ARTIGO: RESPONSABILIDADE PENAL TRIBUTÁRIA E SONEGAÇÃO FISCAL

Culturalmente a sociedade brasileira desenvolveu o pensamento de que pagar tributo não é bom. Isto em virtude da carga tributária e da ausência de investimento em políticas públicas fundamentais para a qualidade de vida da sociedade. Este pensamento tão comumente praticado pelas empresas é prejudicial para os cofres públicos brasileiros, uma vez que sonegar tornou-se uma prática trivial para muitas empresas e aceita pela sociedade desacreditada no governo, em virtude do mau aproveitamento dos recursos públicos. O objetivo geral é analisar a ação da fazenda pública no combate à sonegação fiscal com a responsabilização dos agentes infratores. Objetivos específicos analisar as medidas adotadas pelos órgãos fazendários responsáveis, e a aplicação de medidas coercitivas e sancionatórias por parte do poder público a quem der causa.

Assim sendo, pergunta-se: a alta carga tributária pode ou não trazer uma insatisfação por parte do contribuinte? De outra banda, pode-se afirmar se existe ou não ausência de contrapartida, por parte do Poder Público na aplicação de recursos em políticas públicas, principalmente, em políticas públicas educacionais?

A metodologia utilizada baseia-se em pesquisa teórica, desenvolvida através de levantamento bibliográfico dos textos dos principais autores que trabalham o tema. Após a análise dos resultados alcançados concluiu-se que o presente artigo não esgota a discussão sobre o tema sonegação fiscal e a responsabilização penal dos responsáveis.

As fraudes fiscais constituem ou não um fator grave e um crescente problema no cenário econômico brasileiro, uma vez que muitas empresas preferem falsificar notas fiscais ou omitir documentos que realizar um planejamento tributário?

Objetivando impedir ou pelo menos minimizar o ato de sonegar, o governo brasileiro tem implementado inúmeras ações, dentre as quais se destacam o código criminal o qual prevê pena judicial para aqueles que infringirem a lei com a prática da sonegação fiscal. Entende-se que a sonegação fiscal pode se dá por meio da evasão comissiva ilícita e da elisão fiscal1 , provoca problemas sociais, tais como – escassez de recursos para investir em ensino de qualidade, na áreas da saúde e segurança, por desviar uma grande quantia de valores monetários que deveriam ser destinados para promoção de políticas públicas. Do ponto de vista socioeconômico e político, podemos dizer que atitude daquele que sonega tributos deve ser reprovada pela sociedade, bem como, pelo governo em qualquer esfera. Sabe-se que, a sonegação fiscal equipara-se a um ato de corrupção por parte daquele que deveria contribuir para que os cofres públicos provessem os recursos necessários à aplicação em políticas públicas, porém, isenta-se desta obrigatoriedade. É possível diagnosticar empiricamente que no Brasil o índice de sonegação fiscal é intenso por parte das pessoas física e jurídicas, o que contribui para a diminuição da arrecadação dos recursos públicos e automaticamente compromete o investimento e a manutenção de políticas públicas. Em contrapartida, observa-se que a alta carga tributária imposta pelo governo associada à falta de aplicação dos impostos arrecadados em políticas públicas, dentre as quais, destacam-se as políticas educacionais, podem contribuir para o aumento da sonegação fiscal, uma vez que, a sociedade civil e jurídica encontra-se desacreditada, quanto à relevância dos impostos para a incrementação das políticas públicas. Por fim, tem-se a aplicação da lei que trata das penalidades infligidas sobre aqueles que abstêm da sua responsabilidade tributária através da sonegação fiscal, pode contribuir para a minimização desta problemática cooperando para a melhoria da arrecadação tributária, e, consequentemente, para qualidade da educação básica, dentre outras políticas públicas, a partir da maior disponibilidade de recurso financeiros para investimento nas políticas públicas.

