provocado, o TCE pode agir independente de provocação. Num comparativo com o modelo francês: nosso país tem um sistema de jurisdição una, pois tudo desemboca no Judiciário. Lá não, é dual: é administrativo e judicial. Mas, aqui, o Judiciário só pode anular uma decisão do Tribunal de Contas se for vício de legalidade, ofensa ao devido processo legal. É o caso de um processo que foi auditado por alguém que não seja legalmente competente, por exemplo, o judiciário pode anular. É diferente se o processo foi feito por um auditor, que aí a competência legal foi devidamente observada. Ao Judiciário não é conferido o poder de anular porque discordou na decisão do TC, tão somente. O processo no âmbito do TC tem que ser conduzido por agentes legalmente competentes em cada função. Quem julga as contas é o TC. Um órgão de relevante importância para a manutenção da própria Democracia. Não tem no Brasil qualquer instituição cuja razão de existência esteja mais diretamente ligada ao dever de prevenir e combater à corrupção do que os TCs. Não tem. Porque os TCs são diferentes no Ministério Público (MP), porque ninguém presta contas ao MP. Aos TCs não, todos que manejam recursos públicos têm o dever de prestar contas. Nós temos o controle do dinheiro público e conseguimos identificar, já na ponta, o que é corrupção e o que não é. Essa é a razão pela qual a Constituição Federal trouxe, de forma expressa, o dever de cientificação dos Tribunais de Contas aos demais órgãos e Poderes da República. Por isso, em tempos de pandemia, nunca se fez tão necessária a atuação em conjunto com o Ministério Público e com demais instituições a quem é conferido o poder-dever de reprimir os atos lesivos ao patrimônio público.

SS – Há alguma entidade estadual aqui que represente os auditores?

IV – Nós temos a Associação Estadual dos Auditores do Controle Externo do TCE Sergipe (AudTCE/SE), que integra o fórum de carreiras típicas do Estado. Esse fórum é o Focate Sergipe, integrado pela Associação dos Magistrados, dos procuradores e promotores de Justiça, delegados, auditores da Receita, defensores públicos e procuradores do estado. São as carreiras que integram o fórum do Estado e que se prestam a defender as prerrogativas funcionais dos agentes que desempenham atividades exclusivas de estado.


Texto originalmente publicado em https://bit.ly/3rjCVdA

 

Fonte: sosergipe.com.br

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