Lei Nº 8.137/90 E as infrações penais tributárias: O presente artigo não tem qualquer pretensão de esgotar o tema, mas em fornecer elementos concretos para a compreensão acerca do entendimento trazido na referida Lei nº 8.137/90, especialmente em seus três primeiros artigos, bem como de outras leis infraconstitucionais que tratam do tema. Assim sendo, tem-se que o sistema jurídico brasileiro prevê penalidade àqueles que cometem crimes de sonegação fiscal. Com efeito, essa imputação é dirigida à diretores, gerentes ou a possuidores de cargos de direção. Todavia, a sonegação fiscal perpassa pela adoção de medidas ou comportamentos que vão de encontro aos direitos humanos, haja vista, que sem recursos os governos terão grandes dificuldades para implementar suas políticas públicas, nas áreas da educação, da saúde, da segurança pública, dentre outras. Desta forma, leciona BALEEIRO apud CARVALHO (2015, p. 1536) “Há lições doutrinárias que salientam a particularidade de o produto da arrecadação de impostos convergir para as despesas gerais do Estado, sem o menor resquícios de contraprestação”. Diferentemente, das taxas e das contribuições de melhorias, os impostos não requerem uma contraprestação. Assim, define o Código Tributário Nacional (CTN), em seu art. 16 “Imposto é o tributo cuja obrigação tem por fato gerador uma situação independente de qualquer atividade estatal específica, relativa ao contribuinte”.

Assim, segundo o Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário (IBPT),

  Aproximadamente 26,84% das empresas brasileiras praticam algum tipo de sonegação, ponderando-se o número de empresas e os seus respectivos faturamentos, sendo o INSS, ICMS e Imposto de Renda os tributos mais sonegados pelas empresas

Desta forma, apresentaremos um quadro, segundo levantamento feito pelo próprio IBPT, dos tributos mais sonegados pelos contribuintes brasileiros, vejamos abaixo:

1) O INSS é o tributo mais sonegado, apresentando índice de 27,75% (índice 2002: 21,02% e índice 2005: 29,47%);
2) Em seguida está o ICMS, com índice de 27,14% (índice 2002: 26,54% e índice de 2005: 26,95%);
3) O Imposto de Renda é sonegado em 26,64% (26,77% índice de 2002 e 27,02% índice de 2005) das empresas contribuintes;
4) ISS em 25,02% (índice 2002: 23,62% e índice 2005: 25,66%);
5) Contribuição Social sobre o Lucro em 24,89% (índice 2002: 24,31% e índice de 2005: 24,81%);
6) Imposto de Importação em 24,83% (índice 2002: 19,08% e índice 2005: 23,65%);
7) PIS e COFINS em 22,13% (índice 2002: 25,11% e índice de 2005: 23,43%);
8) IPI em 19,08% (índice 2002: 21,99% e índice 2005: 18,85%);
9) IOF em 16,55% (índice 2002: 14,84% e índice 2005: 15,72%); e
10) CPMF em 4,03% (índice 2002: 7,06% e índice 2005: 10,86%) das empresas pesquisadas

Vale ressaltar, que a CPMF já está extinta de nosso ordenamento jurídico. Pretende-se também, analisar a sonegação fiscal sob a perspectiva da Lei nº 8.137/90 de 27 de dezembro de 1990, bem como do princípio da insignificância previsto no art. 20 da Lei nº 10.522/02 de 19 de julho de 2002. Ao conceituar o que seria sonegação fiscal, de forma clara e concisa, pode-se afirmar que a mesma consiste em um ato deliberado de omissão de informações ou informações falsas com o intuito de pagar menos tributos, do que o previsto por lei, o que por sua vez, caracteriza em um crime. Assim, é comum por parte da sociedade acreditar ser elevada em demasia a carga tributária brasileira, e isso se traduz de diversas formas, a saber: ora pela ausência de políticas públicas postos à disposição da sociedade; ora pela reclamação da alta carga tributária por parte do empresariado, dentre outras. Todavia, todas essas formas são reflexos traduzidos em sonegação fiscal por parte dos contribuintes, e também por parte da sociedade que sequer cumpre o seu papel com exercício da cidadania exigindo nota fiscal ou documento congênere, auxiliando assim, o fisco no incremento para o aumento da arrecadação de recursos públicos. Desta forma, vale lembrar que nosso ordenamento jurídico prevê diversos delitos tributários e, dentre eles, o crime de sonegação fiscal, consoante o art. 1º, da Lei nº 8.137/90, in verbis:

Art. 1° Constitui crime contra a ordem tributária suprimir ou reduzir tributo, ou contribuição social e qualquer acessório, mediante as seguintes condutas:

 

I – omitir informação, ou prestar declaração falsa às autoridades fazendárias;
II – fraudar a fiscalização tributária, inserindo elementos inexatos, ou omitindo operação de qualquer natureza, em documento ou livro exigido pela lei fiscal;
III – falsificar ou alterar nota fiscal, fatura, duplicata, nota de venda, ou qualquer outro documento relativo à operação tributável;
IV – elaborar, distribuir, fornecer, emitir ou utilizar documento que saiba ou deva saber falso ou inexato;
V – negar ou deixar de fornecer, quando obrigatório, nota fiscal ou documento equivalente, relativa a venda de mercadoria ou prestação de serviço, efetivamente realizada, ou fornecê-la em desacordo com a legislação. Pena - reclusão de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, e multa.

Trata-se de um crime material, uma vez que com a ocorrência do fato gerador no mundo concreto, surge a consumação, advindo da ação humana. Contudo, somado a fraude, o tipo penal em questão exige que seja materializada a supressão ou a redução do tributo. Nesse sentido, observa-se não se tipificar o crime previsto no art. 1º, inciso II, da Lei nº 8.137/90, se, da conduta do homem, não resultar em inadimplemento da obrigação principal, isto é, ausência de pagamento de tributo devido. De forma complementar ao artigo acima temos ainda, o art. 11, do mesmo diploma legal, o qual dispõe que “quem, de qualquer modo, concorre para os crimes definidos nessa lei, incide nas penas a este cominadas, na medida de sua culpabilidade”. Assim, o referido diploma legal, versa sobre os crimes praticados por particulares contra a ordem tributária, especificamente, em seus artigos 1º a 3º. Sendo que, o art. 1º trata dos crimes referentes a obrigação principal – ausência de pagamento do tributo; o art. 2º refere-se aos crimes na órbita das obrigações acessórias – obrigação de fazer ou não fazer; e, o art. 3º dos crimes praticados por funcionários públicos contra a ordem tributária. Todavia, depois de uma análise acurada destes dispositivos, conjuntamente, permitem concluir que, na atual conjuntura, admite-se a responsabilização criminal do contador, no exercício de suas atividades, bem como dos administradores ou cargos correlatos, que desenvolvam práticas de evasão fiscal através de condutas que ludibriem ou induzam o fisco em erro. Vale lembrar, que essa responsabilidade criminal tem cunho subjetivo, o que implica dizer que, na lição do professor MACHADO (2002, p. 81) “depende sempre da efetiva participação do acusado no cometimento do ilícito”. De outra banda, podemos afirmar que o ordenamento jurídico brasileiro não admite a responsabilização penal objetiva. Assim, nem sempre a atuação profissional do contador ou do administrador que culmina com lesão ao fisco acarreta, necessariamente, na existência de crime tributário. Nesse sentido, se o contador incorre em prestação de informações errôneas ao fisco, com o desconhecimento ou mesmo sem o consentimento dos sócios, obtendo a empresa vantagem fiscal indevida, àquele é responsável penalmente, desde que praticada de forma dolosa. Para Milanezapud Silva, Bonini e Lavorenti a existência de erro inevitável na atuação do contador, pode excluir uma conduta ilícita:

 

Diante do emaranhado legislativo tributário, não seria difícil ao agente, de boa-fé e de forma escusável, errar quanto à circunstância fática do delito, por exemplo, acreditando que a emissão de determinado documento deva ser feita da forma ‘x’ e não ‘y’; ou que determinada operação deva ou não ser escriturada, caracterizando o erro de tipo. Também é possível se observar erro de proibição, quando o agente, por erro na análise da legislação tributária, acredita estar amparado por circunstância caracterizadora de isenção fiscal, imunidade tributária ou outro privilégio fiscal, como, por exemplo, quando deixa de lançar tributo sobre determinada operação acreditando se tratar de operação isenta. (MILANEZ apud SILVA; BONINI e LAVORENTI, 2010, p. 240).

Outra situação é se o contador não possui absolutamente nenhum meio de identificar a fraude praticada pelo seu cliente e, igualmente, não se locupletou financeiramente desta fraude ao fisco, tem-se a ausência de responsabilidade criminal do mesmo. Desta forma, a temática proposta nesta pesquisa é de profunda relevância, uma vez que se pretende analisar a prática dos crimes contra a ordem tributária, os aspectos legais, tributários e administrativos e os meios existentes de combate a sonegação fiscal.

Dos crimes contra a ordem tributária

Se analisarmos a história da sonegação fiscal no Brasil, será possível constatar que a mesma é praticada desde o período colonial, quando mercenários agenciados pela Coroa Portuguesa exploravam as riquezas naturais do Brasil, enriquecendo acintosamente através da exploração de mão de obra da massa populacional brasileira. Conforme dados publicados por GOMES (2015), em sua análise do inventário de Tobias Monteiro (1866-1952) no Estado de Minas Gerais, por exemplo, os anos de 1695 e 1817, foram enviados para Portugal um total de 535 toneladas de ouro, sendo que 150 mil quilos de ouros foram desviados da Coroa e contrabandeados. Outro fator motivador da sonegação fiscal, ainda no período do Brasil Colônia, foi a Inconfidência Mineira, quando os colonos estavam insatisfeitos com os altos impostos cobrados por Portugal e recusaram-se a pagar o tributo, ocasionando uma verdadeira revolução no Brasil. No combate a sonegação fiscal foi criada a partir do último século, diversos dispositivos legais, tem-se como primeira norma específica a Lei de nº 4.729/65 que define o crime de sonegação fiscal e dá outras providencias. A definição do que é crime de sonegação fiscal está prevista no art. 71, bem como o conceito de fraude está previsto no art. 72 da Lei nº 4.502/64:

Art . 71. Sonegação é tôda ação ou omissão dolosa tendente a impedir ou retardar, total ou parcialmente, o conhecimento por parte da autoridade fazendária:

 

I - da ocorrência do fato gerador da obrigação tributária principal, sua natureza ou circunstâncias materiais;
II - das condições pessoais de contribuinte, suscetíveis de afetar a obrigação tributária principal ou o crédito tributário correspondente.

Art. 72. Fraude é tôda ação ou omissão dolosa tendente a impedir ou retardar, total ou parcialmente, a ocorrência do fato gerador da obrigação tributária principal, ou a excluir ou modificar as suas características essenciais, de modo a reduzir o montante do impôsto devido a evitar ou diferir o seu pagamento.

Porém, a principal disciplina que versa sobre a problemática é a Lei de nº 8.137/90, esta que, define crimes contra a ordem tributária, econômica e contra as relações de consumo, além de dá outras providencias. Conforme Melo e Oliveira (2016, p. 3) a sonegação de impostos é sete vezes o tamanho da corrupção, anualmente o país deixa de recolher 500 bilhões de reais, porém não recebe atenção por parte da sociedade brasileira, a qual preocupa-se com as consequências da corrupção, porém, não percebe os resultados negativos ocasionados pela sonegação fiscal. Logo, torna-se necessário a instituição de medidas que possa proteger o Estado contra as ações dos sonegadores. Cabe aqui, enfatizar que a consequência da sonegação fiscal é de difícil percepção pela sociedade, porém, atinge diretamente a economia comprometendo o desenvolvimento nacional. Melo e Oliveira (2016, p. 3) leciona que “o sonegador consegue, de forma ilegal, reduzir o custo de seus produtos e, assim, disponibilizar menores preços e condições aos seus clientes”, logo, pagando menos tributos em relação aos contribuintes de boa-fé, se beneficiam destas ações, o que é injusto, pois os sonegadores se beneficiam do não pagamento do tributo, podendo levar os contribuintes honestos a sonegar também em virtude da concorrência desleal. Marton (2015) em seu estudo afirma que a prática da sonegação fiscal no Brasil, é vista pela sociedade como um ato de “legítima defesa”, sendo apoiados por muitos, os quais justificam a prática da sonegação pelos seguintes motivos:

 

1. Desonestidade pessoal;
2. Discordância com o valor da dívida que lhe é imputada;
3. A injustiça da lei;
4. Discordância com os critérios de repartição das despesas públicas;
5. Ausência de comutatividade da obrigação tributária;
6. Má aplicação dos dinheiros públicos;
7. A falta de transparência na aplicação dos recursos públicos;
8. Dificuldade de competição com os sonegadores;
9. Alegação da impossibilidade de pagamento, em razão dos resultados empresariais;
10. Dificuldade de interpretação da legislação tributária;
11. Excesso de obrigações tributárias acessórias;
12. Esperando a remissão e a anistia;

Todavia, pode-se afirmar que aqueles que sonegam, bem como aqueles que apoiam a sonegação fiscal na qualidade de contribuinte ou mesmo de consumidor, busca como justificativa, respectivamente, as seguintes alegações: alta carga tributária e má aplicação dos recursos arrecadados pelo Estado. No Brasil, tem-se que as altas cargas tributárias e a má aplicação dos recursos em políticas públicas, associadas à baixa possibilidade de identificar a sonegador e aos elementos culturais da população (não exigir nota fiscal) contribuem para o alto índice de sonegação fiscal no país. Desta forma, fundamenta-se a análise dos crimes contra a ordem tributária e as possíveis sanções penais como forma de minimizar esta problemática e garantir a aplicação dos tributos em direitos e garantias fundamentais para a sociedade.

Assim, na lição do professor Capez:

 

A obrigação tributária possui nuances específicas ante o seu descumprimento. A ação (ou omissão) constitui a chamada infração tributária, podendo a Administração Fazendária utilizar de diversos instrumentos jurídicos (como a execução forçada do inadimplemento da obrigação) para realizar seu cumprimento. (CAPEZ, p. 671).

Nesse sentido, tem-se que a Administração Fazendária pode usar de seu poder de império, por meio da coercibilidade para fazer valer a cobrança dos tributos, e consequentemente, a prevalência do interesse público sobre o interesse privado.

Acerca do assunto leciona Amaro:

 

A infração enseja a aplicação de remédios positivados na lei, que visa buscar repor a situação querida pelo direito, seja mediante a execução sob coerção da obrigação descumprida”. [...] a infração pode acarretar diferentes consequências. Se ela implica falta de pagamento de tributo, o sujeito ativo (credor) geralmente tem, a par do direito de exigir coercitivamente o pagamento do valor devido, o direito de impor uma sanção. (AMARO, p. 458)

Tem-se que o sujeito ativo, em regra, é dotado de prerrogativas de exigir de forma coercitiva o pagamento do tributo devido, em caso de resistência do sujeito passivo, fazendo valer seu poder sancionatório, conforme previsão na referida Lei nº 8.137/90.

Aspectos Penais, Tributários e Administrativos

Preliminarmente, tem-se que a Lei nº 8.137/90 é uma lei penal especial, uma vez que não se encontra dentro do Código Penal, e sim, em uma lei extravagante. Percebe-se que a mesma trata de aspectos penais, descrevendo os crimes materiais e de resultado, sob seus aspectos penais, tributários e administrativos, esmiuçando o tipo e a aplicação de sanção respectiva. Enquanto em seu art. 1º seu enfoque está voltado para a obrigação principal da relação tributária, ou seja, a falta de pagamento, relacionado a obrigação de dar. Por outro lado, o art. 2º da Lei nº 8.137/90, versa sobre crimes relacionados a obrigação de fazer ou de não fazer, ou seja, essas infrações decorrem das obrigações acessórias tributárias, a exemplo das informações prestadas ao fisco, pelo contribuinte.

Senão vejamos, o que prescreve o art. 2º da Lei nº 8.137/90:

Art. 2° Constitui crime da mesma natureza

 

I - fazer declaração falsa ou omitir declaração sobre rendas, bens ou fatos, ou empregar outra fraude, para eximir-se, total ou parcialmente, de pagamento de tributo;
II - deixar de recolher, no prazo legal, valor de tributo ou de contribuição social, descontado ou cobrado, na qualidade de sujeito passivo de obrigação e que deveria recolher aos cofres públicos;
III - exigir, pagar ou receber, para si ou para o contribuinte beneficiário, qualquer percentagem sobre a parcela dedutível ou deduzida de imposto ou de contribuição como incentivo fiscal;
IV - deixar de aplicar, ou aplicar em desacordo com o estatuído, incentivo fiscal ou parcelas de imposto liberadas por órgão ou entidade de desenvolvimento;
V - utilizar ou divulgar programa de processamento de dados que permita ao sujeito passivo da obrigação tributária possuir informação contábil diversa daquela que é, por lei, fornecida à Fazenda Pública.

Pena - detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa. Assim, à medida que o art. 1º do referido diploma legal acima, se preocupa com a ausência de pagamento do tributo, também chamada de obrigação principal na relação tributária existente entre o fisco e o contribuinte. De outra banda, o art. 2º tem sua preocupação voltada para a inserção de informações inexatas ou operações omitidas em documentos ou livro fiscal ou contábil com o intuito de ludibriar a administração fazendária. Nesse sentido, leciona o professor Amaro (2010, p. 460): “Os crimes ditos ‘tributários ou ‘fiscais’ (assim designados porque atentam contra o interesse da administração fiscal) não distinguem dos demais delitos a não ser por aspectos periféricos e acidentais”. Os crimes tributários se assemelham aos demais, exceto aos aspectos acidentais e periféricos, e podem atingir diretores, gerentes e supervisores, bem como contador, o administrador, e ainda o funcionário público ou quem lhe esteja imbuído de função pública ainda que transitória. O art. 3º do referido diploma legal determina:

Art. 3° Constitui crime funcional contra a ordem tributária, além dos previstos no:

 

I - extraviar livro oficial, processo fiscal ou qualquer documento, de que tenha a guarda em razão da função; sonegá-lo, ou inutilizá-lo, total ou parcialmente, acarretando pagamento indevido ou inexato de tributo ou contribuição social;
II - exigir, solicitar ou receber, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda que fora da função ou antes de iniciar seu exercício, mas em razão dela, vantagem indevida; ou aceitar promessa de tal vantagem, para deixar de lançar ou cobrar tributo ou contribuição social, ou cobrá-los parcialmente. Pena - reclusão, de 3 (três) a 8 (oito) anos, e multa.
III - patrocinar, direta ou indiretamente, interesse privado perante a administração fazendária, valendo-se da qualidade de funcionário público. Pena - reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa

Vale ressaltar, que as penas cominadas são pesadas, observa-se que o legislador infraconstitucional busca inibir ou mesmo eliminar comportamento humana, que vise resguardar o erário. Nesse sentido, emprestaremos alguns conceitos legais do que venha a ser sonegação fiscal, fraude ou conluio. Demonstraremos, abaixo as definições de crimes determinadas nos artigos 71 a 73, da Lei nº 4.502/64:

Art. 71. Sonegação é tôda ação ou omissão dolosa tendente a impedir ou retardar, total ou parcialmente, o conhecimento por parte da autoridade fazendária:

 

I - da ocorrência do fato gerador da obrigação tributária principal, sua natureza ou circunstâncias materiais;

II - das condições pessoais de contribuinte, suscetíveis de afetar a obrigação tributária principal ou o crédito tributário correspondente.

Art. 72. Fraude é tôda ação ou omissão dolosa tendente a impedir ou retardar, total ou parcialmente, a ocorrência do fato gerador da obrigação tributária principal, ou a excluir ou modificar as suas características essenciais, de modo a reduzir o montante do impôsto devido a evitar ou diferir o seu pagamento.

Art. 73. Conluio é o ajuste doloso entre duas ou mais pessoas naturais ou jurídicas, visando qualquer dos efeitos referidos nos arts. 71 e 72.

Percebe-se que tanto a sonegação fiscal, quanto a fraude ou mesmo o conluio são crimes que têm como características conforme determina a lei, o ato de vontade do agente e o impedimento ou retardamento total ou parcial do fato gerador da obrigação tributária. Assim, para o professor Machado (2014, p. 499) o “ilícito administrativo tributário é o comportamento que implica inobservância de norma tributária”. E consequentemente consiste em um comportamento por parte do infrator em inadimplir obrigação principal ou acessória. Para a doutrina, o ilícito tributário implica em um desvirtuamento legal, e que o infrator deva ser punido com penal, tributária e administrativamente. Os crimes e os delitos, bem como as contravenções penais significam designações utilizadas que expressam as penas com as punidas, segundo o professor AMARO (2010, p. 460). Ressalta-se, que os crimes praticados contra a ordem tributária ocorrem com certa frequência, enquanto não estiver lançamento definitivo do crédito tributário na esfera administrativa, podemos afirmar que inexiste a conduta típica a justificar. Contudo, será ilegal a instauração de ações ou de investigações criminais antes da devidamente concluído o procedimento administrativo-fiscal. Em resumo, a problemática sobre os crimes praticados contra a ordem tributária, são tipificadas dentro do direito tributário, nas searas penal, administrativa e tributária. Observa-se, no entanto não haver grandes divergências doutrinárias sobre o tema. Assim sendo, as penas privativas de liberdades são aplicadas ao diretor ou supervisor que deu causa, para os crimes com maior ofensa ao interesse público. Por outro lado, a sanção administrativa é a convertida por meio de aplicação de multas.

Do Combate à Sonegação Fiscal

A sonegação fiscal é um problema que aflige toda sociedade brasileira, e que precisa ser erradicada ou reduzida drasticamente. Contudo, as formas de sonegação fiscal decorrem dos mais diversos e variados modos. Todavia, temos que os fatores motivadores da sonegação fiscal se dão de diversas formas, a saber: i) complexo sistema tributário com número elevado de tributos; ii) pouco retorno do dinheiro arrecadado em políticas públicas; e iii) a alta carga tributária. Assim, a sonegação fiscal tem como determinante o ato de vontade do próprio contribuinte, ou seja, é um ato voluntário do contribuinte de querer sonegar, mesmo sabendo das mplicações criminais. Percebe-se, que a sonegação é algo tão trivial que a própria sociedade parece não a ignorar, demonstrando certa indiferença ao seu verdadeiro papel no exercício da cidadania. Nesse sentido, tem-se que a sociedade brasileira está eivada de uma cultura viciosa.

Em que raramente ser exige nota fiscal daquilo que se compra. A alta carga tributária que gira em média de 33% (trinta e três por cento) aparece como um fator influente, que somado ao sistema tributário complexo repleto de tributos, e de inúmeras 37169 International Journal of Development Research, Vol. 10, Issue, 06, pp. 37165-37171, June, 2020 obrigações acessórias, e ainda, o baixo retorno daquilo que é arrecadado em benefícios à coletividade, contribuem sobremaneira para a sonegação fiscal. PELIZZARI (1990, p. 132) afirma em sua lição que é necessário o governo investir na educação tributária da população, de modo que a legislação e as repercussões econômicas fiquem mais claras, para que o contribuinte saiba o quanto ele paga e o quanto realmente deveria pagar de tributos.

Em certa medida, tem-se que é quase nula as campanhas educacionais no sentido de tornar realidade o exercício de cidadania por parte do Poder Público, bem como, parece não existir nas pessoas um sentimento de pertencimento social, econômico e político. O que por sua vez, transforma-se em um elemento tendente a desestimular a participação das camadas sociais, em especial, a menos favorecida. Demonstraremos abaixo, um quadro da carga tributária, segundo dados da Receita Feder

O combate à sonegação fiscal perpassa pelo aumento da ocorrência de auditorias; integração entre órgãos fiscalizadores nas esferas federal, estadual e municipal; e pela fiscalização do financiamento de campanhas educativas, de sorte que o próprio sonegador sentisse a necessidade de contribuir pelo temor da probabilidade de ser flagrado. Nesse sentido, podemos fazer relação entre sonegação e corrupção, sabe-se que a corrupção é sem dúvida a responsável por um custo bastante elevado, no Brasil, pois segundo dados da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (FIESP), esse custo médio anual, correspondem a 67 milhões de reais. Por outro lado, o valor que se deixa de recolher aos cofres públicos por conta da sonegação fiscal chega a 500 bilhões de reais ao ano, segundo cálculos do Sindicato Nacional dos Procuradores da Fazenda Nacional. Vale ressaltar, que diversos organismos apontam que o prejuízo causado ao Brasil, pela sonegação fiscal é sete vezes maior do que o da corrupção. Assim, as propostas descritas acima, visando a redução da sonegação fiscal, tenderiam a aumentar a arrecadação fiscal, que em contrapartida poderia ser convertida em redução da carga tributária, ou ainda, com aplicação de recursos públicos em áreas como investimento em infraestrutura, principalmente, na área de educação.

Considerações Finais

Se observarmos a história do Brasil, será possível diagnosticar que a sonegação é ato comum praticado desde o tempo do Brasil Colônia, quando parte do ouro enviado para a Corte Portuguesa eram desviados pelos mercenários exploradores das riquezas naturais do Brasil. Verifica-se ainda a existência da insatisfação por parte dos cidadãos brasileiros, quanto às altas taxas de impostos cobradas pela Corte Portuguesa, sobre o minério retirado no Estado de Minas gerais, corroborando para a prática do ato de sonegar e a aceitação da mesma pela sociedade brasileira. Logo, pode-se afirmar que o ato de sonegar tornou-se culturalmente aceito pela população brasileira, como um meio de burlar o sistema tributário. Os principais fatores que levam à sonegação fiscal são as altas taxas tributárias associadas a inaplicabilidade dos recursos públicos em políticas públicas básicas, a exemplo da educação básica, da saúde e da segurança pública. Desta forma, considera-se que a sociedade passa a aceitar e até mesmo incentivar a prática da sonegação fiscal, logo, conclui-se que embora, a sonegação fiscal represente um alto prejuízo financeiro para os cofres públicos, a mesma não é disseminada em seus aspectos socioeconômico, político e jurídico, por meio de campanhas publicitárias e educativas. Por outro lado, a conotação negativa dada atualmente à corrupção é relativa maior que a dispensada a sonegação fiscal. Outrossim, ressaltamos que o custo da corrupção é sete vezes inferior ao custo ocasionado pela sonegação fiscal. A sonegação fiscal afeta diretamente as políticas públicas, por diminuir a arrecadação tributária, e consequentemente inviabilizar orçamentária e financeiramente os projetos e os programas governamentais voltados para a melhoria da qualidade de vida da sociedade brasileira a partir do investimento em direitos fundamentais, tais como, a educação, a saúde e a segurança pública. No século passado o governo brasileiro na tentativa de dificultar e mesmo impedir a sonegação fiscal, criou uma série de dispositivos legais, dentre os quais se pretendeu destacar neste estudo a Lei nº 4.729/64 e a Lei nº 8.137/90. Uma vez que ambas disciplinam matérias relativas ao crime de sonegação fiscal. No entanto, em que pese possuirmos dispositivos legais dentro do direito penal que visam a aplicação do pagamento de multas e até a pena privativa de liberdade aos infratores daqueles que praticam ilícitos tributários ou fiscais, forjando ou omitindo documentos visando reduzir ou não pagar os tributos devidos. Tem-se a eficiência da administração fazendária pátria no combate ao crime de sonegação fiscal, não tem sido suficiente para evitar a evasão fiscal, fazendo-se necessário a reflexão por parte dos órgãos competentes, objetivando realizar os ajustes necessários. Considera-se que a as fraudes tributárias dificulta a concorrência no mercado, uma vez que aqueles que burlam o fisco brasileiro ofertam o seu produto no mercado com preços relativamente em conta se comparado ao produto ofertado pelas empresas que pagam corretamente os seus impostos. Este fator contribui para a expansão do ato de sonegar impostos.

O Brasil é um dos países que apresentam as mais altas taxas tributárias do mundo, é também, uma nação que se destaca pela desigualdade social e pela ineficiência das políticas públicas, estes fatores levam o contribuinte a fraudar o sistema tributário e a sociedade ponderar de forma positiva sobre a sonegação, não compreendendo que a sonegação compromete diretamente os direitos fundamentais inerentes à população brasileira. Compreende-se que a alta carga tributária atua como elemento facilitador do processo de sonegação fiscal e apesar da pena pelo crime de sonegação não ser leve, podendo ser aplicada multa de até cinco vezes o valor do tributo sonegado ou detenção de seis meses a dois anos de detenção, conforme a gravidade do caso. Anualmente a sonegação fiscal tem um custo médio de 500 bilhões de reais o que compreende, conforme estudo teórico a 10% do PIB brasileiro. Todavia, o desinteresse político por uma reforma tributária faz aumentar a sonegação fiscal, num salva-se quem puder! Sendo que, o 37170 Elcias Oliveira da Silva et al., Responsabilidade penal tributária e sonegação fiscal tributary criminal responsibility and tax evasion consumidor, é sem dúvida aquele que arca com o custo Brasil. Uma vez que, o Brasil é um país que tributa fortemente o consumo, menosprezando a taxação sobre a renda e o patrimônio. Ao passo que países desenvolvidos têm uma carga tributária maior sobre a renda e o patrimônio, e menor sobre o consumo. E ainda, faz-se necessária aplicação de recursos em uma política educativa, que vise tornar o cidadão reconhecedor de seus direitos e deveres, do ponto de vista fiscal, em que o mesmo perceba por meio do exercício da cidadania a prevalência do interesse público sobre o interesse privado. Conclui-se que a aplicação de normas legais que imputem severas responsabilização por si só não é suficiente ao combate ao crime de sonegação fiscal. Fazendo-se necessária a aplicação de política educativa no exercício de cidadania no reconhecimento de direitos e deveres. E ainda, a alegação da alta carga tributária ou mesmo a inaplicabilidade de recursos em políticas públicas, não devem ser elementos que inibam o crescimento e a arrecadação de tributos. Por fim, o presente artigo não tem pretensão de esgotar a discussão sobre o tema sonegação fiscal e a responsabilização penal dos responsáveis. Contudo, tem-se que muitos problemas se originam do complexo Sistema Tributário brasileiro, que adicionado ao senso de impunidade dos infratores corroboram para a sonegação fiscal.


https://www.antcbrasil.org.br/admin/imagens/pdf.png" style="margin: 0px; padding: 0px; border: 0px; vertical-align: baseline;"> IJDR 19071_0.


Fonte: International Journal of Development Research.

Imprimir